Rio Grande do Sul

MULHER NA POLÍTICA

Evento reune Manuela D'Ávila, Dilma Roussef, Daiana Santos, Bruna Rodrigues e Maria do Rosário

Lançamento do livro "Sempre foi sobre nós" tratou da violência política de gênero e debateu perspectivas para o Brasil

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Lançamento do livro de Manuela lotou o pátio da Faculdade de Educação da UFRGS - Foto: Leo Zanini

“A questão da desigualdade estrutural do Brasil é uma desigualdade de gênero, de raça, e também social, dada pelas relações sociais capitalistas”, afirmou a ex-presidenta Dilma Roussef, nesta segunda-feira (18), durante o debate “Violência Política de Gênero”, realizado em Porto Alegre.

Com o pátio da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) lotado de mulheres, homens e crianças, o encontro, proposto pela ex-deputada Manuela D’Ávila, contou também com a presença da deputada federal Maria do Rosário (PT) e das vereadoras de Porto Alegre Bruna Rodrigues e Daiana dos Santos, ambas do PCdoB. Após o debate houve autografo do livro “Sempre foi sobre nós”, da Manuela.


O livro “Sempre foi sobre nós” fala sobre a violência política de gênero no cenário brasileiro / Foto: Leo Zanini

Aluna da UFRGS, a vereadora Bruna Rodrigues começou sua fala destacando sua trajetória e o encontro com a política. “Há dias atrás eu era uma menina lá na Vila Cruzeiro que sentada no cordão da calçada amamentava sua filha, quando passava também uma jovem sonhadora. Foi a política da esperança que acolheu, que me cuidou e que fez com que mulheres como eu pudessem romper com a desigualdade”, expôs.

Filha das cotas

Bruna é a primeira mulher da sua família a ingressar no ensino superior, sendo filha de uma trabalhadora doméstica que se tornou gari. “Sou filha das cotas. Minha mãe por muito tempo foi empregada doméstica e conseguiu produzir uma jovem militante, vereadora hoje em Porto Alegre. Nós (Daiana Santos, Laura Sito, Karen Santos e Matheus Gomes) compomos a primeira bancada negra da história dessa cidade”, frisou.

Em sua fala a vereadora destacou que a política acolhedora fez com que ela pudesse romper com a desigualdade que marcou sua vida e pudesse dar um novo futuro às suas filhas. "É essa política da esperança que nós buscamos retomar. Essa política que nos faz levantar quando um homem no plenário diz que temos tesão por ele, quando ele olha para mim, uma mulher preta que rompe com toda desigualdade para chegar até ali. Ele diz que o lugar que nos aguarda é da subalternidade, o lugar da não política”, disse Bruna, lembrando o episódio envolvendo o vereador Alexandre Bobadra (PSL).

Em outubro de 2021 Bruna, Daiana e Laura Sito, em sessão na Câmara de Vereadores, foram agredidas verbalmente. “Enquanto uma de nós enfrentar a política de ódio, todas nós enfrentamos essa política. Nós vamos derrotar isso e vamos recuperar o Brasil de volta para o povo”, finalizou.

Enfrentar o ódio para defender a democracia

Companheira de bancada e de partido Daiana Santos destacou que os ataques a ela são utilizados de forma odiosa, com palavras de baixo calão, atacando também sua raça e orientação sexual.

“Isso me traz orgulho. Sou a tríplice desgraça, por ser preta, por ser comunista e por ser sapatão, porque quando utilizam dessas palavras para nos afrontar, esta é a forma mais bonita de expressão que temos: ressaltando quem somos, colocando no registro. Falando, mas principalmente se unindo a todos, a todas e a todes que compreendem que essa é a única maneira de defender a democracia”, frisou.

A parlamentar lembrou que o golpe que retirou a presidenta Dilma do Planalto foi feito pelas mesmas pessoas que apontam e as atacam agora. Também destacou o papel dos coletivos e organizações de mulheres que atuam no estado.

“Nós sabemos o quanto é caro fazer a defesa da democracia. Falar sobre esse contexto e fazer essa defesa é nos colocar como protagonista das nossas vidas. Sempre foi sobre nós, sobre todas nós. Sobre nós que não desistimos, que acordamos cedo, que deixamos filhos na creche quando conseguimos, que saímos para trabalhar pegando um transporte público precarizado, nós que andamos todos os pontos fazendo da política o cotidiano da vida, porque nós não desistimos”, concluiu.

Violência política de gênero é parte da destruição da democracia

Em sua fala, a deputada federal Maria do Rosário lembrou o período em que esteve à frente do Ministério dos Direitos Humanos, juntamente de pelo menos outras 10 mulheres na pasta, com um trabalho focado no combate ao trabalho escravo e no enfrentamento à exploração sexual das crianças, na Comissão Nacional da Verdade. Também destacou sua formação na UFRGS e de quando foi docente da universidade.

“Talvez a partir deste momento, da força que a gente vive aqui movida pelas ruas, possamos tirar do Palácio do Planalto um fascista, e da reitoria [da UFRGS] um interventor. A universidade é lugar de democracia, da ciência, da cultura, da educação e do respeito. Todas as vezes que atacam as educadoras e educadores querem desfazer o direito à educação como direito fundamental”, ressaltou.

Para a deputada, a violência política de gênero é parte da destruição da democracia no Brasil. “Percebemos isso claramente no golpe de 2016. Antes dele a violência política de gênero já existia, mas ela não tinha sido utilizada com tamanho grau de ataque como foi utilizada contra a presidenta Dilma e contra todas nós”, afirmou, pontuando que há um movimento que tenta abduzir as mulheres.

“Dentro da Câmara dos Deputados, por exemplo, se tu está dentro do padrão, se tu não és vermelha, se tu te coloca dentro da ordem injusta, patriarcal, capitalista, misógina e racista, te darão o caminho livre", disse. "Eles querem definir que tipo de mulheres nós somos. Nós não vamos simplesmente baixar a cabeça. Somos mulheres da nossa era, aquelas que não aceitam simplesmente que nos definam”, completou.

Não há espaço para o ódio com mulheres ocupando a política

Ao começar sua fala, Manuela D’Avila destacou a importância da trajetória e do modo como a presidenta Dilma enfrentou o golpe. Na sequência, pontuou que escrever o livro “Sempre foi sobre nós” foi o caminho para refletir sobre os compromissos com o país, principalmente derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo nas eleições deste ano.


Manuela D’Avila pontuou que escrever o livro foi o caminho para refletir sobre os compromissos com o país, principalmente derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo / Foto: Leo Zanini

“Esse processo começou com um golpe anti-popular, anti-democrático, anti-nacional, que foi legitimado socialmente a partir de misoginia e ódio contra as mulheres. O argumento para legitimar esse plano macabro contra os interesses do Brasil, que faz com que o povo não tenha comida na mesa. Ele foi articulado na nossa sociedade a partir de um sentimento estimulado crescentemente de aversão ao que as mulheres representam”, destacou.

Conforme frisou Manuela, a derrota real de Bolsonaro e do bolsonarismo, que considera ser coisas diferentes, passa pela transformação profunda da política e do poder político.

“Não será com a mesma moeda, é uma nova moeda uma nova política. E essa outra política só existirá quando o povo brasileiro ocupá-la de verdade. E não existe povo brasileiro sem as mulheres, sem os negros e negras”, ponderou.

Para Manuela, em um país onde as mulheres ocupam a política não há tanto espaço para o ódio. “Porque nós somos forjadas na acolhida, somos forjadas nas diferenças que fazem com que diferentes gerações se reúnam e tenham a capacidade de celebrar o simples fato de seguirmos vivas em um país que odeia tanto e tão profundamente as suas mulheres que ousam desafiar o sistema”.

Não se cria nada sozinho em um sistema individualista

A ex-presidenta Dilma Roussef afirmou que, na sua experiência, as mulheres não se criam sozinhas na política, ao contrário do que prega uma visão de mundo egoísta e individualista, característica do sistema capitalista. “Todas as minhas experiências eu aprendi com o conjunto dos homens e das mulheres, sobretudo das mulheres que foram minhas companheiras”, recordou falando da tortura sofrida diante da ditadura.

“[As mulheres] estão acostumadas a um certo tipo de resistência cotidiana na vida, que torna essa resistência algo extremamente gratificante e significativo. Não que nós não tenhamos medo e que diante da tortura não teme a morte, é mentira. A resistência psicológica te assegura que, você aguentando mais um pouquinho, nenhum dos seus companheiros vai passar pelo que você tá passando. Eu quero dizer pra vocês, as mulheres não são nada frágeis, não só são fortes, como são duras, e essa é uma experiência que eu levei pra vida”, expôs Dilma.

Para ela, o gênero não é uma questão sexual, é uma “pele sociocultural que te cobre” e, portanto, pode ser mudado. Dessa forma, acredita que as políticas sociais daqui pra frente devem se centrar nas mulheres, no povo negro e nos indígenas.

“Essa camada é destituída. A questão da desigualdade estrutural do Brasil é uma desigualdade de gênero, é uma desigualdade de raça, é uma desigualdade também social, dada pelas relações sociais capitalistas. A violência contra a mulher mostra a raiz terrível do Brasil”, destacou Dilma.

"um golpe misógino, machista, homofóbico e contra o trabalhador brasileiro"

A ex-presidenta, recordando sua destituição do governo, afirmou que a misoginia sempre afeta a mulher que sai da vida privada e vai pra vida pública, seja ela parlamentar, presidente, deputada ou senadora. Segundo ela, estas são atividades que são típicas da mulher, sendo a misoginia uma reação a essa presença de poder da mulher.

“A mim diziam que eu era uma mulher dura. Eu respondia ‘sim senhor’, eu sou dura no meio de 500 homens meigos, todos calmos e gentis”, debochou Dilma.

“Se a gente não perceber contra quem, e por que deram o golpe, nós não vamos saber por qual caminho reconstruir. Esse golpe é um golpe neoliberal e neofascista. É um golpe misógino, machista, homofóbico e contra o trabalhador brasileiro”, afirmou.

Concluindo, reiterou que a presença das mulheres na política é fundamental para que se mude a correlação de forças. “Nunca foi fácil para nós, teremos que continuar lutando da mesma forma, porque nós já aprendemos com nossos erros, nós vimos que um governo sozinho não faz verão”, finalizou.


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Edição: Marcelo Ferreira