O feminicídio contra a jovem indígena de 14 anos Daiane Griá Sales Kaingang, em Redentora, no Noroeste do Rio Grande do Sul, completa um ano nesta semana.
O corpo da adolescente foi encontrado em meio a uma lavoura, com mutilações abaixo da cintura, em 4 de agosto. A denúncia foi feita pelo Ministério Público em 1º de outubro do ano passado, com base em investigações da Polícia Civil.
Um homem de 33 anos acusado de aliciar, violentar e assassinar a jovem continua preso preventivamente.
A menina vivia na Terra Indígena do Guarita. A reserva de 24 mil hectares que ocupa parte dos territórios de Redentora, Tenente Portela, Erval Seco e Miraguaí, no Noroeste gaúcho, a 425 km de Porto Alegre, foi redemarcada em 1997 e abriga mais de 7 mil indígenas em 16 setores Kaingang e dois da etnia Guarani.
Maior terra indígena do estado, a reserva é alvo constante de violências e ameaças externas aos aldeados devido à disputa por terras. Também é constante a ocorrência de crimes de ódio e de violência sexual contra crianças e adolescentes.
Um ano depois, o crime que abalou o município de Redentora e as comunidades indígenas da região, no Noroeste gaúcho, permanece envolvo em um mistério que a polícia, o Ministério Público e o judiciário ainda não conseguiram desvendar: quem matou Daiane?
Articulação de mulheres
“Continuamos perguntando quem matou Daiane. Existem indicativos de que possa ser um crime coletivo e muito macabro”, afirma Telia Negrão, coordenadora nacional do Levante Feminista contra o Feminicídio, uma campanha que se articula para construção de uma ação conjunta pela vida das mulheres.
“É um crime revestido de mistérios e que possivelmente oculta a participação de mais pessoas da localidade. Não estamos satisfeitas com as investigações desde o início, com o inquérito, com o resultado da perícia, nem com a história que foi contada”, exclama.
O crime teve repercussão mundial. A vítima foi aliciada em uma festa de rua antes de ser violentada e morta por estrangulamento, perto de uma lavoura no território.
Daiane Sales: alvo vulnerável
O delegado que conduziu a investigação, Vilmar Schaefer, disse ao Extra Classe que a investigação está concluída. “Não há fatos novos. Não há indícios de participação de terceiros, pelo menos nada de concreto nos chegou ao conhecimento ao longo de extenuante e abrangente investigação”, explica.
O promotor público Miguel Germano Podanosche afirmou que o processo continua em primeira instância, na Comarca de Coronel Bicaco, jurisdição de Redentora, pois está suspenso devido à alegação da defesa de que o réu sofreria de transtornos mentais. “Aguardamos perícia psiquiátrica com a máxima brevidade possível”, informou.
Em sua denúncia, o promotor concluiu que o caso se qualifica como feminicídio. “Se Daiane não fosse mulher, não teria morrido. As investigações apontaram que o réu buscava uma mulher, preferencialmente indígena. E o crime, por motivo torpe, se deu pela vulnerabilidade de gênero e de etnia”, aponta.
Podanosche explicou que, se a Delegacia de Redentora identificar outras autorias ou tiver novas informações sobre o caso, deverá cumprir o regramento administrativo de comunicá-las ao Ministério Público. “Nesse caso podemos fazer nova ação ou aditar a primeira denúncia. Isso dependerá do custo-benefício para o caso”, pondera.
Crime hediondo
Ao receber o inquérito da força-tarefa que investigou o caso, em setembro do ano passado, o representante do Ministério Público classificou o crime como grave violação dos direitos humanos. “Dos direitos da mulher, dos indígenas e de todo e qualquer ser humano”, disse.
O agressor, frisou Podanosche, agiu com extremo menosprezo à condição étnica, racial, de gênero, à menoridade e à incapacidade de negociação ou defesa por parte da vítima.
O exame realizado no sangue da menina constatou que o nível de álcool era três vezes superior ao limite permitido pela lei de trânsito. “Isso mostra que estava em vulnerabilidade absoluta. O que ocorreu foi um estupro de vulnerável, um crime hediondo”, concluiu.
Edição: Extra Classe