Rio Grande do Sul

PAPO DE SÁBADO

Privatização da CEEE Geração vai encarecer o preço da energia no RS, diz especialista

Ronaldo Schuck, que trabalhou na CEEE e foi diretor do ONS, critica pressa do governo gaúcho para realizar o leilão

Brasil de Fato RS | Porto Alegre |
Entrevistado também lembra os aspectos estratégicos necessários para que o Estado permaneça como controlador da geração de energia - Foto: Arquivo pessoal

Como que a toque de máquina, o governo de Eduardo Leite e Ranolfo Vieira Junior acelerou o processo de privatização do que resta da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), a CEEE Geração. No dia 8 de julho foi publicado o edital de privatização da CEEE-G tendo como prazos: 11 a 19 de julho para impugnação do edital, 26 de julho para entrega das ofertas pelos interessados em adquirir a empresa; 29 de julho o leilão e 1º de agosto a divulgação do resultado.

A empresa está sendo oferecida ao mercado pelo preço mínimo de R$ 836.593.210,76, cerca de um terço a menos do que o preço mínimo cobrado no leilão anterior, de R$ 1.253.737.766,08, quando não apareceram interessados. Um desconto de aproximadamente R$ 400 milhões.  

Além dos R$ 836 milhões, a empresa compradora da CEEE-G terá que pagar cerca de R$ 1,66 bilhões ao Ministério de Minas e Energia (MME) pela outorga (concessão), por 30 anos, das 13 usinas da Companhia. O pagamento da outorga deverá ser feita em parcela única, em até 20 dias contados do ato de assinatura do novo contrato de concessão. As 13 usinas da CEEE-G somam 920,4 MW de potência instalada, o equivalente a aproximadamente 25% da demanda média de energia do Rio Grande do Sul.

Dessas 13 usinas que o governo do estado quer privatizar, 12 estão sob o regime de cotas, vendendo energia pelo mercado regulado a uma média de R$ 60,00 o 1 mil quilowat/hora (kW/h). Depois de privatizadas, será assinado um novo contrato de concessão em que essas usinas passarão a vender energia pelo mercado livre a uma média de R$ 300,00 o 1 mil quilowat/hora. Um excelente negócio para os compradores.

Ronaldo Schuck, que foi funcionário da CEEE por 30 anos, diretor do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) por 8 anos e também trabalhou diretamente no Ministério de Minas e Energia, na condução do programa Luz Para Todos, esclarece nesta entrevista exclusiva para o Brasil de Fato os motivos da rapidez do leilão e a quem pode interessar este negócio altamente rentável. Ele também lembra os aspectos estratégicos necessários para que o estado permaneça como controlador da geração de energia.

Abaixo, a entrevista:

Brasil de Fato RS - O que podemos esperar da venda do restante do patrimônio da CEEE? O povo gaúcho ganhará alguma coisa relevante? Ou apenas continuará se desfazendo do patrimônio e do controle da geração de energia no Estado?

Ronaldo Schuck - A provável iminente venda das usinas hidrelétricas da CEEE Geração pelo governo do estado é uma decisão que a população gaúcha só pode lamentar. São usinas já com seus investimentos amortizados, sempre foram muito bem conservadas, em pleno funcionamento e atendendo todas exigências técnicas e padrões exigidos pela regulamentação do setor elétrico nacional. São lucrativas apesar do preço de venda relativamente baixo para os dias atuais, o que contribui naquela proporção de energia que estas fornecem para a modicidade tarifária aos consumidores. Com novos donos, a tendência é de aumento de valores desta energia produzida pelas usinas e injetada no sistema interligado nacional.

BdF RS - Quando começou este processo de privatização do serviço público?

Ronaldo - O processo de privatização dos serviços ligados à energia elétrica (produção e distribuição) iniciou na década de 1990, com a transferência para a iniciativa privada, num primeiro momento, principalmente das concessões estaduais de distribuição. No caso do RS, em 1997 foram privatizados dois terços de toda concessão,  bem como a geração termoelétrica(carvão) foi transferida para a União. No ano passado foi levado a leilão a última região do estado, até então atendida pela CEEE Distribuição. Nesta mesma década foi transferido para iniciativa privada um grande parque de geração de energia, o da subsidiária Eletrosul (Eletrobrás), empresa esta responsável também pelos grandes sistemas de transmissão para os estados da região Sul do Brasil.

Com novos donos, a tendência é de aumento de valores desta energia

BdF RS - Porque os gaúchos, liderados por Leonel Brizola, criaram a CEEE? Qual era a situação da energia no estado antes de sua criação?

Ronaldo Schuck - A criação da CEEE pelo governador Leonel Brizola foi uma decisão corajosa e estratégica. Era um atendimento precário e que não permitia expansão de qualquer segmento da economia gaúcha. A partir desta decisão houve forte crescimento de investimentos e gradativamente, com a construção de usinas e reforço nos sistemas de transmissão e distribuição, nosso Rio Grande mudou de patamar em termos de crescimento e segurança em todos os sentidos. 

BdF RS - De quem deve ser o papel de geração e fornecimento de um elemento estratégico como a energia para o desenvolvimento do Estado?

Ronaldo Schuck - Pela relevância que possui, o papel de produção para o abastecimento do estado, deveria ficar com o próprio estado, em especial as fontes hidrelétricas na medida que estas fazem parte do usos múltiplos da água, gestão ambiental sobre estes recursos e também as centrais nucleares de produção de energia. Países ricos estão voltando a estatizar estas fontes de energia.  

BdF RS - Quantas usinas tem o sistema de energia da CEEE instalado?

Ronaldo Schuck  - A CEEE-GT possui cinco usinas hidrelétricas (UHEs), oito pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e duas centrais geradoras hidrelétricas (CGHs) com potência própria instalada de 909,9 MW. Outros 343,81 MW são oriundos de participação em projetos realizados através de Consórcios ou Sociedades de Propósito Específico (SPEs), somando potência total de geração de 1.253,71 MW, sendo que 1.145,97MW estão instalados no Rio Grande do Sul. A energia produzida pelas usinas destina-se ao suprimento do Sistema Integrado Nacional (SIN) e os clientes da Área de Geração são empresas de Distribuição e Consumidores Livres do mercado, conforme fonte governo do RS.

A impressão que fica é que tem que ser transferida, independente de estar com valores justos

BdF RS - Apesar de todo essa patrimônio estar avaliado em mais de R$ 1,25 bilhões, o governo do estado pôs à venda por menos de R$ 837 milhões – um  prejuízo de mais de R$ 400 milhões para o povo gaúcho. Por que o senhor acha que isso acontece?

Ronaldo Schuck - A redução dos valores mínimos exigidos entre o primeiro e o segundo leilões do parque gerador da CEEE G de cerca de R$ 400 milhões não parece razoável. A impressão que fica é que tem que ser transferida, independente de estar com valores justos. Trata-se de um patrimônio do povo gaúcho. E estamos vivendo período de subida da valoração dos energéticos.


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Edição: Marcelo Ferreira