Neste ano, a campanha alusiva ao Dia da Luta Antimanicomial do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul reforça a importância de defendermos uma sociedade sem manicômios e a necessidade de descolonizar nossos pensamentos para construirmos um mundo mais democrático, justo, diverso e igualitário. Entender o impacto do colonialismo em nossas vidas e nas relações sociais, ainda nos dias de hoje, é o primeiro passo para o enfrentamento do racismo, do machismo, da LGBTQfobia ou do capacitismo, que são questões estruturais e que sustentam o manicômio.
A lógica manicomial de atendimento centrado no hospital psiquiátrico e na reclusão mediante longas internações não produz saúde mental nem cidadania. Uma sociedade democrática é, portanto, uma sociedade sem manicômios.
No Brasil o caráter estruturante e desumanizante do racismo para a lógica colonial e manicomial foi explícito. A partir da Lei Áurea, o parlamento passou a tratar de retirar as pessoas negras de circulação, colocando-as em prisões ou em asilos de alienados. Desde então, a eugenia dominou o pensamento hospitalar psiquiátrico brasileiro.
É importante destacar que as pessoas com longas internações nos manicômios são na maioria pobres. Além disso, mulheres e pessoas não cis nem heterossexuais sofreram mais intensamente as violências do racismo e a segregação de classe, notadamente nos manicômios. Manifestações de potência eram enquadradas como loucura, filhos de mulheres enclausuradas eram tirados de seus braços e dados em adoção.
A luta antimanicomial registrou, desde o começo, a segregação de classe e o sexismo que sustentam a clausura dos manicômios, mas demorou a perceber o caráter estruturante do racismo na lógica manicomial. Foi principalmente nos últimos dez anos, a partir das ações afirmativas nas universidades, que o pensamento decolonial ganhou expressão nas universidades e ingressou na luta antimanicomial.
A união das lutas antimanicomial e decolonial gerou uma nova expressão: a luta antimanicolonial. Essa expressão foi cunhada para dar conta das intersecções coloniais do racismo, do sexismo e da segregação de classe que estruturam o caráter manicomial ainda muito presente na nossa sociedade.
* Vice-presidenta do Conselho Regional de Psicologia do RS (CRPRS)
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira