Rio Grande do Sul

Coluna

O Direito à Cidade no centro da agenda urbana no Brasil

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Marcha de Abertura da Conferência Popular pelo Direito à Cidade contou com a participação de mais de 3.000 pessoas no primeiro dia e foi impactante - Divulgação
Conferência Popular pelo Direito à Cidade lança Plataforma de Lutas Populares

Pensar e falar sobre o Direito à Cidade e como o conceito se traduz em lutas e agendas urbanas no Brasil foi o centro dos debates que ocorreram na Conferência Popular pelo Direito à Cidade, que aconteceu em São Paulo, de 3 a 5 de junho deste ano.

A Conferência foi organizada por uma coordenação executiva composta de movimentos e organizações sociais como o BR Cidades e o Fórum Nacional de Reforma Urbana e contou com a participação de 600 delegadas/os de movimentos e organizações sociais do Brasil, entre eles pesquisadores do Observatório das Metrópoles. 

A Conferência foi resultado de uma construção de dez meses com 232 eventos preparatórios que resultaram no documento final denominado Carta Política e Propostas Aprovadas que se encontram no documento Plataforma de Lutas Populares pelo Direito à Cidade.

A Conferência Popular pelo Direito à Cidade constitui-se de três momentos centrais: no primeiro dia a Marcha e Abertura, no segundo dia as Oficinas Temáticas e no último dia a Plenária Final.

A Marcha de Abertura da Conferência contou com a participação de mais de 3.000 pessoas no primeiro dia e foi impactante. Primeiro porque participaram movimentos e organizações sociais importantes da luta urbana pela moradia, mobilidade, políticas para as mulheres, entre outros vindos de vários estados do Brasil e que chegaram a São Paulo para expressar de forma criativa suas agendas. Os cartazes, as bandeiras, as cores, as maquetes de cidades ganharam a cena. As vozes e cantos podiam ser escutados no coração da cidade que representa o centro financeiro do país.

Depois de dois anos de pandemia e de um contexto adverso no Brasil, este momento representava um renascer para propor um novo tempo com mais justiça social e ambiental para nossas cidades pensando que o ser humano deveria estar sempre no centro das políticas urbanas. Por isso a importância de caminhar juntas/os em São Paulo foi simbólico, além das manifestações e da participação da população em situação de rua que chamou atenção sobre o crescimento da exclusão social, da fome e da pobreza no Brasil.


As vozes e cantos podiam ser escutados no coração da cidade que representa o centro financeiro do país / Divulgação

A marcha contou com a presença de importantes e históricos movimentos de mulheres, mas é a juventude que vem inovando em performances e formas de ativismo tanto nas ruas, como também nas redes sociais com hashtags de denúncias e campanhas pela vida das mulheres. Neste momento percebemos que a cultura foi fundamental para nos conectar com outras dimensões, agendas e atores onde o direito à cidade seria o denominador comum.

O segundo dia, com as oficinas temáticas, foi fundamental para aprofundar a discussão sobre as propostas que seriam levadas à plenária final. Os participantes se reuniram em grupos em torno das 16 temáticas: 1) educação, arte, cultura e patrimônio cultural 2) democracia urbana, participação social e esfera pública 3) planejamento urbano, direito urbanístico e ATHIS 4) favelas, periferias e bairros populares na luta pelo direito à cidade 5) propriedade e posse da terra, função social da terra e cidade, espaço público urbano 6) mulheres, população LGBTQIA+, sexismo e vivência nas cidades 7) meio ambiente, saneamento, saúde e segurança alimentar 8) transporte público, mobilidade e acessibilidade 9) moradia e ATHIS 10) desigualdades raciais na vivência do direito à cidade 11) povos originários e populações tradicionais 12) Trabalho e renda 13) Recursos públicos e orçamento 14) Segurança Pública 15) População em situação de rua 16) Jovens e pessoas idosas.

A realização da oficina temática “Mulheres, população LGBTQIA+, sexismo e vivência nas cidades” contou com a presença de cerca de 70 participantes que realizaram discussão coletiva das 12 propostas apresentadas no documento Plataforma de Lutas pelo Direito à Cidade e acrescentaram mais duas propostas a este eixo. Pautas importantes nesta oficina foram debatidas como: titularidade da moradia, incentivos a iniciativas culturais, acesso aos serviços e equipamentos públicos, enfrentamento à violência em espaços públicos e privados com o fortalecimento de políticas e programas, direito à participação política e incentivo a candidaturas de mulheres em sua diversidade e população LGBTQIA+, políticas de cuidado e de proteção às mulheres com deficiência, entre outros.  


Conferência aprovou uma Plataforma de Lutas pelo Direito à Cidade / Divulgação

O debate realizado de forma coletiva trouxe a necessidade de continuar aprofundando questões sobre: a) pontos de convergência entre a agenda das mulheres em sua diversidade e da população LGBTQIA+, principalmente em relação à violência, mas também a necessidade de construir espaços de discussão específicos de cada grupo na relação com o direito à cidade; b) com a participação de mulheres e população LGBTQIA+ de várias cidades do país fica cada vez mais evidente a necessidade de aprofundar o debate sobre a diversidade regional, a fim de situar de que cidades e territórios estamos falando, em termos de população, tamanho, complexidade e possibilidade de participação destes grupos na agenda urbana; c) o tema da violência e a necessidade de proteção destes grupos nos espaços públicos e privados. No contexto que estamos vivendo, foi central nas discussões e para as reflexões a contribuição das mulheres trans às propostas da oficina; d) por último a necessidade de aprofundar o debate sobre a remuneração do trabalho de cuidado, a fim de que isto não impossibilite o acesso as mulheres ao espaço público e ao mercado de trabalho.

A Conferência Popular pelo Direito à Cidade gerou diversas propostas sobre temáticas discutidas de forma ampla e democrática e relacionadas com a pauta urbana entre os participantes da conferência. A partir de agora necessitamos mobilizar para que o documento da Plataforma de Lutas pelo Direito à Cidade seja difundido e apropriado pelos movimentos e organizações sociais, academia, gestores públicos e lideranças sociais e políticas de todas as regiões do país. A construção coletiva e capacidade de incidência política que as propostas construídas de forma coletiva sejam apropriadas por todas/os representa o grande desafio para que esta agenda pelo direito à cidade seja incorporada nos programas de governo, nacional e estadual, e nas agendas e campanhas dos movimentos e organizações sociais nos próximos anos.

* Vanessa Marx é professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko