Nosso propósito é fazer o debate sobre a cidade, a metrópole e a região Metropolitana
O Observatório das Metrópoles - Núcleo Porto Alegre, inicia esta colaboração quinzenal com o Brasil de Fato RS com o objetivo de trazer outra visão no debate sobre os rumos da política urbana e da produção da metrópole de Porto Alegre.
Este debate nos últimos anos vem sendo conduzido pelos agentes hegemônicos no município: os setores da grande construção civil, do grande comércio e da mídia hegemônica, que estabelecem a sua visão de desenvolvimento urbano, de desenvolvimento social e de democracia na produção da cidade. Uma produção que se diz para todos, mas que vem implantando um modelo cada vez mais segregador, excludente e que fragmenta a cidade em pedaços, dificultando a compreensão de sua produção por parte de amplos setores da cidadania e movimentos sociais e populares, a construção de políticas urbanas integradoras e a produção de um espaço urbano menos desigual.
E os problemas urbanos se acumulam: déficit habitacional, problemas de mobilidade urbana, desemprego, crise econômica, questões de infraestrutura, que afetam a saúde – igualmente em crise – e a qualidade de vida dos seus habitantes. E, dada a influência da metrópole no seu entorno, estas políticas repercutem em toda região Metropolitana.
Nosso propósito é fazer o debate sobre a cidade, a metrópole e a região Metropolitana. Que coalizões estão no poder? Que coalizões estão na disputa pela hegemonia política? Que narrativas estão em disputa? Qual a questão urbana de Porto Alegre? A resposta para estas perguntas não se esgotam nestes artigos, mas eles estarão repercutindo um programa de pesquisa que realizamos sobre a produção da metrópole nos anos recentes: as gestões municipais, os modelos de gestão urbana, a inflexão ultraliberal e autoritária em Porto Alegre, além da economia política da metrópole, os grandes projetos urbanísticos e imobiliários, a agenda urbana e as narrativas em disputa.
Em Porto Alegre, a concepção ultraliberal e seu receituário de austeridade, privatização e de aprofundamento da dominação rentista-financeira está baseada em uma dupla estratégia: de um lado, a destruição do que resta de instituições que representam o período das “administrações populares”, especialmente do Orçamento Participativo; e, de outro, a continuidade da adoção de mecanismos de legalização da reforma ultraliberal do Estado, incluindo a alienação privada dos bens comuns e ativos públicos.
No pós-pandemia urge a retomada de um projeto de desenvolvimento, redistributivo e inclusivo em construção na sociedade brasileira. Este tem sido discutido no plano econômico em torno de duas posições: a primeira seria a retomada do crescimento econômico pelo aumento da nossa competitividade (gap tecnológico e ajuste de custos), a segunda orientando-se pela alavancagem de um ciclo investimentos orientados (ainda que não exclusivamente) para a resolução das necessidades fundamentais da população, gerando emprego, renda e bem-estar. Notadamente saúde, transferências de renda e educação. Há a necessidade de expandir esta visão para incluir o bem-estar urbano, em especial o saneamento, a habitação e a mobilidade urbana. Ou seja, para um projeto da reforma urbana e de direito à cidade e suas gramáticas do “urbanismo redistributivo-inclusivo”, orientado pela redução das desigualdades de oportunidades e pela promoção do bem-estar urbano.
Entretanto, as posições dominantes nas alianças que governam o país, o estado e o município têm tomado outro caminho, qual seja a retomada da estratégia baseada na “cidade como máquina de crescimento”, de facilitação dos negócios imobiliários, aliada à opção pelo “urbanismo da austeridade” (políticas de privatização, austeridade e financeirização em nível local) e do “urbanismo militar” (vigilância e repressão, contenção do conflito urbano, necropolítica urbana).
Assim, como forma de resgate do projeto de cidade democrática, inclusiva e sustentável, propomos desencadear a reflexão coletiva sobre a reforma urbana e o direito à cidade no contexto de crise do capitalismo brasileiro (financeirização, desindustrialização, reprimarização e reperiferização) e da crise estrutural do capital. Também em função das questões disruptivas emergentes como as novas formas de organização do capital baseadas na dominância financeira-informacional-digital e suas repercussões na produção do espaço, no mundo do trabalho e nas políticas territoriais. Outra preocupação é trazer para a discussão a questão da emergência climática e do meio ambiente urbano, além de questões sanitárias (os efeitos duradouros da pandemia), da segurança alimentar e do acesso aos recursos hídricos e da salvaguarda dos bens públicos - alvos da cobiça de corporações privadas - como “comuns urbanos”.
Com esta reflexão estamos colaborando para a construção de uma contra narrativa progressista e redistributiva da produção da cidade, com vocação a ter legitimidade e poder simbólico no debate acadêmico e político. A crise econômica e a crise sanitária e suas respectivas consequências presentes e futuras podem ser elementos mobilizadores para a legitimação desta contra narrativa.
Por fim, nos dispomos a apresentar propostas concretas de projetos, regulações, instrumentos e ações que podem ser adotadas com a finalidade de avançar na realização dos objetivos da reforma urbana e que, na medida do possível, possam impulsionar as dinâmicas de enfrentamento dos efeitos da crise econômica e social e da mudança política em nossa metrópole e no Brasil.
* Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko