A deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) apresentou projeto de lei para apoiar crianças e adolescentes de mães assassinadas. O projeto institui pensão especial às crianças e adolescentes órfãos em razão da mãe ter sido vítima de feminicídio, passando a ter direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo mensal.
No Brasil, em 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19, foram registrados 3.913 homicídios de mulheres. Desses, 1.350 foram considerados feminicídios, resultando em uma média de 34,5% do total de assassinatos de mulheres no país. Cerca de 14,7% dos homicídios femininos foram cometidos pelo parceiro ou ex-parceiro e não foram enquadrados como feminicídio, que em números absolutos totalizam 377 mulheres. Portanto, as mortes violentas de mulheres em razão de gênero podem estar num patamar ainda mais elevado, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, o que significa uma violação massiva dos direitos humanos a ser enfrentada pelo estado e pela sociedade.
Os feminicídios, no entanto, assinala Maria do Rosário, coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes , “são crimes de múltiplas consequências, produzem crises traumáticas nas comunidades onde ocorrem, impõem o luto a famílias e a sensação permanente de injustiça, e, como se depreende, a orfandade e a falta de apoio do estado”. Na justificativa do seu projeto, constam os dados recentes publicizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, segundo os quais as mais de 1300 mulheres vítimas de feminicídios ocorridos em 2021 – mais de 25 casos por semana, ou pelo menos uma mulher morta a cada 8 horas – deixaram cerca de 2300 pessoas na condição de orfandade devido à perda de suas mães. Grande parte delas são crianças e adolescentes porque suas mães eram jovens e em idade reprodutiva, ou seja, 70% tinham entre 18 e 44 anos (FBSP,2022).
Na mesma perspectiva, Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em entrevista ao programa Fantástico da Rede Globo há poucos dias, afirmou que “os órfãos deixados por essas mulheres são os invisíveis nessa realidade. Crianças e adolescentes que perdem a mãe, famílias, perdem os pais também porque ou são presos ou se suicidam. Uma tragédia familiar completa, difícil de mensurar. Essas crianças são entregues a tias, avós, ou alguma mulher que se disponha a criá-los, sem muitas vezes ter sequer os meios financeiros e que passam a conviver com esse nível de tragédia”.
Segundo ainda o Fórum e pelas denúncias feitas pela campanha Levante Feminista Contra o Feminicídio, além de faltarem as políticas de prevenção e enfrentamento à violência, faltam as políticas para garantir a sobrevivência desses órfãos e órfãs com menos de 18 anos, em especial quando suas mães viviam em situação de desemprego, trabalho doméstico familiar e mercado informal de trabalho, sem cobertura previdenciária. Como 97,8% das vítimas são assassinadas por maridos, companheiros, namorados ou “ex”, e em cerca de 30% dos casos o autor do crime retira a própria vida, essas crianças e adolescentes ficam sem a cobertura do estado.
Pelo projeto, filhas e filhos de mulheres mortas nos casos previstos pela Lei do Feminicídio receberão o benefício até fazerem 18 anos, pois, segundo a deputada “não podem, ao serem privadas do convívio familiar e da proteção materna por razões violentas, ainda serem destituídas de condições dignas de existência, devendo o estado, a quem se obriga prestar atendimento com prioridade a essa parcela da sociedade, suprir a ausência da mãe ausente por motivo de feminicídio”.
O Rio Grande do Sul é um dos estados com maiores índices deste crime no Brasil – 97 em 2021 e 33 de janeiro até agora, mobilizando o movimento de mulheres para a busca de medidas preventivas que reduzam as mortes.
O observatório Lupa Feminista Contra o Feminicídio, vinculado ao Levante Feminista Contra o Feminicídio no RS elaborou um Dossiê que será encaminhado à Relatora sobre Violência Contra a Mulher da ONU, que estará no Brasil em maio, e à audiência pública que será promovida pela Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa e Câmara Federal, também no próximo mês. O dossiê aponta medidas a serem implementadas para reduzir feminicídios e consequentemente, a orfandade.
Segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do RS, 66 pessoas perderam suas mães em decorrência de feminicídio no 1º trimestre de 2022, entre elas, 30 são crianças e adolescentes.
Edição: Sul 21