Rio Grande do Sul

Memória

Artigo | 50 anos da guerrilha do Araguaia

Em 12 de abril de 1972, um grupo de moradores do Pará, atacados pelos Forças Armadas, deu início à resistência

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Guerrilheiros que lutaram contra a ditadura militar e foram assassinados pelo regime - Arquivo PCdoB

Abril de 1972.

O Brasil vivia um dos períodos mais terríveis da sua história. O fascismo desfilava triunfante e o seu partido – a Arena – era o maior da América Latina.

O Ato Institucional nº 5 havia fechado o Congresso, cassado mandatos, suspenso as eleições em todos os níveis, calado a oposição. Os partidos políticos, os sindicatos, as entidades estudantis e populares estavam fechados ou perseguidos. Os meios de comunicação estavam submetidos à mais férrea censura, a cultura garroteada.

A guerrilha urbana havia sido aniquilada e os seus líderes mortos. As prisões e os centros de torturas estavam cheios e crescia o número de mortos e desaparecidos. Milhares de brasileiros e brasileiras haviam sido obrigados ao exílio.

A euforia com o “milagre econômico” e a conquista da Copa do Mundo anestesiavam boa parte do povo. O regime dos generais parecia invencível e eterno!

Foi nesse contexto de imensas dificuldades que há exatos 50 anos, em 12 de abril de 1972, um grupo de moradores do sul do Pará, atacados pelos Forças Armadas brasileiras, deram início à resistência guerrilheira do Araguaia, sob a direção do Partido Comunista do Brasil.

Entre os guerrilheiros se encontravam Maurício Grabois, Ângelo Arroio, Helenira Rezende, “Osvaldão”, “Dina”e os gaúchos João Carlos Haas Sobrinho, José Huberto Bronca, Cilon Cunha Brum e Paulo Mendes Rodrigues. João Amazonas e Elza Monnerat participaram diretamente de sua preparação, mas não estavam na área no momento do início da luta.

Enraizados no povo – com seis anos de atuação na região, organizando os posseiros e os camponeses –, os guerrilheiros resistiram por três anos à diversas campanhas de cerco e aniquilamento das Forças Amadas brasileiras, que mobilizaram mais de dez mil homens no que o Gal. Hugo Abreu chamou “o mais importante movimento armado já ocorrido no Brasil rural”. Só no início de 1975 a guerrilha foi esmagada. Não houve prisioneiros. Todos foram assassinados.

Ainda que derrotada, a guerrilha do Araguaia mostrou que o povo brasileiro estava disposto a ir às últimas consequências na luta pela liberdade. Não por acaso, em 1974, quando a guerrilha ainda resistia, o ditador de plantão, Ernesto Geisel, deu início à chamada “abertura lenta e gradual”, para arrefecer a oposição ao regime. E, ainda em 1974, a ditadura militar sofreu o seu maior revés eleitoral.

A guerrilha do Araguaia pertence à história. No enfrentamento da ditadura foi uma forma de luta justa e necessária. Ao homenageá-la, não fazemos a apologia desta ou daquela forma de luta. O povo escolhe as suas formas de luta de acordo com as circunstâncias históricas. Hoje, a defesa da nação brasileira, das liberdades democráticas e dos direitos do povo continua sob outras formas, mais adequadas ao atual momento.

Em homenagem a esses homens e mulheres que entregaram as suas vidas na luta pela liberdade, concluo com a canção das Forças Guerrilheiras do Araguaia:

Não somos do norte
Nem somos do sul
Nossa geografia
É um sopro de liberdade

O verde invadiu nossos olhos
Verde a floresta
E verde a nossa certeza
Nos novos frutos da terra

Decerto que há fuzis
Muitos mortos, muitos nossos
Há os do ofício do não
Entre o povo e a madrugada

Decerto que há um muro de homens
Verdes (verde-velho, verde-lodo)
Entre nós – entre o povo –
E a madrugada

Mas (antes de tudo)
É preciso que se faça o dia
E se as nossas águas, nosso fogo
Vão dar no dia

Que noite nos deterá?
Decerto não fizesse escuro
Deitaríamos os fuzis no
Leito do Araguaia

E passaríamos a cantar
Uma flor, uma floresta: esta
Mas que flor de mais cantigas
Que a liberdade buscada?

Não somos do norte
Nem somos do sul
Nossa geografia 
São as pétalas da madrugada

* Raul Carrion é graduado em História pela UFRGS e pós-graduado pela FAPA, servidor concursado do Ministério Público Estadual-RS. Foi vereador em Porto Alegre e deputado estadual por dois mandatos, sempre pelo PCdoB. Durante os 21 anos da ditadura, participou intensamente da luta contra o regime, tendo sido perseguido, preso e torturado. Esteve exilado no Chile e na Argentina. Atualmente, Carrion é o Presidente da Fundação Maurício Grabois no Rio Grande do Sul.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira