Helena Meireles Soares é uma mulher trans, professora do município de Porto Alegre, tendo sido vítima de transfobia ao acessar o banheiro feminino do Shopping João Pessoa, localizado na avenida de mesmo nome, na capital gaúcha.
Conforme relatou em Boletim de Ocorrência registrado na Polícia Civil, no dia 1° de maio ela se dirigiu ao referido estabelecimento e tentou acessar o banheiro. Já dentro da intimidade da cabine, com a porta fechada, ela foi abordada por seguranças do Shopping que bateram na porta exigindo que ela saísse.
“Era só mais uma saída, eu estava indo para a Imperadores do Samba. Antes de voltar pra casa, fui pagar uma conta no Shopping e a vida me jogou nessa situação. Dessa vez, diferente de outras violências do cotidiano e de outros silenciamentos, vamos fazer Boletim de Ocorrência”, afirmou Helena em vídeo no seu Instagram.
Durante o ocorrido, o segurança do local teria gritado que ali “não era banheiro de homens”. Helena afirmou, no vídeo em seu Instagram, que o segurança chegou falando alto e batendo na porta.
“Pessoas trans tem que dar conta de situações que colocam nossa vida em risco. Para pessoas dentro da norma, essas situações passam despercebidas. Como nesse caso, de entrar em um banheiro e de repente entrar um homem gritando e batendo na porta [do banheiro]”, afirmou Helena.
Em contato com a assessoria da vereadora Daiana Santos (PCdoB), fomos informados que o seu gabinete acompanhou Helena no registro do B.O na Delegacia de Combate às Intolerâncias.
Mandato da vereadora Daiana Santos (PCdoB) acompanhou a professora Helena Meireles em registro de B.O por violência transfóbica sofrida em shopping de Porto Alegre / Reprodução
O que diz a administração do Shopping João Pessoa
Procurada pela nossa reportagem, a administração do Shopping João Pessoa compartilhou uma nota oficial sobre o fato, enviada através de sua assessoria de imprensa. No documento, afirma que "não apoia nenhuma situação de preconceito, constrangimento e/ou falta de respeito a quaisquer tipo de diversidade ou condição dos seus visitantes e colaboradores".
Ainda, afirmou que a ação do segurança aconteceu após uma cliente dirigir-se a funcionários do shopping afirmando que havia uma "presença masculina no banheiro feminino". Diante desta informação é que o segurança teria agido e que, nas palavras da administração, o mesmo não sabia quem estava dentro do banheiro.
A íntegra da nota será reproduzida ao final desta matéria.
STF já decidiu sobre o uso de banheiros por população trans
A advogada Tábata Silveira informou ao BdFRS que está acompanhando Helena no caso, e que, por hora, a inspetora solicitou os vídeos gravados pela denunciante e que está aguardando retorno sobre o acesso aos vídeos das câmeras de segurança do shopping.
Conforme explicou a advogada, o principal precedente no qual se ampara a comunidade trans quando o assunto é a utilização de banheiros, é a decisão do Recurso Extraordinário 845.779, do STF.
O referido recurso tratou de um pedido de indenização por fato semelhante ao que ocorreu com Helena: uma cliente, mulher trans, foi constrangida e impedida de usar o banheiro feminino de um shopping, solicitando assim, danos morais pela ofensa. Na decisão sobre o Recurso, o ministro Luís Roberto Barroso reconheceu a razão da ofendida e o caráter constitucional da demanda, considerando o caso de repercussão geral para todo o país.
Apesar da violência sofrida, Helena recebeu manifestações de apoio
“Estou muito cansada, é uma sequência de violências”, afirmou Helena em seu Instagram, relata toda sua trajetória de luta para se afirmar com sua identidade fora da heteronormatividade.
“Hoje eu consegui, sobrevivi, mas é só hoje”, afirmou, no sentido de que o dia seguinte é sempre uma luta pela sobrevivência, reforçando que, mesmo ocupando espaços de visibilidade, ela não se encontra blindada dessas violências.
