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Coluna

O "novo" equilíbrio do poder está na Eurásia e longe do G-7

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Posto de Odessa - Foto: Rawpixel/Wikimedia
Equilibrar significa ter forças equivalentes e conseguir exercer projeções de excedentes de poder

O conceito de equilíbrio estratégico é quando um ou mais agentes têm um conjunto de forças equivalentes, “equilibrando” a convivência assim como a potencial animosidade de uns com os outros. Como se aprende ao analisar situações reais, não existe “ação estratégica” porque em um sistema complexo o unilateralismo é quase inexistente. A realidade impõe a “interação” estratégica, onde o movimento de um implica na resposta de outro e em efeitos indiretos em terceiros e quartos.

No Sistema Internacional, o desenho narrado acima é quase um espelho da realidade. Equilibrar significa ter forças equivalentes e conseguir exercer projeções de excedentes de poder. Não se trata somente de capacidades de segurança e defesa, mas também de  complexidade econômica, segurança alimentar e energética, marinha mercante, moeda soberana e uma sólida praça financeira.

O jogo de equilíbrio na Eurásia, no encontro do extremo do continente europeu com o Oeste da Ásia tem na Rússia, Turquia e Irã as principais posições e projeções de poder duro (hard power no jargão do anglicismo).  Com especial influência no comércio mundial de commoditites essenciais, o poder destes países está também na presença naval no Golfo Pérsico; Mar Negro; Mar Cáspio (esse um mare nostrum russo-persa); estreitos de Bósforo e Dardanelos assim como o Mar Egeu (o oeste do Mediterrâneo). Junto do Mar Vermelho e do Canal de Suez, praticamente implica todo o circuito de mercadorias em escala industrial do Grande Oriente Médio e em seus arredores. O único senão fica na saída do Mediterrâneo, com o Estreito de Gibraltar, enclave britânico e sua contrapartida espanhola ainda com possessão no solo marroquino.

Reunião tripartite

O processo de Astana (homônimo da anterior denominação da capital do Cazaquistão) implica uma reunião tripartite entre Rússia, Turquia e Irã, em 19 e 20 de julho de 2022. Em princípio estas rodadas se dedicam a saídas para a guerra na Síria. Em 2022, o conflito russo-ucraniano orientou o encontro para outro nível de aproximações. Esta última reunião foi adiante em Teerã no dia 19 de julho e vem criando um frisson em toda massa continental Eurasiática.

Um dos efeitos diretos do encontro está narrado abaixo, no centro de coordenação estratégica em Istambul, permitindo a navegação de embarcações ucranianas e desafogando o comércio mundial de alimentos. Outro efeito direto é operar como resposta imediata da viagem do  presidente estadunidense Joe Biden para o Estado do Apartheid Colonial e monarquias do Golfo. O encontro calou fundo também nos EUA, tanto que o jornal  New York Times publica um artigo tentando se aproximar da política externa comandada por Erdogan (e inimiga ou adversária de russos e iranianos na Síria) e também ressaltando a evidente política do consentimento tácito com o sionismo (da Rússia) e as tensões com o Irã diante do provável desenvolvimento da energia nuclear em todos os níveis.

O novo centro de coordenação estratégica da ONU 

Na 4ª feira dia 27 de julho do corrente ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu um centro de coordenação em Istambul, onde Ucrânia e Rússia atendem para manter o primeiro acordo significativo após o início da guerra entre os dois países. Uma semana antes, um tratado especial foi assinado, dando garantias de navegação no Mar Negro e através do Estreito de Bósforo.

Os portos ucranianos de Odessa, Chernomorsk e Yuzhny vão poder liberar a carga de grãos estocados nos silos de armazenagem na zona de retro-portuária. O conflito, iniciado há seis meses, estancou o comércio de commodities agrícolas de origem ucraniana, com especial ênfase para milho e trigo. Nestes dois produtos, a Ucrânia representa um importante fornecedor em escala mundo. A idéia da ONU é desafogar a produção ucraniana através da frota mercante do país, operando por um corredor de navegação no Mar Negro e utilizando pilotos e práticos nacionais.

Se o fluxo de navios for mantido, a frota mercante sob bandeira ucraniana vai poder escoar a produção estocada em quatro meses. O efeito imediato é diminuir a pressão inflacionária no comércio mundial, sofrendo pressão de alta tanto pela guerra como pelo congestionamento naval no Mar do Sul da China e na costa Noroeste desse país. Pelo visto, o alto comissariado da ONU desistiu de fazer apelos inócuos para as potências ocidentais e optou por sua própria versão da “real politik”. O pragmatismo das Nações Unidas nos leva a algumas conclusões.

Considerando o desenho estratégico, nos damos conta de três constatações:

– o litoral e o mar territorial da Ucrânia não têm mais a soberania naval assegurada, implicando na autorização da marinha russa para a navegação;

– a partir do segundo semestre de 2022, o Mar de Azov é uma área contígua da Criméia e está diretamente controlada pela frota do Kremlin;

– a ONU não contou com o núcleo central da OTAN para articular o acordo e sim com a marinha neo-otomana que controla os estreitos. Logo, esse acordo saiu apesar dos países líderes do acordo Atlântico.

BRICS e D-8: o mundo já não cabe sob o guarda-chuva do G7

A outra percepção é que dois foros permanentes de coordenação estão ganhando cada vez mais relevância. O primeiro está representado na sigla empregada por um então executivo da sempre suspeita Goldman Sachs – talvez a maior responsável pela farsa com nome de crise em 2007 e 2008. O pedido de ingresso de outros dois países, além do círculo ampliado representa uma guinada no rumo da Eurásia.

Irã assim como Argentina pediu ingresso nos BRICS; o que implica agregar-se ao guarda-chuva de encontro entre países que já representam mais de 40% da população global e mais de 30% do PIB mundial. Com a soma destes dois Estados, o agrupamento receberia um país que pode alimentar a mais de 600 milhões de pessoas e outro que é uma potência petroquímica, tecnológica, de engenharia complexa e sistemas de defesa.

Outra aliança importantíssima é a Organização para a Cooperação Econômica, ou o Desenvolvimento dos Oito países de maioria islâmica (D8). Neste foro iniciado em 1997 estão Nigéria, Turquia, Irã, Egito, Malásia, Bangladesh, Indonésia e Paquistão. Desta forma, além dos Estados da Ásia Central (a exemplo do Cazaquistão) e alguns relevantes países árabes (como Argélia), estamos diante de um importante espaço de coordenação evidentemente liderado por potências médias como Irã e Turquia. A envergadura do D8 e suas potencialidades econômicas merecem um ou mais artigos específicos.

Apenas constatar a dimensão desta capacidade em termos financeiros é um vislumbre do que vem por aí. Em um mundo onde o G7 obedece como nunca aos EUA, estar diante do comércio entre países produtores de petróleo e petroquímica é muito interessante. Se apontarem para uma mudança no índice especulativo, como a aberração que é cotar o óleo cru nigeriano (o Bonny Light) no Brent europeu, o poder financeiro pode realmente mudar de controladores. Um sistema baseado em finanças islâmicas e longe do fator dólar certamente ajudaria a “desequilibrar” o poder mundial para longe da OTAN.

O G-7 não incidiu sobre o escoamento dos grãos da Ucrânia, mas sim sobre as sanções que geraram mais inflação no mundo pós-pandemia. A saída pelo Mar Negro sem a escolta da 6ª frota dos EUA é um sinal evidente por cima do tabuleiro, revelando a profundidade da mudança que estamos vivendo.

* Este artigo foi originalmente publicado no portal Monitor do Oriente Médio

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** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira