Há 1.500 dias, o Brasil permanece aguardando uma resposta que a polícia continua negando à sociedade que lhe paga os salários. São 36 mil horas de soma zero. Podemos até, generosamente, dar um abatimento camarada sobre o total de horas. Considerando-se apenas as oito do expediente diário é possível deixar tudo por 10 mil horas, descontando-se já domingos, feriados e dias santos de guarda. São 10 mil horas de vácuo investigativo. Como diria o Barão de Itararé, trata-se de “uma faca sem lâmina a qual lhe falta o cabo”. É sua definição precisa do Nada.
Nada é o operoso resultado das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes na noite de 14 de março de 2018, no Rio, bem antes portanto da catástrofe federal que nos assola há três anos e quatro meses.
Hoje, sexta-feira, dia 22, completam-se 1500 dias de absoluto Nada. É verdade que há dois sujeitos presos, os supostos executores dos quais, para nenhum espanto, a polícia não extraiu uma vírgula, muito menos o que mais interessa: quem mandou matar e porque mandou matar?
Não deixa de ser uma façanha às avessas. Em oito dias de 1969, três cosmonautas dos EUA foram à Lua e voltaram. Em 6 de junho de 1944, um milhão de homens desembarcaram nas praias da Normandia. Em 30 dias, as forças alemãs já debandavam precipitando o desfecho da II Guerra na frente ocidental. Antes, os soviéticos demoraram 900 dias para romper o cerco de Stalingrado e derrotar as tropas de Hitler naquela que é a maior batalha de todos os tempos.
Mas talvez alguém estranhe a comparação achando, por exemplo, que colocar de joelhos aquele exército de quatro milhões de soldados que invadiu a União Soviética é tarefa mais fácil e rápida do que apontar o (s) mandante (s) do atentado contra a vereadora do PSOL. Melhor, então, cotejar a performance carioca com outras operações policiais.
Em 1969, os assassinatos Tate-LaBianca em Los Angeles – que incluía a atriz Sharon Tate entre as sete vítimas – foram solucionados em 120 dias, quando da prisão da Família Manson. O terrorista de ultradireita Timothy McVeigh, que explodiu um edifício federal em Oklahoma City no ano de 1995, foi preso horas após o atentado. Em 60 dias, policiais britânicos descobriram a identidade e prenderam o “Estrangulador de Ipswich” que matou cinco mulheres em 2006.
Ou seja, em 1500 dias dá para fazer muitas coisas. Mas informar quem mandou matar Marielle e por qual motivo não é uma delas.
Além das duas questões primordiais, o Instituto Marielle Franco compilou outras à cata de explicação. Algumas delas:
Por que ainda não se avançou na investigação sobre a autoria intelectual do crime?
Qual é a ligação do responsável pela clonagem do carro (usado pelos assassinos) com o crime e o grupo de milicianos ligado a Adriano da Nóbrega e o Escritório do Crime?
Qual é a conclusão das investigações sobre o extravio das munições e armas da Polícia Federal usadas no crime?
Quem desligou, como e a mando de quem as câmeras de segurança do trajeto que Marielle e Anderson percorreram?
Por que não existe uma atuação coordenada das instâncias em níveis estadual e federal sobre a elucidação do caso?
Houve tentativa de fraude nas investigações? Por quem?
Foi aberto um inquérito pela Polícia Federal para apurar as interferências na investigação do caso. Por que em meio a estas investigações, o superintendente regional da Polícia Federal do Rio de Janeiro foi trocado?
Por que o governo brasileiro não forneceu todas as informações demandadas pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas?
Por que houve tantas trocas no comando da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, responsável pela investigação do caso?
Nomeado interventor no Rio por Michel Temer em fevereiro de 2018, o general Braga Netto – hoje possível vice de Bolsonaro -- disse em junho do mesmo ao então ministro da Justiça, Raul Jungman, que tinha indícios claros sobre os mandantes. À imprensa, Jungman diria em dezembro de 2018 que haveria “poderosos” atrás do crime.
Quem seria? E quando se saberá? Diante da performance policial exibida até aqui é prudente esperarmos sentados.
Edição: Marcelo Ferreira