A Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados discutiu, nesta quinta-feira (7), a reforma administrativa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O projeto em curso – denominado Transforma Embrapa – foi o tema gerador da audiência pública realizada no Plenário 12 do Anexo II, mas aspectos como a redução do orçamento destinado a investimentos, ineficiência de sistemas implementados e denúncias de assédio moral também pautaram o debate.
Falando à Agência de Notícias da Câmara, a deputada Érika Kokai (PT-DF), propositora do debate, afirmou que "no Brasil, uma nova onda neoliberal está em curso e com ela recrudescem as narrativas acerca da necessidade de redução do papel do Estado". Segundo ela, esse movimento desconsidera o protagonismo do Estado em ações que garantam mais equidade nas políticas públicas. "A implantação do chamado projeto Transforma Embrapa, iniciativa da atual gestão, espelha bem essa concepção neoliberal."
Para Kokai está claro que esse projeto vincula a agenda de pesquisa da Embrapa às demandas do setor privado: "Nessa perspectiva, tecnologias e conhecimentos gerados serão apropriados por entidades privadas, com capacidade de pagamento pelo produto encomendado", critica. "Essa situação é bastante preocupante posto que o papel do Estado na pesquisa agropecuária é fundamental", alerta. Explicou ainda que, no novo modelo de atuação, a Embrapa teria um Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), externo à empresa, que seria o detentor dos direitos de exploração de tecnologias geradas, "inclusive gerindo os recursos assim produzidos".
Contraponto da gestão
A chefe da Secretaria de Desenvolvimento Institucional da Embrapa, Angélica de Paula Galvão Gomes, representando a gestão da empresa na audiência, deteve-se a informar sobre o andamento do Transforma Embrapa e forneceu informações protocolares a respeito de objetivos visados. Afirmou ainda que o tema não trata somente da Embrapa, mas do futuro da ciência, da pesquisa e da inovação ligada ao agro em benefício da sociedade, citando “avanços que a empresa vem apresentando na busca pela eficiência de sua gestão através do programa”.
Para Gomes, a implantação do projeto Transforma Embrapa atende ao que está expresso no Plano Diretor da empresa, buscando cumprir a missão quanto à pesquisa, desenvolvimento e inovação, bem como atender as demandas do setor produtivo, governo e sociedade. Sem abordar as críticas apresentadas pelo sindicato e trabalhadores – que afirmam não terem sido ouvidos no processo –, nem por segmentos importantes do setor produtivo – em especial vinculados à agropecuária de pequeno e médio porte – que denunciam interesses ocultados sob a imagem simpática que o governo e a gestão da empresa têm se esforçado para apresentar, voltou a afirmar que o objetivo é “que a empresa possa cumprir o seu papel com melhor efetividade”.
Quanto ao andamento da implantação, a gestora afirmou que, uma vez vencidas as etapas de análise – diagnóstico da situação atual da sede, readequação do modelo, ações para despesas correntes e diagnóstico para as unidades descentralizadas –, o projeto está em fase de implementação e o objetivo central é concluir o processo até o mês de dezembro.
Jurista denuncia risco à soberania alimentar
A advogada orientadora do Núcleo de Práticas Jurídicas do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Larissa Rodrigues Pinheiro, trouxe as perspectivas jurídica, trabalhista e social sobre a implementação do projeto Transforma Embrapa. Iniciou questionando a contratação de consultoria de empresas privadas, pela Embrapa. Afirmou que este procedimento deve ser investigado para que seja esclarecido o real interesse de entidades que têm feito doações de recursos milionários à empresa. “O projeto seria bom se estivesse no âmbito da iniciativa privada, o que não é o caso, pois estamos falando de uma empresa pública, com função social muito bem definida e que não pode ser distorcida”, completa.
Pinheiro acusa o projeto de ter natureza privatista e cita pronunciamentos de gestores que defendem a desvinculação da empresa ao orçamento federal e a busca de recursos na iniciativa privada. Afirmou ainda que, desde a reforma de 2018, não há transparência na gestão: “A implementação do novo projeto não foi construída em conjunto com os empregados da empresa, que são o seu maior patrimônio”.
Na perspectiva social, afirma, “a implementação do projeto Transforma Embrapa coloca em risco todas as entregas que a Embrapa tem feito para o povo brasileiro para garantir comida na mesa, entregas comprovadas pelo histórico positivo do lucro social da empresa ao longo dos últimos anos”. A advogada denuncia ainda que “priorizar o investimento privado como pretende o projeto Transforma Embrapa disfarçado de uma modernização do modelo de gerenciamento e potencialização de operações, em detrimento da busca por recursos públicos, é colocar em risco a segurança alimentar do povo brasileiro que já está ameaçada”.
SINPAF alerta para privatização disfarçada
O diretor de Ciência e Tecnologia do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF), Mário Urchei, afirma que o caminho escolhido pela atual diretoria da empresa foi a priorização de pesquisas encomendadas. “Para driblar o problema da escassez de recursos públicos e não enfrentá-lo de maneira direta, defendendo a empresa pública, o caminho escolhido foi lotear a empresa para o capital privado.”
O pesquisador afirma ainda que o projeto Transforma Embrapa desvirtua a finalidade pública da Embrapa com a constituição de um chamado núcleo de inovação tecnológica externo à empresa, “colocando suas pesquisas sob controle de grupos privados e tornando-a uma prestadora de serviços a um segmento que pode pagar por seus projetos e suas pesquisas”. Para Urchei, esse procedimento é uma privatização disfarçada, travestida de modernidade e eficiência.
“Trabalhadores e trabalhadoras remunerados com recursos públicos, bem como infraestrutura construída com investimentos da população brasileira, assim com os bancos de germoplasma estarão a serviço de grupos de interesse de empresas privadas”, explica. Essa situação – aponta o pesquisador – além de distorcer completamente a missão e objetivos da empresa – que é desenvolver tecnologias, conhecimento, serviços, pesquisas, informações técnico científicas voltadas para a agricultura e pecuária brasileiras – coloca em risco determinadas áreas de pesquisa e projetos não necessariamente rentáveis mas que são fundamentais para a soberania alimentar e para a população brasileira.
Problemas afetam empresa, trabalhadores e resultados
A secretária-geral do SINPAF, Dione Melo, reforçou que a Embrapa não pode ser transformada em um empreendimento comercial, no qual se aceite encomendas de pesquisas a troco de negociações financeiras. “Toda fala da empresa é sobre modernizar e diminuir custos, mas a Embrapa já gastou 100 milhões de reais com um software de gestão que não funciona”, argumenta. “Essa lógica de inovação é totalmente voltada a empresas privadas, os processos estão acontecendo sem nenhuma comunicação.”
Além desse aspecto, a sindicalista também relatou sobre os inúmeros casos de troca de setor de empregados e de como isso gera prejuízos trabalhistas para a Embrapa. “Ao movimentarem pessoas de suas funções acabam cometendo assédio moral e gerando desmotivação na equipe”, conta.
A diretora administrativa financeira da Seção Sindical Agrobiologia (RJ), Carmelita do Espírito Santo, destacou que foram expostos alguns problemas que a empresa vem sofrendo com a implantação de sistemas de gestão que submetem os empregados a retrabalho, perda de tempo, e o aumento da burocratização das atividades.
De acordo com o presidente da Seção Sindical Agroindústria de Alimentos (RJ), David Regis de Oliveira, que também participou do evento, essa transformação na empresa está afetando a vida dos trabalhadores. "Muita gente se sente pressionada, pois passa a maior parte do tempo fazendo questões burocráticas e dedicando menos tempo à pesquisa", relata.
Cortes orçamentários seguem preocupando pesquisadores
Uma das falas que mais chamou atenção dos participantes foi a do consultor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), Luiz Alberto dos Santos, que apresentou dados sobre o orçamento da Embrapa. De acordo com o especialista, tem ocorrido um decréscimo no investimento do governo em ciência, pesquisa e desenvolvimento em tecnologia. “Os orçamentos da Embrapa não estão protegidos do chamado contingenciamento, ou seja, o dinheiro está previsto no orçamento público, mas não poder ser gasto.”
Santos alega que houve redução dos recursos orçamentários da Embrapa e a incorporação por emenda do relator na Lei de Diretrizes Orçamentárias para que esse contingenciamento não pudesse mais ocorrer, “porém cada vez que o congresso aprova essa garantia, o presidente da república veta. Ele já vetou e possivelmente vetará novamente”, afirma o consultor.
* Com informações da Agência Câmara e SINPAF
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