O indulto é um ato de legitimação e proteção aos ataques à democracia feitos pela extrema direita
Nesta quinta-feira, dia 21 de abril, o presidente Jair Bolsonaro concedeu ao deputado Daniel Silveira, do bolsonarista PTB, indulto anulando os efeitos da condenação sofrida no Supremo Tribunal Federal, com penas de 8 anos e 9 meses de prisão, multa, perda do mandato e dos direitos políticos. A condenação se deveu aos ataques desferidos pelo deputado aos ministros do STF e ao sistema democrático. Na interpretação majoritária do STF, o deputado de extrema direita cometeu crimes de coação em processo judicial e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.
Essa “graça” jurídica é mais um ato na escalada para a candidatura única da extrema direita no Brasil. Sobre o indulto se estabelecerá uma necessária batalha jurídica sobre legitimidade e desvio de função, que deverá ser compreendida não somente na esfera da técnica constitucional ou da ciência jurídica, mas no campo da disputa política.
O ex-ministro do STF, Ayres Britto, considera que o indulto não pode ser aplicado em relação a crimes contra o Estado Democrático de Direito, pois a Constituição Federal não autorizaria tal feito. Para o jurista Lênio Streck, o ato do indulto é um desvio de função do instrumento, sendo “o ato mais grave de agressão à democracia cometido por Bolsonaro”. O ex-ministro Marco Aurélio Mello considera que o decreto de Jair Bolsonaro é legal, mas reconhece que seu ato atenta contra a democracia ao colocar em xeque a posição institucional do STF.
Segue-se um conjunto de manifestações que convergem na nulidade do ato do presidente e no reconhecimento que o ato institucional é, essencialmente, um ato de força política. A medida é abertamente contestada e, portanto, frágil juridicamente. Porém nada frágil do ponto de vista político. Esse ato contém fortes mensagens públicas, que caminham no sentido da unificação do bloco político de direita e na consolidação do Bolsonaro como seu maior líder.
O indulto é um ato de legitimação e proteção aos ataques à democracia feitos pela extrema direita no país. Bolsonaro ensaia uma “invasão do Capitólio” sobre a Constituição Federal. O movimento precisa ser interpretado ao lado dos recorrentes questionamentos ao sistema eleitoral, às eleições e à lisura das urnas eletrônicas, em uma operação de deslegitimação da democracia e das eleições no Brasil.
A direita brasileira, liderada pela sua fração mais radicalizada, já empreende uma batalha para além da eleição de 2022. Ao questioná-la aposta em dois cenários: vencê-la com base na adesão de uma maioria conjuntural à retórica de polarização antipetista e antidemocrática ou, ao perdê-la, estabelecer um cenário de desestabilização do governo e da própria Constituição para assumir o poder em um novo processo golpista. Bolsonaro radicaliza em sua retórica para organizar seu campo político para uma disputa mais longa que as eleições próximas.
Bolsonaro se constitui na prática como o ‘candidato único”, líder máximo, da direita brasileira, conquistando seu apoio sobre a derrocada da centro-direita. Partidos de direita centrista como PSDB e MDB se desmancham no ar semana a semana. A implosão da candidatura do ex-juiz Sergio Moro é a expressão da falência desta fração da direita brasileira.
Pesquisa do Poder Data alerta que os eleitores que se identificam como de direita cresceram nos últimos meses no país. Segundo a pesquisa, 33% dos entrevistados se declaram de direita na atualidade, contra 24% em agosto de 2021. E esses eleitores se identificam abertamente com a candidatura de Jair Bolsonaro. O crescimento da intenção de voto no candidato de extrema direita está diretamente vinculado a um debate essencialmente político. Uma espécie de debate dramático, uma luta final sobre a eternidade, nos termos de Benjamin Teitelbaun (no livro Guerra pela Eternidade. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2020)
O conteúdo da chamada ultrapolítica levada à cabo pela extrema direita esvazia significantes políticos que vinham tomando concretude lentamente pela luta democrática de quatro décadas, para reinterpretá-los de forma vaga e imprecisa de modo restaurar os valores mais arcaicos do autoritarismo e do tradicionalismo. Direitos tornaram-se privilégios, igualdade tornou-se desordem, democracia virou corrupção. Este esquema ideológico-narrativo se transformou em ação política e unificou e expandiu o pensamento de direita no país e no mundo, sendo ‘militarizada” na construção do inimigo a ser destruído.
O campo democrático precisa chegar a um entendimento comum sobre a possibilidade catastrófica da vitória da extrema direita nas eleições, ou mesmo, na hipótese hoje mais provável de sua derrota nestas eleições, sobre o crescimento das ideias e organizações de extrema direita no país. O desempenho crescente da extrema direita na eleição francesa alerta para um processo perigoso que vive o mundo.
Eleição não é concurso público ou reality show, é luta política institucionalizada. Para a esquerda diz respeito às possibilidades de por fim à fome, pela sobrevivência e recuperação dos direitos fundamentais dos trabalhadores, como a reconstrução da previdência pública, da restauração de direitos trabalhistas, manutenção e recomposição do sistema de saúde pública, entre outros. São esses elementos que estão em risco com a ascensão da extrema direita em associação com o pensamento neoliberal.
A extrema direita terá que ser derrotada por uma frente ampla democrática em torno de Lula nessas eleições. Tão decisivo quanto, contudo, terá que ser derrotar a extrema direita após as eleições.
É preciso, primeiro, perfilar em torno da candidatura de Lula, compreendendo que esta é uma eleição de turno único, entre o neofascismo e a democracia. A candidatura de Ciro Gomes, por exemplo, não cumpre mais papel progressista neste contexto de bipolarização entre democracia e reacionarismo.
Em segundo lugar, compreender que a derrota de Bolsonaro é insuficiente. A ideia de abdicação de projetos de reformas populares antineoliberais, tais como taxação dos super-ricos, integração continental e eliminação do teto nos investimentos sociais, é desastrosa nessa luta no campo dos valores e da visão de mundo; mas também no campo da gestão do governo Lula, na restauração de políticas de distribuição de renda, efetivação de direitos fundamentais e da organização do Estado. Caso esse bloco antifascista não se transforme, no governo, em um bloco democrático radical capaz de alterar as condicionantes da batalha, as eleições de 2022 poderão ser apenas uma postergação da chegada do pior.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira