A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) recebeu nesta terça-feira (26) homenagens e palavras de apoio no plenário da Câmara dos Deputados. A sessão solene em comemoração aos 49 anos de existência, proposta pela deputada Érika Kokai (PT-DF), ganhou ares de denúncia e agregou ao longo da programação referências à necessidade de defesa do caráter público, democrático e inclusivo, frente aos claros movimentos do atual governo no sentido de enfraquecer e restringir sua atuação.
Deputados e representantes de entidades ligadas a agricultura familiar e camponesa criticaram declarações recentes dos dirigentes da empresa, de que será feita uma reestruturação na companhia para abrir atividades para a iniciativa privada com redução de pessoal. No mesmo sentido se manifestou o Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF), denunciando que os recursos aplicados na Embrapa estão em queda desde 2017, refletindo o descaso com a ciência e a tecnologia que assola o país atualmente. O sindicato afirma que isso prejudica especialmente o investimento em equipamentos, laboratórios e campos experimentais, empurrando a empresa a uma necessidade crescente de captar recursos na iniciativa privada e priorizar resultados para grupos e demandas específicas em detrimento do interesse público.
Papel estratégico
Vanderleia Costa, assistente de tratos culturais, em vídeo apresentado na abertura dos trabalhos, declarou: “Todo mundo tem uma visão grande da Embrapa, plena, de produção e de sustentabilidade”. Para ela, está claro que existem meios de produzir de forma sustentável, sem prejudicar tanto o meio ambiente quanto acontece atualmente. Usando a comparação com uma engrenagem na qual todos fazem parte, afirmou: “Não tem como a produção existir sem aquele que trabalha no campo, aquele que planta, aquele que colhe e aquele que faz todo esse trabalho de melhoramento”.
Criada há 49 anos para garantir o desenvolvimento e a modernização permanente da agropecuária brasileira e a garantia da soberania alimentar do país, a Embrapa está presente direta ou indiretamente em praticamente todo lugar do Brasil onde se faz agricultura ou pecuária, seja em grande, média ou pequena escala. Se, por um lado, tem investido com força nas pesquisas voltadas ao agronegócio, ajudando o Brasil a se tornar um dos maiores exportadores de commodities, também se dedica ao fortalecimento de ações voltadas para a produção de alimentos para a população, praticada majoritariamente pela agricultura familiar e camponesa, setor responsável por 70% da comida que chega às mesas dos brasileiros.
Reconhecimento da presidência da Câmara
Atualmente a empresa conta com mais de oito mil pessoas em seus quadros, entre técnicos e assistentes agrícolas, analistas e pesquisadores que atuam nas mais variadas frentes. Como resultado da dedicação destes profissionais, a Embrapa reverteu mais de R$ 61,8 bilhões em lucro social em 2020, representando R$ 17,77 que retornam para a sociedade brasileira a cada real aplicado na empresa.
Ausente da sessão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), enviou discurso impresso. Nele reconhece o importante trabalho da Embrapa na reconfiguração da produção agropecuária brasileira, relembrando que, na década de 1970, o Brasil era importador líquido de alimentos, índice revertido com forte participação dos resultados viabilizados pelo investimento em pesquisa e tecnologia.
“A elevação da eficiência, produzir mais com menos insumos, com menos terra e o melhoramento genético aponta para outro vetor importante da Embrapa, o desenvolvimento sustentável, uma vez que reduz o desmatamento dos biomas nativos e a necessidade de defensivos agrícolas. Não se pode esquecer o papel social desempenhado pela empresa, que atua fortemente na agricultura familiar, praticada em 77% dos estabelecimentos rurais do Brasil e empregadora de 67% da mão de obra do campo”, diz seu texto.
Manifestação da agricultura familiar e camponesa
Mazé Moraes, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), qualificou a Embrapa como uma das empresas voltadas à pesquisa agropecuária mais importantes do mundo e relembrou que o Brasil não é feito só pelo agronegócio: “É preciso olhar para aqueles e aquelas que produzem os alimentos até chegam até a mesa dos brasileiros, são necessárias ações e projetos que valorizem incentivem a agricultura familiar como forma de construir a sustentabilidade da economia local e o conhecimento agroecológico por meio do uso racional dos nosso recursos naturais”.
Douglas Cenci, da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf) alertou para o momento decisivo pelo qual a agricultura passa: “Estamos em um processo importante de transição para uma agricultura mais sustentável em que a Embrapa tem um papel ainda mais importante, de produzir tecnologias sociais e de pensar insumos”.
Para o dirigente, os pequenos e médios produtores não podem “ficar nas mãos da pesquisa privada, das grandes empresas multinacionais, que hoje no sistema convencional acabam explorando os agricultores familiares”. Cenci alerta que, sem uma Embrapa forte, fica evidente que os grandes vão se apossar das novas tecnologias e pesquisas, submetendo novamente os demais ao processo de exploração mesmo em um cenário de agricultura sustentável.
"Um grande balcão de negócios"
O presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf), Marcos Vidal, denunciou que a atual diretoria, em consonância com o governo federal, promove o desmonte da empresa, conduzindo a um tipo de parceria com a iniciativa privada de modo que as entregas de resultados não se darão mais de modo público, mas ficarão restritas ao interesse privado.
Citou a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) como exemplo de organizações com interesses restritos que está inserida neste contexto nocivo para a Embrapa, que corre o risco de ser transformada em um grande balcão de negócios. “Não é isso que nós queremos, nós defendemos uma Embrapa pública, que pertença ao estado brasileiro, que tenha esse compromisso de dar retorno à sociedade”, afirmou.
Vidal denunciou ainda a aproximação com um modelo que privilegia os commodities e a utilização massiva de agrotóxicos, destacando que é preciso ampliar os modelos de pesquisa dentro da empresa pública justamente na direção contrária, mantendo o foco na produção sustentável e saudável, dando igual atenção para a produção da agricultura familiar que produz 70% da produção de alimentos do país.
“Nós acreditamos que a Embrapa tem sofrido essa captura nas suas linhas de projeto, essa captura pelo uso político ideológico, que desvirtua a sua função, fundamenta uma estrutura verticalizada, autoritária, que não dialoga com os sindicatos e com os diferentes setores da sociedade, que acaba por intensificar o assédio moral e institucional”, completou.
“A empresa não pode ser entregue em uma bandeja”
Em forte crítica, a deputada Érika Kokai (PT-DF), propositora da homenagem, qualificou o governo Bolsonaro como incapaz de acreditar na pesquisa e na ciência e denunciou o assédio moral institucional e as tentativas de silenciamento que tem sido impostos pela gestão da empresa sobre seus trabalhadores e trabalhadoras descontentes com a reformulação entreguista e privatista que vem sendo proposta. “É preciso para defender a empresa é preciso respeitar os embrapianos e embrapianas, respeitar os trabalhadores e trabalhadoras dessa empresa, impedir que sejam vítimas de assédio e silenciamento. Como é possível pensar em uma reestruturação da empresa que não seja fruto da experiência de quem constrói a empresa há 49 anos?”
Para Kokai, os trabalhadores e trabalhadoras da empresa são quem tem verdadeiramente compromisso com a ciência, com a tecnologia e com o povo brasileiro. “Essa empresa é do povo brasileiro, ela não pode ser entregue numa bandeja para que ela sirva, com todo investimento que o povo brasileiro e seus profissionais fizeram no seu dia a dia, para que ela sirva a quem acha que pode passar as suas boiadas e deixar as marcas desses cascos de boi no corpo e na alma do povo brasileiro” arrematou.
“Essa empresa hoje exige de cada brasileiro e de cada brasileira um compromisso para que ela sirva aos interesses do povo, que ela seja pública, seja democrática e seja inclusiva. Nós não vamos permitir que a Embrapa seja capturada por interesses que não sejam interesses do próprio povo. Ou que nós tenhamos na Embrapa contratações e reestruturações sem escutar quem constrói a empresa todos os dias, que são aqueles que estão diuturnamente fazendo essa empresa que orgulha o povo brasileiro”.
Relevância do serviço prestado
“Nós não podemos achar que as pesquisas podem ser feitas única e exclusivamente pelo setor privado. Existem produtos que só o olhar público vai ter a sensibilidade necessária para continuar pesquisando, produzindo e desenvolvendo para que se possa ter produção com sustentabilidade e eficiência para garantir segurança alimentar para os brasileiros e para o mundo”, registrou outro parlamentar, Rodrigo Agostinho (PSB-SP).
Já o deputado Frei Anastácio (PT-PB) afirmou que a Embrapa precisa ser cada dia mais valorizada e fortalecida e repudiou as investidas do Governo Bolsonaro, que quer privatizá-la: “Esta empresa pública é patrimônio do povo brasileiro e precisa ser preservada”.
O dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Valeir Ertle, teceu forte crítica ao governo federal que, segundo ele, “não contente em transformar a vida do povo brasileiro em um inferno, com o aumento da pobreza e retorno da fome, ainda opera para destruir as empresas públicas, como a Embrapa”.
“A nossa fala hoje é de reafirmação de uma Embrapa parelha à soberania nacional”, afirmou o deputado Joseildo Ramos (PT-BA), afirmando que no momento atual “a Embrapa tão somente sobrevive, mas no momento em que ela viver para a soberania nacional e para a agropecuária que o Brasil pode oferecer ao mundo, ela será verdadeiramente dos brasileiros”. Por sua vez, André Figueiredo (PDT-CE) afirmou que é preciso que os parlamentares tenham compromisso com os trabalhadores da Embrapa e que somente “tendo um governo que aposte na pesquisa e na inovação nós garantiremos a sustentabilidade da agricultura no país”.
Larissa Pinheiro, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enfatizou que “qualquer discussão que envolva privatização, desestatização ou precarização da estrutura da Embrapa, se afasta da vontade do constituinte originário que, no artigo 173 da Constituição Federal, apontou a exploração direta de atividade econômica pelo estado quando necessária à segurança nacional ou relevante interesse coletivo como é o caso”.
Para o deputado Merlong Solano (PT-PI), a redução orçamentária induz um processo de precarização dos serviços. Segundo ele, nos últimos três anos são cerca de R$ 500 milhões do orçamento público retirados da Embrapa: “O que temos é uma situação que marcha para a inviabilização desta empresa estratégica”.
Alceu Moreira (MDB-RS), também se manifestou de forma crítica aos constantes cortes orçamentários que a empresa tem recebido sucessivamente, afirmando que é preciso ter “clareza de que se nós queremos um farol aceso para iluminar as noites longas do futuro do agro brasileiro, que é responsável pela alimentação de grande parte do mundo, nós precisamos dar para a Embrapa a dignidade de orçamentos do tamanho da sua importância”.
Em defesa do caráter público da empresa
Participando de forma remota, o professor Renato Dagnino, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também se manifestou apontando a necessidade de a Embrapa participar do novo processo de industrialização do Brasil, que deve ser colocado em curso a partir de 2023, fundamentando a tecnociência solidária. “A Embrapa tem que cada vez mais alavancar a produção industrial na agricultura familiar, nos empreendimentos solidários no campo e na cidade que podem participar desse novo ciclo de desenvolvimento social no país”.
“A Embrapa tem que continuar sendo valorizada e prestigiada pois certamente é grande a contribuição que ainda tem a dar para a agropecuária nacional”, apontou Hildo Rocha (MDB-PA), que também reconheceu a importância de defender a empresa e garantir orçamento para que a pesquisa e o desenvolvimento científico tenham continuidade.
Dionilso Marcon (PT-RS) afirmou que a empresa, reconhecida internacionalmente pela excelência do trabalho, está sendo alvo da política de desmonte que precisa ser revertido: “Uma empresa com essa importância precisa ser valorizada no orçamento federal, garantindo, assim, o financiamento da pesquisa que priorize a produção de alimentos e melhore o desenvolvimento da agricultura familiar.
“Os cortes orçamentários, a perseguição aos servidores, a falta de investimento na pesquisa fazem parte da reflexão necessária nessa sessão solene”, apontou o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), reafirmando a necessidade de defender a Embrapa e o seu caráter de empresa estatal, pública.
José Ricardo (PT-AM) afirmou que para que a participação da Embrapa junto às comunidades, a exemplo do que acontece no seu estado, “é fundamental que a Embrapa tenha apoio, investimentos na estrutura, contratação de pessoal via concurso público”, diferente do que o Governo Federal vem fazendo até o momento.
Affonso Motta (PDT-RS) relembrou que a pesquisa científica protagonizada pela Embrapa é motivo de orgulho para o povo brasileiro, principalmente por ter alavancado “o protagonismo nacional e internacional do Brasil, que é hoje líder na produção agropecuária no mundo, e essa é uma conquista de todos os brasileiros, mas muito pelos espaços constituídos pela política pública que veio até o presente momento qualificando a produção nacional”.
Vaias para Eduardo Bolsonaro
O chefe da Embrapa Cerrados, Sebastião da Silva Neto, representando o presidente da empresa, Celso Moretti, não fez comentários sobre a reestruturação da Embrapa, criticada pela maior parte dos deputados e convidados presentes. Destacou a vocação agroambiental do país e afirmou que a empresa está se concentrando em pesquisas que valorizem a agricultura sustentável, mantendo foco nos eixos social, ambiental e econômico.
Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi a única voz dissonante na sessão, ocupando boa parte do seu espaço de fala para enaltecer o governo federal e atacar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) que estava representada no ato. Acabou vaiado pela maior parte dos presentes, principalmente pelos trabalhadores da Embrapa que discordam da condução da gestão da empresa e da linha entreguista e privatista que vem sendo executada pela gestão Bolsonaro.
A Embrapa é do povo brasileiro
A mensagem, de modo geral foi clara: é preciso mudar os rumos do que vem acontecendo sob a atual gestão da Embrapa, viabilizando a reconstrução da empresa que é patrimônio do povo brasileiro, ampliando o seu papel estratégico na produção de alimentos saudáveis, contribuindo para a soberania alimentar e para o desenvolvimento sustentável do país. Como afirmado em diversos momentos, o povo brasileiro precisa de uma Embrapa balizada em três valores fundamentais: pública, democrática e inclusiva.
Pública porque a Embrapa é estratégica para o país, para a biodiversidade, para buscar o desenvolvimento agropecuário com equilíbrio ambiental e para a soberania alimentar, o que não será feito por nenhuma empresa privada. Democrática porque a democracia no país está sendo ameaçada em todas as suas dimensões e a empresa já sente os efeitos desse cenário com o aumento do controle, a burocracia, a falta de transparência e formação de um ambiente interno hostil à criação, à inovação e à participação tanto interna quanto dos segmentos externos demandantes da pesquisa agropecuária pública. E Inclusiva porque é preciso aumentar a atuação em segmentos extremamente importantes, mas pouco valorizados, para a soberania alimentar e para a preservação ambiental do país, em referência aos quase 4,4 milhões de agricultoras(res) familiares, comunidades tradicionais, assentadas(os) da reforma agrária, quilombolas, ribeirinhos, comunidades indígenas, dentre outros.
Para saber mais, clique aqui e leia o manifesto do Sinpaf.
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Edição: Ayrton Centeno