Em 1989, havia esperança e futuro no ar e na conjuntura. Em 2022, as incertezas nos rondam
O Brasil e o povo brasileiro estão numa encruzilhada histórica. Os últimos acontecimentos não permitem dormir, muito menos descansar. A palavra de ordem, primeira e única, é resistir. Resistência ativa, por certo. E lutar para ganhar a eleição presidencial no primeiro turno.
Olhando o cenário que se apresenta vêm à cabeça e ao coração o ano de 1989, ano da primeira eleição presidencial direta após o fim da ditadura, mas com o pensamento em 2022.
Em 1989, havia esperança e futuro claramente definidos no ar e na conjuntura. Em 2022, as incertezas rondam todos os ambientes e frequentam todas as análises políticas sobre a própria eleição e o que vai acontecer depois do 2 de outubro, seja qual for o resultado.
1989 e os anos 1980: As lutas sociais e os movimentos sociais urbanos e rurais estavam em ascensão, com greves e ocupações, com a ANAMPOS, Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindical, a CUT e o movimento sindical combativo, com o MST, a CMP, Central de Movimentos Populares, o MAB, Movimento dos Atingidos por Barragens, entre outros movimentos que anunciavam fé no amanhã. Havia as pastorais sociais em efervescência, com as CEBs, Comunidades Eclesiais de Base, a CPT, Comissão Pastoral da Terra, a PO, Pastoral Operária, a PJ, Pastoral da Juventude, o CIMI, Conselho Indigenista Missionário, e surgia o Movimento Fé e Política. Surgiram o PT e outros partidos de esquerda, o PT elegendo 16 deputados federais constituintes, 4 deputados estaduais constituintes gaúchos. Aconteceu a grande mobilização das Diretas-Já e por uma Constituinte Livre e Soberana, com ampla participação social, milhões nas ruas, resultando na Constituição Cidadã de 1988 e na Constituição gaúcha, a mais progressista do Brasil segundo os analistas.
A campanha eleitoral de 1989 para presidente, que tive a honra de coordenar no Rio Grande do Sul, foi memorável, especialmente o segundo turno, juntando Lula e Brizola. Mesmo a derrota, por influência da eterna elite conservadora e escravocrata e o apoio da Rede Globo ao presidente eleito, permitiu encaminhar nos anos seguintes um processo de impeachment e a resistência ao neoliberalismo nos anos 1990, até se chegar a 2002, com a histórica vitória, e finalmente Lula presidente.
Em 1989, a democracia não estava ameaçada. Em 1989, havia fome, tanto que Lula, no governo Paralelo, lançou uma Política de segurança alimentar e nutricional em 1991, que resultou no CONSEA e na 1ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e na Ação da Cidadania contra a Fome a Miséria e pela Vida, coordenada por Betinho. Mas a fome não era a de hoje, quando o Brasil, que saiu pela primeira vez na história do Mapa da Fome segundo a FAO, voltou nos anos recentes ao Mapa da Fome. Em todas as periferias, hoje, acontecem os Comitês Populares contra a Fome, as Cozinhas Solidárias e Comunitárias, foi lançada a Frente Nacional contra a Fome e a Sede em 2022, que está propondo a CAMPANHA #EuvotoContraFomeESede. A Amazônia e o meio ambiente estão sendo destruídos sem dó nem piedade, e a soberania nacional está em perigo.
Hoje, 2022, fala-se em possibilidade de golpe todos os dias, as instituições democráticas estão à beira do colapso. O ódio e a intolerância atravessam mentes, cabeças, corações e famílias. A violência, os assassinatos, os feminicídios acontecem todos os dias, absurdamente. Aumentou vertiginosamente o número de armas na mão de parcelas da população, os Clubes de Caça e Tiro e milicianos dominando muitas periferias e comunidades.
As políticas públicas construídas nas últimas décadas, a começar pelo Fome Zero, foram extintas. O CONSEA, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e todas as políticas, como o PLANSAN, o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e o SISAN, Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, construídos no diálogo entre a sociedade civil e o governo federal, assim como os demais Conselhos de participação social e popular, foram extintos. Daí a fome, a miséria e o desemprego estão de novo presentes no cotidiano, como não se via nas últimas décadas.
E há uma guerra lá longe, que a cada dia mostra suas consequências geopolíticas, econômicas, ambientais, todas trágicas, para o mundo inteiro, sem perspectiva de terminar.
Por isso, em 2022, acontecerá a eleição das nossas vidas. Os Comitês Populares de Luta estão surgindo e acontecendo, felizmente, por todos os lados, nos bairros, nas periferias, ligados aos movimentos sociais, ao movimento sindical, às escolas e Universidades, às pastorais sociais, e nas comunidades. É preciso muito trabalho de base e organização popular, com o máximo de unidade, não só para ganhar a eleição, mas para governar no meio do quase caos, e reconstruir tudo que foi ou está sendo destruído, de novo com paz, justiça social e igualdade.
Escrevi, profeticamente, em ´Elementos de Conjuntura nos Novos Tempos´, outubro de 2018, depois das eleições presidenciais: “A crise é profunda e a luta será longa e difícil. Mas tal como foi enfrentada a ditadura militar e a redemocratização aconteceu, mais uma vez a democracia haverá de vencer. E ninguém solta a mão de ninguém” (Em ´Lendo e Refletindo´, Volume 1, OLMA, Observatório Nacional de Justiça Socioambiental, 2021).
Resistir é preciso, na eleição das nossas vidas, e ESPERANÇAR freireanamente.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko