Criança é para poder ocupar todos os espaços com proteção
Quando sabemos que mais uma mãe foi impedida de estar no espaço público, seja no bar, seja no parlamento, por não aceitarem sua criança, dá uma revolta e um nó na garganta. Era o único momento de lazer daquela mãe que foi impedida de estar no bar em São Paulo com seu filho. Sinto muito!
Tornar-se mãe não é fim de linha, não significa que a “vida terminou”, que ela não tenha mais vida para além do lar e do cuidado.
Por que não se discute que 65% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos estão fora das creches e metade das mães deixa o mercado de trabalho e os estudos, não raro, para cuidarem das suas crianças? São pelo menos 11,5 milhões de mãe solo no Brasil. Como elas conseguem? Apoiemos as mães solo agora!
Recentemente, passei por uma situação de violência envolvendo a imagem do meu filho comigo na minha posse como vereadora na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Um vereador desprezível, do "velho" que se diz novo, por não concordar com uma decisão judicial com ação civil pública da AMPD, da qual sou presidente, de manutenção das máscaras em crianças de 6 a 11 anos na sala de aula, resolveu compartilhar a foto do meu filho sem autorização para questionar o fato dele não usar máscara e eu estar “querendo que os filhos dos outros usem máscara” em sala de aula. Ele nos chamou de hipócritas, compartilhou a nossa foto, do meu perfil, e disse para a sua rede deixar comentários. Em outra postagem, de um deputado do seu partido, que foi mais esperto e borrou o rosto do meu pequeno, ele chegou a dizer que nós deveríamos ser expostos e sugeriu que seria uma forma de nos intimidar em relação à luta que estamos fazendo.
Luta legítima, democrática e necessária porque fortalece a saúde coletiva e o real enfrentamento da pandemia. Salva vidas. Garante o direito à educação também, ameaçado hoje pelos surtos de covid-19 e outras doenças nas escolas (em razão do desprezo às mascaras, uma medida tão simples de proteção individual e coletiva e a baixa adesão à vacinação infantil) e pelos toques de recolher das facções criminais nas comunidades, diga-se de passagem.
Realmente, impressiona que uma medida tão fácil de ser feita e de proteção individual como o uso de máscara (beneficiando o coletivo e neste momento as crianças pequenas que não puderam se imunizar pelos atrasos e desincentivos governamentais do Bolsonaro e Leite e pelas fake news) cause tanta ira a ponto de um vereador, "colega", expor a foto de uma colega à uma rede de ódio, de intolerância e intimidações virtuais.
É por voto? Disputa de voto da extrema direita? Votos de bolsonaristas? Vale tudo por poder? Na verdade, é disputa de eleitores em um ano eleitoral. Mas disputa política tem limites. Rompe todos os limites éticos, morais, de decoro parlamentar você usar a foto de uma mãe vereadora com seu bebê por discordar das ideias dela.
E, no caso, o vereador ainda usou a nossa foto não só para me atacar e expor a imagem do meu filho e a minha, e a nossa associação, ele expôs a foto do meu filho (sem borrar o rosto dele) e com fake news sanitária. Meu filho tem 2 anos e pela lei federal n. 13979/20, que vige, a máscara é obrigatória a partir de 3 anos, inclusive é desaconselhado pela OMS e CDC para a idade dele. Ou seja, ele não precisa e nem deveria usar máscara e não há incongruência com a luta que defendo. Eu não precisaria explicar. Eu não preciso me sentir responsável pela exposição que meu filho e eu passamos. Mas acabamos fazendo isso. É necessário escrever “para não matar e não morrer” e é “um jeito de lutar sem botar fogo”, como diria a jornalista Eliane Brum.
Está aberto o inquérito para investigação do vereador pela Delegacia Especializada da Criança e do Adolescente com interface com Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. Ele cometeu um crime, a meu ver, ao ferir o ECA, com o agravamento de envolver uma criança, ter incitado uma rede de ódio e ataques virtuais, que foram centenas diretamente nas minhas redes - entreguei mais de 83 páginas de informações sobre o que me aconteceu em dois dias de ataques virtuais. E pelo meu filho estar comigo em uma situação de trabalho parlamentar e ele me citando como vereadora, deflagrando violência política de gênero, com ataques de muitos políticos gaúchos eleitos da extrema direita.
Será que alguém um dia faria isso com um homem e um homem parlamentar? Claro que não! Eles não precisam levar os seus filhos pequenos no trabalho e nem no lazer.
Aqueles que me atacaram são os defensores do Escola Sem Partido, do Homeschooling, da Escolas Cívico-Militar, da “Capelania” e querem o fim da Filosofia nas escolas e escola aberta com bandeira preta pela covid-19 e sem vacinação nem de professores (caso da suspensão de aulas em fevereiro e março de 2021 no RS via medida judicial pela AMPD). São antivax, mas boa parte não praticante, muitos não vacinaram os filhos e chamam máscara de “focinheira” - tamanha ignorância, limitação e fanatismo ideológico.
Sei bem o que pensam e que tipo de sociedade almejam. Mas nós defendemos realmente uma sociedade plural, livre, solidária e que preza pela saúde coletiva e pela vida de todos, todas e todes, pela segurança dos direitos e por uma educação voltada à vida. Eles não querem a divergência, eles atacam, perseguem, assediam e violentam o diferente.
Na Câmara de Vereadores, nove vereadores fizeram pedido de cassação do vereador que me atacou - por quebra de decoro pela sua atitude comigo e com meu filho. Na sequência, foi instaurada a Comissão de Ética - que não existia na Câmara antes, pasmem! Já é uma conquista!
Precisei de algum silêncio para assimilar tudo isso.
Vejo sempre o copo meio cheio. Por isso entendo que já há pequenos avanços em curso na política e na justiça em relação a estes personagens que rompem com as regras de civilidade e da democracia. Só no mês de março deste ano já vimos o indiciamento de vereador de Porto Alegre por violência política de gênero, Bobadra, outro ex-vereador da Capital, Valter Nagelstein, com condenação de prisão por racismo contra a nossa bancada negra, e a cassação por corrupção do deputado estadual Rui Irigaray. Todos bolsonaristas. Nenhuma coincidência. Além de indignação, tenho também esperança e acho que um por um vai cair.
É preciso a responsabilização de pessoas que rompem com o respeito ao direito de opinião e com o estado democrático de direito, especialmente as que tem cargo público. Na democracia liberdade significa ter o seu direito assegurado na relação com a liberdade do outro e à coletividade. Não existe uma sociedade democrática sem respeito às regras e sem políticos éticos e responsáveis. E não há democracia sem os direitos das crianças e das mães respeitados. E o primeiro a ser respeitado: delas poderem ocupar o espaço público e terem direito à fala sem serem atacadas, expostas, lesadas e impedidas.
A sociedade e as políticas públicas precisam garantir redes de proteção para as mães das crianças e de creche, sobretudo para as crianças menores. As crianças foram as mais esquecidas na pandemia. As últimas a serem vacinadas, de 5 a 11 anos, sendo que no RS 44,4% das crianças sequer tomaram a primeira dose e só 16,4% tem duas doses, e as com menos de quatro anos foram as principais vítimas letais da covid-19.
Criança não é para morrer. Por isso que enquanto tiver pandemia temos que manter as máscaras em lugares fechados e na escola - para proteger as crianças da covid-19 e de outras doenças, especialmente, no inverno, como é o caso agora. Estamos com UTIs superlotadas. No Hospital de Clínicas de Porto Alegre há o atendimento três vezes superior à capacidade de leitos de UTI pediátrica hoje.
Criança é para poder ocupar todos os espaços com proteção. Por isso que lutamos e seguimos lutando pela prevenção, pelo direito à saúde, pelo direito à escola, pelo direito das crianças de existirem no espaço público com as suas mães e com a segurança integral dos seus direitos - como preconizado no ECA.
A revolução acontecerá quando mães de bebês puderem ocupar espaços públicos e de poder sem serem atacadas. Direito à educação, ao trabalho, ao lazer e à política é o mínimo que queremos para nós mães e para os nossos filhos e filhas terem um caminho mais diverso, possível e mais potente de (re)existirem!
* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira