O 13° Acampamento Estadual do Levante Popular da Juventude do RS (LPJ/RS) aconteceu entre os dias 15 e 17 de julho de 2022, na cidade de Santa Maria. O LPJ é um movimento social formado por jovens, organizado na maior parte dos estados brasileiros. O RS é o berço do Levante e o encontro estadual acontecer junto da Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop) faz parte da tradição do movimento.
A reportagem do Brasil de Fato RS esteve presente no Acampamento para registrar a experiência e relatar um pouco como foi a organização e os debates que os jovens organizados neste movimento popular fizeram.
Acampamentos fazem parte da organização do movimento
O encontro reuniu cerca de 400 jovens, de aproximadamente 40 cidades gaúchas, de todas as regiões do estado. Os acampamentos são a principal forma de encontro do LPJ, uma referência à influência dos movimentos de camponeses que fizeram parte da construção do Levante, e que também realizam acampamentos como forma de encontro.
Em primeiro plano, o acampamento é um encontro daqueles que participam de alguma forma do movimento por todo o estado, sejam aqueles que atuam nas células, ou aqueles que ainda estão conhecendo a organização. Segundo, é durante esses dias que os jovens debatem a situação política do país, organizam e planejam as atividades do próximo período no estado
Em Santa Maria, pensando no RS e o Brasil
Os debates que acontecem em pequenos grupos ou reunindo todos os jovens em uma plenária se voltam para o estudo da realidade da população brasileira e principalmente dos jovens. A proximidade com o processo eleitoral também é uma preocupação, tema abordado durante o encontro.
Dessa forma, o acampamento foi o espaço para apresentar conclusões desses debates políticos, concretizados através do chamado Programa Popular para a Juventude, um documento com análises sobre os principais problemas da juventude e propostas para melhorar a situação.
O lema do acampamento este ano, inclusive, foi proposto alinhado com este Programa: “Juventude quer viver! Reconstruir o Brasil e ocupar o poder!”. Segundo a coordenação estadual do movimento, o lema é uma referência aos desafios políticos que a juventude terá de enfrentar para o próximo momento.
Análise de conjuntura
Além dos espaços voltados para a atuação e organização do movimento, no acampamento existem os momentos de formação, voltados para o estudo da realidade. Para isso, foram convidadas Júlia Aguiar, do Rio de Janeiro, que atua na União Nacional de Estudantes (UNE), e Larissa Brito, gaúcha de Pelotas, que é assistente social.
Para Júlia, analisar a conjuntura significa observar o mundo, para poder pensar quais são as necessidades e os passos que a juventude tem que dar para transformar essa realidade.
"O Levante é um movimento que pensa nas necessidades da vida da juventude, seja na nossa escola, universidade, comunidade ou grupo. Que pensa nas necessidades do dia a dia: qualidade do transporte público, acesso à educação, ao esporte e ao lazer. Mas que também reflete sobre questões mais profundas, sobre o porque precisamos lutar para ter acesso à escola, se isso é um direito que deveria ser garantido", disse.
Também afirma que o movimento busca refletir e agir sobre as raízes do sistema que organiza as formas de vida: o sistema capitalista.
"Esse sistema está voltado aos interesses do lucro e das grandes elites brasileiras. Um povo que a gente nem vê, que está por trás de tudo que acontece e ganha explorando o trabalho, da juventude e suas famílias", continuou Júlia.
"Compreender para transformar"
Júlia disse também que a análise da conjuntura não serve somente para entender como funciona o mundo, mas também, a partir da compreensão, planejar meios de transformar a realidade.
"A gente pensa, nas nossas reuniões, nos nossos espaços coletivos de organização, formas de intervir na realidade. Desde o 'miudinho', fazendo as lutas que tocam nossa vida no cotidiano, até a construção de um projeto de país, com mudanças estruturais", explicou.
Analisando o Brasil de hoje, Júlia acredita que as análises do movimento levam para a compreensão de que o país se encaminha para decidir entre dois projetos opostos: está em jogo a própria democracia, a possibilidade de se reunir politicamente em locais públicos.
"A gente precisa, enquanto jovem, organizar no Brasil inteiro uma 'campanha-movimento'. Muitos jovens olham pra política e falam que não se identificam. Que a política é cheia de gente branca e que não conhece a realidade da periferia. Isso pode até ser verdade, mas a nossa tarefa é olhar pra essa realidade e se envolver. Se não está da forma como queremos, temos que nos juntar com os nossos e entrar pra mudar", alertou.
Ela encerrou pedindo que o movimento construa comitês populares, expanda as suas células, e crie grupos que possam trazer a juventude para a luta política.
"Nossos sonhos não cabem nesta realidade"
Por sua vez, Larissa Brito começou recordando do segundo Acampamento Nacional do Levante, realizado em 2014, na cidade de Cotia (SP).
"Desde aquele momento, o Levante já afirmava que os nossos sonhos não estão cabendo nessa realidade. Espero que todo mundo que esteja vindo aqui pela primeira vez se sinta muito acolhido e que sinta o coração bater mais forte. Assim que construímos nossos espaços do Levante, compartilhando nossos sonhos com outros companheiros que também estão na batalha do cotidiano, lutando por um futuro melhor", afirmou.
Larissa convidou a pensar sobre o Brasil de hoje, em que os jovens que nasceram nos anos 2000 passaram a ter acesso a direitos que os jovens das gerações anteriores não tiveram.
"Tivemos acesso a várias coisas, podíamos sonhar com acesso à universidade, mais empregos, acesso à saúde. Mas vejam, não são garantias permanentes, em pouco tempo, perdemos vários direitos", recordou
Larissa afirmou que as perdas de direitos são golpes na qualidade de vida das pessoas, principalmente dos jovens, fazendo conexão com o lema do acampamento, que trata da vida com dignidade: "Juventude quer viver, mas com vida digna, além do básico."
Porém, no atual momento, mais de 33 milhões de brasileiros vivem com algum nível de insegurança alimentar, muito distantes de uma vida digna. Nesse sentido, que os movimentos populares têm se mobilizado para fazer campanhas de solidariedade para tentar amenizar o problema da fome e discutir essa realidade com a população, mesmo em um momento tão delicado.
"Esse é um ano decisivo nas nossas vidas, a gente precisa estar organizado para defender os nossos projetos. Ninguém aguenta mais tanta notícia ruim, precisamos pegar essa indignação e organizar. Aqui [no acampamento] a gente apresenta uma alternativa, o Levante é uma saída coletiva", completou Larissa.
Juventude correndo pelo que acredita
Segundo a coordenação do movimento, toda a operacionalização do evento é feita pela própria militância: são os próprios jovens que organizam e executam as tarefas de limpeza, segurança, alimentação e cuidados com a saúde, por exemplo.
Esse processo, de acordo com a tradição dos movimentos populares, busca inserir os jovens em uma prática que também seja parte de uma formação política, ao mesmo tempo que estimulam valores de cooperação, que integrem e respeitem toda a juventude presente.
Na tarefa conhecida como “ciranda”, por exemplo, os jovens destacados para esta atividade devem desenvolver atividades recreativas para as crianças que estiveram no acampamento. Dessa forma, as jovens que são mães podem ir ao evento e participar das atividades. Vale lembrar que esta proposta pedagógica, em que as tarefas fazem parte de uma atuação política, não foi criada pelo Levante, mas foi absorvida pelo contato com outros movimentos.
Atuando no Levante, construindo um projeto
Durante o acampamento, a reportagem do BdF RS encontrou Daniel, acadêmico de Fisioterapia na Universidade Federal de Santa Maria. Nesse acampamento, ficou de atuar na tarefa da saúde, quando os jovens fazem turnos, ficando de prontidão.
Daniel conheceu o Levante quando participou do Encontro Nacional do movimento que aconteceu no Rio de Janeiro, em 2022. Antes disso, havia participado de atos e manifestações em sua cidade, convidado por colegas e amigos que já faziam parte do movimento. Afirmou que, para ele, o Levante significa um projeto de reorganização da sociedade, onde o povo participa efetivamente da construção do país.
Taís, por sua vez, é estudante e mora na cidade de Bagé. Ajudou na tarefa da ornamentação e da infraestrutura. Para ela, o acampamento tem a função de "dar um gás na organicidade do movimento".
Apesar de não fazer parte do Levante, Adriana, chefe de cozinha profissional, foi ao acampamento para atuar na preparação das refeições. Vive na grande Cruzeiro, em Porto Alegre, onde faz parte da organização de uma cozinha comunitária, que prepara alimentos para a população que vive em insegurança alimentar. É nesse território que conheceu o Levante, sendo convidada do movimento para ajudar no acampamento.
Adriana recordou que os alimentos preparados para os jovens do Levante foram doados pelos movimentos do campo, principalmente o MST, que também ajudam nas cozinhas comunitárias da sua região.
Ato político de apresentação do Programa
A apresentação do Programa Popular para a Juventude do RS foi feita em um momento especial, um ato político que contou com a presença de diversos apoiadores do movimento, especialmente convidados para a ocasião.
Claudia Machado, representando a coordenação da Feicoop, ressaltou os laços já históricos do movimento com a Feira. Também reforçou que, este ano, a Feira enfrentou um grande desafio, que é dar continuidade à sua realização sem a presença da principal liderança que ajudou a organizar as edições anteriores, a Irmã Lourdes Dill.
"Em nome de toda a organização da Feicoop, queria dizer que a gente sente uma energia muito forte vinda da juventude. A palavra 'levante' tem um significado muito importante. Quando vocês cantam, nesse território de Economia Solidária e de resistência, a gente sente", posicionou Claudia, reafirmando que a juventude precisa estar ocupando estes espaços de articulação da Economia Solidária.
"O Levante é um patrimônio da Feicoop. A Feira não seria a mesma sem a presença e a energia da juventude. As pautas do cooperativismo e da Economia Solidária são a mesma da juventude"
Finalizou sua fala repetindo um provérbio africano, que a Irmã Lourdes sempre repetia em suas falas: "muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, mudarão a face da Terra".
"Momento que vivemos é histórico"
A jornalista Carolina Lima, do Movimento Brasil Popular, recordou a importância da Irmã Lourdes e a ligação da sua figura com a construção do movimento. Relembrou também de um episódio que lhe contaram, sobre quanto a Irmã se emocionava quando via o Levante passar pela Feira com a sua batucada.
Reforçou que o momento atual é de grande importância para a história do país e do próprio capitalismo. Afirmou que a divisão de classes é muito grande, o que pode ser observado através de dados econômicos, que indicam 1% da população mundial sendo detentora de aproximadamente 40% da toda a riqueza mundial.
"O Brasil convive com a fome e o desemprego, além da violência política. Tudo isso nos coloca em uma situação onde o Brasil é um país central para manter essa desigualdade no mundo", asseverou.
Por isso, ressaltou que as eleições de outubro ganham muita importância. Nesse sentido, elogiou o esforço do movimento de construir o Programa Popular para a Juventude, para apresentar propostas para as candidaturas, entendendo o papel da luta institucional para mudar a realidade.
Reforçou também o papel da organização da juventude para resistir à violência política. Principalmente, para que os jovens organizados resistam ao medo gerado pelos atos de violência. Carolina reiterou também a importância da organização nos movimentos e comitês populares. Ela entende que essas ferramentas são formas de estimular o trabalho de base, nos territórios e comunidades.
"Temos que apontar isso para os candidatos também. Os mandatos precisar estar à serviço da organização popular e da luta do povo. As eleições assumem um papel muito importante, mas não bastam, precisamos estar organizados."
"Os jovens precisam discutir política"
Também participou do ato a dirigente do MST/RS Roberta Coimbra. Ela recordou que, apesar de hoje ser assentada da reforma agrária no campo, sua origem é urbana, na periferia de Gravataí.
"Na década de 1990, fazer universidade estava fora dos planos, não era para quem é pobre. O trabalho era necessário para pagar as contas, mas raramente era um trabalho formal, no geral era quase um sofrimento, que a gente tinha que passar pra poder sobreviver", lembrou.
Roberta afirmou acreditar que a realidade não mudou tanto assim, de uma geração para a outra, mas que a presença de organizações nos territórios e nas periferias ajuda as pessoas a fazerem um debate mais aprofundado para entender a realidade. Por isso, que na sua adolescência, se organizou no MST, para poder conquistar um pedaço de terra. E ressaltou o espaço da Feira como forma de refletir a sociedade e suas outras possibilidades, inclusive a relação com o trabalho e com a economia.
"A Feira representa a possibilidade de fazer coisas juntos, com outros companheiros. A gente não constrói as coisas sozinhos, mas com cooperação e solidariedade. A pandemia mostrou como isso é importante", opinou Roberta.
Também considera que ver muitas pessoas jovens naquele espaço é muito importante para o momento histórico e para manter a Feira viva, principalmente com as dificuldades e com a ausência da Irmã Lourdes. Considera que as sementes plantadas pela Irmã cresceram e deram frutos.
"Temos que consolidar essas conquistas. Isso acontece quando elas passam a fazer parte da cultura e viram um direito. Por isso que fazemos esses debates na política. Temos que discutir a política profundamente. No Brasil, discutir política é considerada uma coisa feia, precisamos mudar isso entre os jovens", pediu Roberta.
Ato político é momento de encontrar os parceiros
Para Lucas Gertz, integrante da coordenação do Levante no RS, o ato político é o momento de apresentar pra juventude que está presente no acampamento os caminhos que o movimento visualiza para poder pautar os governos nas lutas por direitos.
Também é o momento, explicou Lucas, para apresentar o Programa Popular para a Juventude para os jovens e para os parceiros que apoiam o movimento em suas ideias e lutas. “Temos uma série de eixos dentro do que pensamos, desde a cultura, até educação, saúde e trabalho. Identificamos também uma série de problemas que se apresentam para a juventude, passando pelo desemprego e pela violência na política. É um momento para apresentar o que a gente quer, quais são as nossas ideias para o próximo período.”
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Edição: Katia Marko