:: Conheça a história da professora Helena Meireles, em entrevista concedida para o BdF RS ::
Apoiado por diversas entidades, o Coletivo Quilombelas, do qual Helena faz parte, realizaria um ato público de repúdio, na tarde desta quarta-feira (4), às 18h30, na frente do Shopping João Pessoa, na Praça Piratini, mas foi transferido devido à chuva. O objetivo é repudiar o ato, denunciar a violência sofrida e prestar solidariedade à Helena.
Em nota, a Frente Negra Gaúcha afirmou que não irá tolerar nenhum ato discriminatório, seja referente à raça, à religião, à orientação sexual ou qualquer outro que atente conta a dignidade humana. Da mesma forma, o coletivo Atinúké afirmou que o ocorrido foi uma atitude criminosa e covarde e que demonstra a violência cotidiana a qual estão submetidas as mulheres trans, em especial as negras.
Também se manifestou a Sociedade Beneficiente Recreativa Imperadores do Samba, agremiação de samba na qual Helena é Rainha da Diversidade. A Imperadores afirmou que considera inaceitável que as transidentidades permaneçam marcadas por violências.
Ainda na tarde da segunda-feira (2), durante a sessão plenária que discutiu a votação sobre a proibição da utilização da linguagem neutra nas escolas de Porto Alegre, a vereadora Daiana Santos se manifestou sobre o tema da proposta, relacionando o caso com a violência sofrida por Helena e afirmando que partem dos representantes políticos as atitudes que estimulam violências como esta.
"A professora Helena sofreu um ataque, dentro do banheiro do Shopping João Pessoa, por conta de um comportamento político. Na hora da arrecadar votos dessa população, se abraçam na bandeira e dizem que somos todos iguais", afirmou a vereadora.
Segundo o Dossiê Assassinatos e violências contra pessoas Trans em 2021, elaborado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), e lançado em 2022, o Brasil segue sendo o país mais perigoso para pessoas Trans no mundo, responsável por 33% das mortes em escala global. Entre outubro de 2020 e setembro de 2021, o país contabilizou 125 mortes de travestis, homens e mulheres Trans por conta da sua identidade de gênero.
Posicionamento oficial da administração do Shopping João Pessoa
Reproduzimos na íntegra a comunicação do Shopping João Pessoa sobre o fato, exatamente como nos foi enviado.
Shopping João Pessoa esclarece sobre relato de cliente
Primeiramente, a administração do Shopping Center João Pessoa ressalta que não apoia nenhuma situação de preconceito, constrangimento e/ou falta de respeito a quaisquer tipo de diversidade ou condição dos seus visitantes e colaboradores. O shopping é pautado pela sua essência de união, acolhimento e senso de comunidade, onde cada um pode encontrar o seu espaço seguro e se sentir confortável para ser quem é de verdade.
Ser um espaço coletivo, saudável, inclusivo e diverso é um compromisso que o Shopping João Pessoa não abre mão de ter em sua missão diária. Desta forma, pode continuar colaborando para fortalecer a sociedade em que acredita que todos devem viver: com o respeito acima de tudo.
Com relação ao acontecimento exposto por Helena Soares Meireles, a qual relatou ter sido advertida ao frequentar o banheiro feminino do Shopping João Pessoa no último final de semana, é importante esclarecer o ocorrido: uma cliente, ao deixar o banheiro feminino, dirigiu-se à pessoa do serviço de higienização dizendo da presença masculina no banheiro feminino. Diante da informação recebida, o segurança do shopping, acreditando que a pessoa pudesse ter se equivocado de banheiro, dirigiu-se ao local, sem adentrar no mesmo, e, da porta, informou que o banheiro masculino ficava no outro piso. O profissional não viu pessoalmente quem estava no banheiro quando fez o aviso.
Ainda assim, a coordenação da equipe de segurança ressaltou entre seus funcionários os valores do Shopping João Pessoa, nestes seus mais de 50 anos de história. Trata-se de um empreendimento que abraça a comunidade de Porto Alegre e toda a sua diversidade nas mais variadas diferenças.
É assim que o shopping construiu o seu lugar no coração da cidade até hoje e é dessa forma que pretende continuar.
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Edição: Katia Marko