No Rio Grande do Sul, mais de 80% dos casos de feminicídio são cometidos por companheiros ou ex-companheiros, 74,7% das vítimas foram mortas dentro de casa, 66,3% eram mães e quase 90% tinham medida protetiva. As informações, sistematizadas pela Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios, foram apresentadas pela Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado da Assembleia Legislativa do RS, nesta segunda-feira (11). O documento, disponível em formato digital, reúne dados estatísticos e qualitativos sobre a realidade da violência doméstica e dos feminicídios no RS, entre os quais o alarmante indicador de que nos últimos dez anos quase mil mulheres foram assassinadas no estado.
O relatório destaca que nos últimos anos o Rio Grande do Sul está entre os estados brasileiros onde mais foram consumados feminicídios. Foi o terceiro no ranking em 2019, com 97 casos, e o quarto em 2020, com 80 casos. Já em 2021, foram 97 mulheres assassinadas no estado e, neste ano, até 14 de junho, já foram registrados 50 casos.
"Mais do que números, estamos falando de pessoas que são agredidas e mortas pelo fato de serem mulheres. São informações que mostram uma conjuntura preocupante, urgente e que deve ser combatida todos os dias, em todos os lugares e por toda a sociedade", avaliou o presidente do parlamento gaúcho, deputado Valdeci Oliveira (PT).
O documento destaca que, em relação às tentativas de feminicídio, há que se observar a desqualificação na tipificação desses crimes, que são registrados como lesão corporal. Isso pode contribuir para o mascaramento dos dados, além do prejuízo da vítima para acessar ferramentas de prevenção, como a Medida Protetiva de Urgência.
“Os dados expõem a grave realidade da violência doméstica e familiar que, em situação extrema, ceifa a vida das mulheres e compromete o futuro da família, principalmente de seus filhos e dependentes. São os chamados 'órfãos do feminicídio', que também se tornam vítimas do ódio contra suas mães e do menosprezo das instituições do Estado diante da violência de gênero”, expõe o relatório.
O documento foi elaborado, especialmente, a partir das atas das reuniões promovidas pela Comissão entre 2020 e 2021 pelo interior e capital do Rio Grande do Sul. Além da consulta e análise dos dados ofertados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, do Observatório da Violência Contra a Mulher da SSP/RS e da Lupa Feminista Contra o Feminicídio.
Nos encontros realizados, além de deputadas e deputados, autoridades do sistema de justiça e segurança do RS, as representações da Câmaras e serviços Municipais, os movimentos feminista e de mulheres, de direitos humanos, em defesa da infância e adolescência, os Conselhos dos Direitos das Mulheres, entre outras representações da sociedade civil, apresentaram dados e depoimentos que apontaram a realidade do atendimento e do combate à violência de gênero.
Desmonte da rede de proteção
O relatório elaborado pela Força-Tarefa reforça o desmantelamento da rede de proteção às mulheres. “Desde o início da pandemia a FT/RS recebeu várias denúncias da falta de espaços para abrigamento e acolhimento de mulheres e seus dependentes, vítimas de violência. Em Porto Alegre, as graves situações denunciadas geraram uma série de reuniões com autoridades para enfrentar a realidade de mulheres e crianças que dormiam nas escadarias do Palácio da Polícia, sem ter para onde ir, após a realização das denúncias”, apresenta.
De acordo com denúncia recebida pela Força-Tarefa, a indisponibilidade de vagas para mulheres vítimas de violência e seus dependentes, em Porto Alegre, está fazendo com que a atual gestão da Prefeitura coloque mulheres em albergues para população de rua, ou em situação de vulnerabilidade. Local inadequado para o recebimento dessas vítimas, sem segurança e os serviços essenciais estabelecidos pelas Diretrizes Nacionais de Abrigamento e Acolhimento.
Redução do orçamento
O material também destaca a diminuição gradativa no orçamento para as políticas para as mulheres no estado. “Se em 2014 os valores efetivamente orçados chegaram a R$ 17,5 milhões, ao longo dos últimos anos, especialmente entre 2017 a 2021, há uma queda de mais de 90% no orçamento para a política. Chama a atenção o montante de R$ 89 mil de 2019, o que resta demonstrado que não há prestação de contas pelo simples fato de que não há política a ser apresentada.” Conforme sublinha o relatório, o baixo orçamento traz impacto na execução.
“A negligência do Executivo Estadual tem um efeito cascata que atinge todo Rio Grande do Sul, fortalecendo a ideia de um Estado distante da realidade das mulheres, calcado no machismo, na misoginia e no patriarcalismo”, enfatiza o material.
Além do diagnóstico de grave desmonte dos serviços públicos de atenção às mulheres, e seus dependentes, vítimas de violência, o relatório também apresenta iniciativas e parcerias que vem sendo adotadas por parte de instituições públicas, privadas e da sociedade civil para conter a realidade dos feminicídios no Estado, um dos únicos indicadores de violência que cresceu desde 2020. Além de elencar projetos de leis.
Violência política
O relatório também pontua os casos de violência e ameaças a parlamentares e ativistas. De acordo com o documento, a Força-Tarefa também recebeu a denúncia de casos de violência e ameaças dirigidas às Promotoras Legais Populares, mulheres formadas pela Organização Não Governamental Themis, para atuar na defesa dos Direitos Humanos e contra a violência de Gênero nas comunidades e periferias da Região Metropolitana de Porto Alegre. Foi relatado o caso de feminicídio contra a PLP Jane Beatriz da Silva Nunes, assassinada em 2020 na porta de sua casa durante ação ilegal da Brigada Militar na região da Comunidade da Cruzeiro, na capital gaúcha.
A Força-Tarefa recebeu relatos de casos de violência política de gênero nos municípios de Sapiranga, Bagé, Caxias do Sul, Torres, Nova Santa Rita, Novo Hamburgo, Santana do Livramento, Venâncio Aires, São Borja, Santa Maria e Porto Alegre. “O cenário no Rio Grande do Sul de machismo, racismo, misoginia vem se agravando muito quando analisamos as violências institucionais. Em todos os poderes ideias e iniciativas de caráter discriminatório, vem crescendo contrariando, inclusive, a Constituição Brasileira”.
A Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios é um parceria entre a Assembleia Gaúcha, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
O relatório completo pode ser acessado aqui.
*Com informações da Agência de Notícias da Assembleia Legislativa
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Edição: Marcelo Ferreira