Uma plateia atenta acompanhou o seminário “O Guaíba à Margem da Lei”, no auditório Dante Barone, na Assembleia Legislativa, nessa quarta-feira (6). Durante cerca de 3h, os expositores apresentaram diferentes perspectivas sobre o Guaíba, desde a mudança climática global e seu impacto nas águas que são a fonte de vida de Porto Alegre, aspectos botânicos e de hidrossedimentologia, até o arcabouço jurídico que protege o lago, o rio, ou o rio-lago Guaíba. Ou deveria proteger.
Divulgar e explicar a importância do Guaíba, e denunciar a falta de proteção de suas águas e margens, foi a ideia central do evento, parte do projeto “Uma Nova Dimensão para o Guaíba”, lançado pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), em conjunto com o Movimento Justiça e Direitos Humanos (MJDH) e o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá).
O fio condutor dos argumentos apresentados está na caracterização do Guaíba como “curso d’água”. Isso porque, conforme o Artigo 4º da Lei 12.651/2012, a Lei de Proteção à Vegetação Nativa, são Áreas de Preservação Permanente (APP), em zonas rurais ou urbanas, “as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de 500 metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 metros”. Definição na qual se enquadra o Guaíba.
Conforme o biólogo Paulo Brack, professor de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a lei que já vigora há 10 anos não está sendo cumprida em Porto Alegre. Em sua apresentação, mostrou diversas espécies de plantas reófitas, típicas de cursos d’água, para sustentar o enquadramento do Guaíba na legislação. E destacou que tal vegetação é diretamente afetada por construções e intervenções de diferentes tipos que estão ocorrendo na Capital ou se pretende construir. Como exemplo, citou também espécies de fauna ameaçadas na Ponta do Arado, em Belém Novo, local que tem sido disputado para a construção de um grande projeto imobiliário.
Durante os debates para aprovação do empreendimento ou do novo Plano Diretor, o botânico destacou que nem a maioria dos vereadores e tampouco o governo do prefeito Sebastião Melo (MDB) consideram a lei que garante a proteção de 500 metros da margem do Guaíba. “Nem querem saber”, criticou.
Brack mostrou imagens da restinga do Lami, com linhas de vegetação referentes a áreas do Guaíba que sofreram movimentos de regressão e transgressão marinha há pelos menos 6 mil anos. “E infelizmente estão hoje sob a ótica de loteamentos e da destruição disso tudo na ganância imobiliária Arado.”
O professor de Botânica ponderou que, independente da denominação de ser lago ou rio, o Guaíba é um importante curso d’água, conforme provam recentes estudos da área da geologia. “O Guaíba merece os 500 metros de Área de Preservação Permanente”, afirmou. Além do determinado pela Lei de Proteção à Vegetação Nativa, Brack enfatizou que a Lei da Mata Atlântica e a Lei Orgânica de Porto Alegre também têm dispositivos que garantem a proteção do Guaíba. “Isso tudo está sendo desconsiderado nos empreendimentos atuais.”
Futuro submerso
Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Afonso Nobre abriu o seminário apresentando os impactos da mudança climática no Guaíba. Os efeitos do aquecimento global que a décadas atrás eram apontados como uma possibilidade por cientistas e ambientalistas, agora são realidade.
O descongelamento de massas de gelo na Groenlândia e na Antártida e o consequente aumento do nível dos oceanos, o própria aumento da temperatura dos mares e o derretimento das geleiras nas cordilheiras, tudo causa as mudanças climáticas hoje realidades no mundo. Eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes e intensos, como secas, tempestades, enchentes, estiagens e ondas de calor.
Se um dia o planeta Terra levou cerca de 10 mil anos para aumentar a temperatura em 5ºC, agora levou apenas um século para aquecer mais 1ºC. No Brasil, a temperatura vem subindo rapidamente desde a década de 1960. O aquecimento do País, disse Nobre, gira em torno de 1,5ºC. No Sul do País, esse crescimento é de 0,80ºC desde os anos de 1970 e 1980.
O pesquisador da USP reafirmou que o aquecimento global não é natural, sendo causado diretamente pela ação do homem. “Nada do que está acontecendo pode ser explicado por ações naturais.”
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em torno de 3,3 bilhões de pessoas vivem em contexto de vulnerabilidade em relação às mudanças climáticas. É praticamente a metade da população do planeta.
Nobre apresentou algumas projeções feitas por cientistas sobre o aquecimento global. No Sul do Brasil, até 2030, a temperatura pode subir entre 1ºC e 1,5ºC no melhor dos cenários. Em 2090, chegaria a 2ºC. No pior cenário, o aquecimento poderá ser de 4ºC ou até 5ºC em 2090, segundo o IPCC.
Com o aquecimento global, aumenta também o nível dos oceanos. A subida já é realidade e tende a crescer. Até 2100, a perspectiva é que o nível dos oceanos suba 1 metro e, em 500 anos, aumente em 3 metros. Se a temperatura na Terra aquecer acima de 2ºC, o nível dos mares pode ser até 6 metros maior nos próximos séculos.
Considerando que o Guaíba se conecta com a Lagoa dos Patos, que por sua vez se liga ao oceano Atlântico, o aumento do nível das águas trará consequências brutais. “Nesse valor, cidades como Porto Alegre, Guaíba, a Lagoa dos Patos, tudo isso será oceano”, sentenciou o pesquisador da USP. “Se julgarmos que vamos, como civilização, continuar existindo por milhares de anos, então temos que pensar em adaptações.”
Edição: Sul 21