A possibilidade material da derrota faz Bolsonaro buscar saídas cada vez mais desesperadas
Busquei o título deste artigo no fabuloso filme “O curioso caso de Benjamin Button”. Trata-se de um filme com a direção de David Fincher e roteiro de Scott Fitzgerald e Eric Roth. Na trama, o personagem principal tem o desenvolvimento da vida ao contrário. Button nasce como se tivesse 80 anos de idade e com o passar dos anos, regride em sua idade.
A analogia em relação a essa prosaica inventiva ficcional, entretanto, se restringe a este aspecto de regressão da vida. A saga de Button é incontavelmente melhor que a vida real de Jair Bolsonaro, ao menos nos aspectos públicos.
O sujeito político Jair Bolsonaro emerge com uma pauta absolutamente superada pelos anos otimistas do sistema democrático no Brasil. Elege-se sucessivamente deputado na defesa de interesses corporativos dos militares, mas, em todas as oportunidades em que lhe pareceu adequado, não se furtou a defender a ditadura militar, a tortura, os golpes antidemocráticos. Em seu processo de regressão, tornou-se parlamentar orgânico do pensamento paramilitar, do milicianismo e da violência política.
Seu percurso político encontrou o auge de sua audiência no período aberto com o golpe do impeachment da presidenta Dilma. O que era superado e anacrônico tornou-se repentinamente funcional ao processo de espoliação da economia brasileira. Uma combinação de quebra econômica global, interferência estrangeira de uma superpotência para travar os “arroubos” soberanistas do Brasil.
Modus operandi golpista da elite econômica e uma profunda crise de hegemonia levaram, o que parecia ser algo desajustado com os tempos modernos, a ser aceito como uma solução para repor os tempos passados na agenda da atualidade. Sempre lembro da atriz de telenovelas, que veio a ser Secretária de Cultura de Bolsonaro, Regina Duarte reivindicar seu Brasil de 50 anos atrás de volta.
À explosão dos atos racistas, dos feminicídios, da exploração do trabalho, inclusive infantil, como alertam Miriam da Silva e Ronaldo Quadrado, se somam os ataques à democracia, à política e, de modo específico, a criminalização da esquerda e das organizações populares. Esta convergência assumiu uma dimensão de maior peso a partir da eleição de Bolsonaro, o apogeu da regressão no Brasil.
Contudo, o apogeu pode ter encontrado seu fim ou, ao menos, se desacelerou. A totalidade das pesquisas de intenção de voto publicadas apontam a vitória do ex-presidente Lula sobre Bolsonaro. A possibilidade material da derrota faz Bolsonaro buscar saídas cada vez mais desesperadas.
A intentona golpista, malsucedida diga-se, de solicitar a intervenção política do presidente dos EUA Joe Biden é reveladora desse percurso às avessas de Bolsonaro. Não que para os Estados Unidos a vitória de Bolsonaro fosse um prejuízo em si. Contudo, o apoio à tentativa golpista da invasão do Congresso torna a aliança com Bolsonaro insustentável, domesticamente, para Joe Biden.
As possibilidades de Bolsonaro ampliar sua base eleitoral se esvaziam a cada dia. Por isso, Bolsonaro tenderá a aprofundar sua linha ultraideologizada para garantir forte base política e voltar ao cenário após as eleições como oposição de desestabilização.
Esse é um perigo real e iminente, que não deve ser menosprezado pelo campo democrático em geral, e pela esquerda de modo específico.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko