A lógica patriarcal é a da conquista do poder, da discriminação e da destruição da natureza
Laura é professora de um colégio público. Como precisava comprar um presente de aniversário, combinou de se encontrar no shopping com Luiza, sua grande amiga e trabalhadora de um conhecido salão dali. Atravessou o primeiro andar, de um lado a outro, para chegar no café que haviam definido. Muitas luzes. Luzes que cegavam e cobravam caro por existir. Luzes que cegam para que a gente não enxergue lá fora onde, hoje, fazia um sol lindo. Pensamentos malucos se chocavam dentro da sua cabeça. O império dos shoppings a lembrava do livro A Caverna, do maravilhoso José Saramago.
Ali dentro, seu pensamento ficava enlouquecido como se chegasse de vários lugares. Externos e internos. Durante muitos milênios, quando as florestas eram exuberantes e os animais felizes. Na live que assistiu à noite sobre Patriarcado, entendeu que os homens foram pouco a pouco impondo regras que os favoreciam. A Terra foi se moldando em um mundo patriarcal. E como será que chegamos de lá até aqui???
Nas sociedades indígenas, o patriarcado era menos dominante, mas já existia. Também haviam sociedades matriarcais, mas se conhece menos sobre essa forma de organização social e econômica. Na verdade, o sistema patriarcal existe há milênios. Um pouco pela força dos homens, um pouco motivado pela capacidade de reprodução das mulheres que os homens querem controlar. No início, a questão central era o controle da herança e consequentemente da descendência. Hoje é muito interessante.
O capitalismo transformou o sonho de algumas mulheres em se tornarem empresárias capitalistas, mesmo sabendo que possuir uma empresa signifique explorar alguém. Laura se deteve para olhar uns sapatos na vitrine e se perguntou: por que as pessoas constroem shoppings? As mulheres também se envolvem no comércio e nas construtoras e em muitas atividades empresariais. Essa lógica patriarcal é a mesma lógica da conquista do poder, da ambição, da discriminação e da destruição da natureza, fazendo um culto às cidades, aos tijolos, ao artifício.
Para superar essa forma de organização do capitalismo patriarcal precisamos considerar a ideologia forjada por milhões de anos e tentar criar outras formas. Claro que cooperativa é uma forma, mas para aprofundar isso é preciso ir além do econômico. A luta tem que ir além, alguns pequenos progressos não eliminaram nem a misoginia, nem a discriminação contra as pessoas LGBT, nem o racismo, nem a discriminação aos povos originários.
Laura lembrava de uma marcha de protesto, nos EUA, de pessoas negras onde duas mulheres estavam sendo violentamente agredidas pelos policiais. Uma delas não hesitou e partiu pra cima do milico como um exemplo para todas nós. Um exemplo de reação e do quanto a luta das mulheres negras faz parte da luta feminista.
Chegando ao café combinado entrou e sentou, ainda era cedo. Como decoração da loja, um gigantesco triângulo de bombons e barras de chocolate. Decorado com muitas luzinhas que não iluminam... As atendentes sorriam como fadinhas. Na mesa ao lado tinha um casal. Ele falava alto e grosso, mesmo demonstrando sinais de sua avançada idade. A mulher, quietinha, sentada bem envergada para a frente, com traços de uma elegância já cansada. Ele, com a fala grossa e forte, parecia falar sozinho. De repente, olhando para a frente disse: vamos e se levantou. Ela saiu atrás como uma cachorrinha velha. Já sem vontade e sem alegria. Laura quis ir correndo puxar o braço da mulher e convidá-la a sentar na sua mesa, perguntar por que seguia ele.
Laura continuava com seus pensamentos. E, o que seria patriarcal? A lógica patriarcal é a lógica da conquista do poder, da ambição, da discriminação e da destruição da natureza. Uma sociedade onde as regras são dadas pelos homens. Será?
Preciso ler mais sobre o tema!! Interrompeu-se. Não há outra saída. Só a luta, lembrou da mulher negra na TV enfrentando um policial.
Ufa, chegou a Luiza! Será que conseguiremos ganhar essa batalha?
Comprar esse presente, calar a boca desse homem, e derrubar o Patriarcado?
* Clarisse Chiappini Castilhos, economista aposentada da extinta FEE, ativista feminista.
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko