Na próxima semana, entre os dias 26 e 30 de abril, Porto Alegre sediará o Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD), que ocorreria em janeiro mas foi postergado, por conta do quadro da pandemia. Descrito como um movimento de resistência, de denúncia, de criação e de luta para a transformação do sistema de justiça assim como de consolidação de instituições nele envolvidas e comprometidas com os valores da democracia, da dignidade e da justiça social, ele acontecerá de forma híbrida.
As atividades estão divididas em cinco eixos centrais, cada um em uma mesa: “Capitalismo, desigualdades, relações sociais, mundos do trabalho e sistema democráticos de Justiça”; “Democracia, arquitetura do sistema de Justiça e forças sociais”; “Sistema de Justiça, democracia e direitos de grupos vulnerabilizados”; “Democracia, comunicação, tecnologia e sistema de justiça”; e “Perspectiva transformadora do sistema de justiça e centralidade da cultura”. Há ainda uma diversidade de debates autogfestionados, propostos por um amplo número de entidades.
A abertura será na terça-feira (26), com a realização da marcha congregando o FSMJD e o Fórum Social das Resistências, às 17h no Largo Glênio Peres, ao lado do Mercado Público e da Prefeitura Municipal da capital gaúcha. No sábado (30), haverá a plenária de encerramento onde serão apresentadas as principais pautas, as moções e os programas de ação, além de propostas de mobilização e agendas de lutas para o próximo período.
“É preciso favorecer à construção de um sistema de justiça mais democrático, apesar de inserido no sistema do capital, e pensar sobre como os operadores do direito podem contribuir para e integrar um movimento emancipatório”, argumenta a procuradora do Ministério Público do Trabalho Vanessa Patriota da Fonseca, que é coordenadora nacional do Coletivo Transforma MP e integrante do comitê facilitador do FSMJD.
Nesta entrevista ao Brasil de Fato RS, ao comentar sobre o contexto atual e a importância do Fórum, Vanessa afirma que é preciso fazer a crítica por dentro. “Implicar não só os governistas em sua responsabilidade pelo retrocesso brasileiro em termos de direitos humanos e aumento das desigualdades, mas também quem está no corpo institucional dos poderes legislativo e judiciário, que vêm assegurando a incorporação e a legitimação das investidas destrutivas do país”, enfatiza.
O Fórum está com inscrição abertas em seu site até às 23h59 da próxima segunda-feira, dia 25 de abril. A partir de terça (26), as inscrições serão realizadas somente no credenciamento.
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Abaixo, a entrevista:
Brasil de Fato RS - No próximo dia 26 tem início o Fórum Social Mundial Justiça e Democracia e o Fórum Social das Resistências com uma marcha pelo centro de Porto Alegre. Qual a importância desses Fóruns no momento atual?
Vanessa Patriota da Fonseca - A crise sanitária que vivemos revelou a centralidade do Estado no enfrentamento do coronavírus e na garantia de saúde à população. Mas revelou também a extrema desigualdade social e especialmente racial. Pretos e pardos apresentam um número maior de mortes por covid em função de acesso diferenciado aos serviços de saúde em função das dificuldades em manter isolamento e distanciamento social. A pandemia revelou que o sistema do capital não tem dado conta de apresentar respostas eficazes para os problemas sociais. E outras crises virão, pois vivemos em uma sociedade de risco.
Temos presenciado, em várias partes do mundo, o desmantelamento dos direitos sociais em uma velocidade feroz, bem como a ascensão do fascismo e de governos de extrema direita. A importância dos fóruns, portanto, tem a ver com a necessidade premente de se defender a democracia, que vem sendo fortemente destruída, e a vida no planeta.
É preciso favorecer à construção de um sistema de justiça mais democrático
BdF RS - Tu estarás na mesa Capitalismo, Desigualdade, Relações Sociais e Mundos do Trabalho e Sistemas Democráticos de Justiça. Enquanto procuradora do trabalho e coordenadora nacional do Coletivo Transforma MP, como os temas tratados nesta mesa se entrelaçam e impactam a sociedade?
Vanessa - O modo de produção capitalista se estruturou com o trabalho assalariado, uma relação em que uma das partes, o trabalhador ou a trabalhadora, está jurídica, econômica e psicologicamente subordinada a outra parte. A questão que eu acho que se impõe é buscar alternativa à subordinação estrutural e hierárquica do trabalho ao capital. É preciso partir da centralidade do trabalho para, então, pensar em novas formas de sociabilidade que instituam alternativas a essa ordem estabelecida; que estabeleçam uma relação entre o ser humano e a natureza a partir de suas necessidades elementares; que resgatem o sentido da vida e do trabalho dentro de um conceito ampliado de trabalho, que inclua, inclusive, o trabalho dos cuidados. É preciso favorecer à construção de um sistema de justiça mais democrático, apesar de inserido no sistema do capital, e pensar sobre como os operadores do direito podem contribuir para e integrar um movimento emancipatório.
Os temas tratados nesse eixo temático se imbricam e têm forte impacto na sociedade. Neste eixo, pretende-se estimular a discussão, entre outros, dos temas: as desigualdades sociais e políticas aprofundadas pela ação disruptiva do capitalismo, entre as quais as assimetrias de raça, de gênero e de classe na representação parlamentar e nos espaços de poder decisórios, e formas de superação; as desigualdades sociais e seus impactos na democracia; cultura e formas de alocação da força de trabalho nas atividades culturais; o papel de uma regulação pública que a todos busque incorporar; as reformas liberalizantes e seus impactos; os modelos, papel e atuação dos Sistemas de Justiça e seus limites; o papel do Judiciário diante das reformas liberalizantes, inclusive, da trabalhista e da previdenciária; e, ainda, reconfiguração dos mundos do trabalho e das formas de ação coletiva dos/as trabalhadores/as; vida nas cidades; segurança pública; propriedade e sua função social; ocupação e uso do solo; ao manejo dos recursos naturais; e, aos sistemas públicos de saúde e atos que os corrompam.
BdFRS - Que justiça e democracia temos atualmente? Quais os principais entraves desses dois conceitos e como evoluir?
Vanessa - O grande problema é que temos justiça para poucos e constituída por poucos. O sistema de justiça brasileiro, por exemplo, é branco, heteronormativo e masculino. A chamada “guerra às drogas” é, ao fim e ao cabo, a guerra contra pobres e pretos. A democracia e seus pilares de sustentação, dentre os quais a justiça social e o respeito à diversidade de sistemas de justiça, são uma retórica.
Não bastassem os próprios entraves impostos pelo sistema, uma vez que, afinal, a desigualdade é inerente ao modelo, vez que uns detém o capital e outros têm apenas sua força de trabalho a ser posta à venda, temos uma conjuntura que cada vez mais exacerba as atitudes individualistas. Isso em detrimento da desconstrução da identidade do sujeito coletivo, e que reflete a perda do sentimento de pertencimento à coletividade da qual se faz parte.
A evolução passa pela união dos explorados; pelos diversos movimentos sociais; por movimentos como esse que estamos construindo.
Acabar com o fascismo nas urnas
BdFRS - 2022 é um ano emblemático e cheio de significados. Não temos bola de cristal para prever o futuro, mas o que tu espera que aconteça e o que precisa mudar sem falta para termos um país/mundo justo e democrático?
Vanessa - Se olharmos para o Brasil, é muito triste ver o desmantelamento dos ganhos e direitos sociais dos últimos anos; ver a ascensão do fascismo. Parece uma loucura isso que vivemos! Temos que defender que a Terra é redonda, que a vacina não vai inserir um chip na pessoa. Temos que defender a ciência! É o velho com nova roupagem que intriga pela dimensão de retrocesso que representa.
Para o Brasil, do ponto de vista imediato, eu espero que consigamos acabar com o fascismo nas urnas e, a partir de janeiro de 2023, começar a construir um outro país.
BdFRS - Que outra consideração tu achas importante que seja destacada na conjuntura atual?
Vanessa - As mutações do capitalismo continuam a favorecer a intensificação da desigualdade e a subjugação da política interna de nações inteiras à autoregulação do mercado e dos interesses hegemônicos, que já vinham expressos nos fundamentos políticos do neoliberalismo e sistematizado pelo Consenso de Washington.
É preciso entender que não há uma relação histórica e natural entre capital e trabalho como a burguesia capitalista quer fazer crer. Entender que não há convivência possível entre democracia e capitalismo e que outro mundo é possível. Para isso, é preciso se fazer a crítica por dentro; implicar não só os governistas em sua responsabilidade pelo retrocesso brasileiro em termos de direitos humanos e aumento das desigualdades, mas também quem está no corpo institucional dos poderes legislativo e judiciário, que vêm assegurando a incorporação e a legitimação das investidas destrutivas do país.
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Edição: Marcelo Ferreira