Sim, nós criamos o OP! Esta foi uma das grandes contribuições de Porto Alegre para nós e para o país
Paremos para pensar: como está Porto Alegre? A cidade da vida cotidiana, como está? Como estão as políticas de geração de empregos para aqueles que perderam seus postos de trabalho durante a pandemia? Como está a mobilidade urbana, numa metrópole que concentra a maior parte dos serviços que atendem à Região Metropolitana e outros municípios do estado? Como está o serviço de apoio à população em situação de rua, enquanto o frio do outono vai se instalando e se transformando em inverno? Como está a atenção à saúde pública, considerando que a covid-19 ainda está por aí, com outros formatos e sintomas? A resposta para estas e outras questões que nos batem à porta, individual ou coletivamente, retratam como estamos, somos e vivemos em sociedade, é muito mais complexa do que muitas vezes nos damos conta.
Para ilustrar a importância de Porto Alegre como centro de uma região metropolitana composta por 34 municípios vamos aos dados sobre atendimento de saúde apresentados na revista URBE (nº 14, 2022): a RMPA possui 54 hospitais (públicos e privados), sendo 30 destes com leitos de UTI (IEDE, 2021), concentrados no eixo Porto Alegre-Novo Hamburgo. Destes, 23 hospitais, concentram-se em Porto Alegre. Considerando que sete municípios da RMPA não possuem hospitais e 23 não possuem leitos de UTI, é para a metrópole que dirigem os enfermos. Cabe ao poder municipal definir estratégias de como se dará esse atendimento.
Enquanto isso há diversos e importantes projetos sendo pensados entre poucos e já encaminhados à Câmara de Vereadores. Projetos que vão interferir diretamente na vida da cidadania porto-alegrense, mas sobre os quais pouco, ou nada podemos interferir neste momento. Projetos como Cais Mauá, Centro Histórico, 4º Distrito, todos próximos à Orla do Guaíba, com muito potencial para atender às necessidades sociais, culturais e econômicas da sociedade, mas feitos sem uma articulação mais concreta com uma proposta madura e coerente de revisão do Plano Diretor. São projetos para poucos, aumentando o potencial de verticalização e isolando os potenciais novos edifícios em relação a outros espaços da cidade. São fragmentos de projetos de cidade, que serão construídos por decreto, com propostas de construtoras, em um modelo em que a Prefeitura se exime do direito de planejar o uso e a ocupação do solo de seu município.
Sabemos que não se trata de uma experiência da ação neoliberal exclusiva em Porto Alegre. São vários os exemplos em outras metrópoles brasileiras que padecem dos mesmos males da ausência de uma gestão mais equilibrada no que tange ao atendimento das necessidades de sua população. Mas no município que deu vez e voz ao Orçamento Participativo (OP), estas estratégias ganhem força de forma compassiva e inerte.
Sim, nós criamos o OP! Esta foi uma das grandes contribuições de Porto Alegre para nós e para o país, sendo um instrumento político de governança premiado internacionalmente. Conforme Fedozzi (2009) havia, pelo menos, três aspectos inter-relacionados da realidade brasileira com a capital gaúcha que justificaram a criação do OP: a) a formação autoritária da sociedade e do Estado brasileiro, que contrastava com a profunda desigualdade social daquele momento; b) o contexto político do país na transição do regime militar para a democracia, que fez emergir novos atores sociais e políticos na sociedade civil gaúcha; c) a rede de associativismo de resistência que se organizou em Porto Alegre.
Observando o ontem e pensando no hoje, temos ingredientes muito parecidos que podem impulsionar novos saltos democráticos e reassumir nosso lugar de pioneirismo na construção de uma Porto Alegre mais cidadã: a desigualdade e a ausência de empatia dos governos (em quaisquer esferas de poder) com aqueles que não têm como negociar sua condição de vida numa cidade “inovadora” e “empreendedora” (haja visto o crescimento perturbador dos assentamentos precários na periferia da cidade); o fortalecimento dos movimentos sociais em prol da reforma urbana e do direito à cidade; a reconstrução de uma agenda popular, integrada a movimentos nacionais e internacionais, contra a fome, contra a violência, contra à expulsão dos pobres de sua terra (Frente Nacional Contra a Fome, Fórum Social das Resistências, Fórum Social Mundial Justiça e Democracia e Conferência Popular pelo Direito à Cidade).
Em agosto deste ano, nos dias 18 e 19, teremos mais uma oportunidade de vivenciar esse reavivamento das forças populares e da pluralidade de vozes sobre o que se quer para Porto Alegre. Será realizado o “Fórum Local Reforma Urbana e Direito à Cidade nas Metrópoles: Reflexões a Partir de Porto Alegre (RS)”. O evento está sendo organizado pelo Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles (OM), com o apoio da Fapergs e de Programas de Pós-graduação da UFRGS e a exemplo de outros eventos realizados pelo OM no país, consistirá na apresentação pelos pesquisadores locais dos resultados da pesquisa “Reforma Urbana e Direito à Cidade” em Porto Alegre, além de criar um espaço de debate e discussão de propostas com representações de movimentos sociais e populares, entidades e coletivos urbanos, para pensarmos juntos sobre a Porto Alegre que se quer após o avassalador projeto imposto pelos neoliberais de plantão.
Heleniza Ávila Campos, Professora da Faculdade de Arquitetura da UFRGS. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles - Núcleo Porto Alegre
* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko