Para além das pesquisas, o campo democrático terá que construir bases sólidas que garantam a eleição
O calendário eleitoral já começa a apresentar alguns contornos para as eleições de outubro. O troca-troca partidário encerrado no início de abril, com o fim da janela partidária, mostrou que a dança das cadeiras ocorreu majoritariamente nos partidos de direita e extrema direita com assento no Congresso Nacional. Desapareceram o PSL (a maior bancada eleita em 2018) e o DEM (a direita tradicional, filhote da Arena dos tempos da ditadura) para dar vida à nova legenda, a União Brasil.
O Partido Liberal, conhecido agrupamento fisiológico de direita, liderado pelo também famoso Valdemar da Costa Neto, tornou-se o novo berço de Jair Bolsonaro e sua matilha parlamentar, configurando-se atualmente no maior partido no Congresso Nacional. Dos dez maiores partidos no Parlamento, os cinco melhores posicionados são da direita ou extrema direita: o 1º é o PL com 73 deputados; o 3º é o PP (55); o 4º é o União Brasil (49); o 5º é o PSD (43) e em 6º lugar o Republicanos (41 deputados).
Somente o PT está entre os primeiros da lista (em 2º lugar, com 56 parlamentares). À exceção do PT, o espectro ideológico dos seis maiores partidos no Congresso mostra o predomínio das oligarquias tradicionais políticas, econômicas, financistas, bélicas e religiosas instalados no Parlamento. O que indica um debate eleitoral com ênfase neoconservadora e de extrema direita (ver análise anterior sobre esse grupo na política aqui).
Ao mesmo tempo, a autoproclamada terceira via vai se esboroando, com lances primários e hilários patrocinados pelo ex-juiz suspeito Sergio Moro e a autofagia do PSDB em guerra interna. Sem ter o que dizer, sem projeto e dominados pelas estratégias puramente eleitorais, os partidos desse núcleo não se constituíram, de fato, numa alternativa de projeto ao que Lula e Bolsonaro representam.
Apesar da aglutinação partidário-eleitoral em torno da direita e extrema direita, liberais, neoconservadoras, as pesquisas eleitorais vêm indicando ampla maioria das intenções de voto popular em Lula (PT). Merece atenção, no entanto, o fato de Bolsonaro (PL) permanecer entre 25% e 29% das intenções de voto nas pesquisas apresentadas até aqui. Certamente há uma rede de interesses que vem ganhando muito com Bolsonaro no poder, como mostra os escandalosos 35 bilhões do Orçamento público ordenados em emendas parlamentares, emendas secretas de relator e emendas de bancada, disponíveis para os deputados federais e senadores, revelando uma brutal desigualdade na disputa com aqueles que não têm mandato.
Bolsonaro é também o candidato ideal dos neoliberais que não gostam da democracia, uma vez que é nesse sistema que as forças sociais pressionam o Estado para uma necessária redistribuição da riqueza e de mais inclusão e acesso da população a direitos e justiça social. É nesse contexto que as eleições desse ano serão diferentes e perigosas: estaremos lidando com duas candidaturas e dois projetos muito distintos. Mas não se trata de “dois extremos”. Existe somente uma candidatura extremista e fora do escopo democrático. Bolsonaro é esse candidato de extrema direita, antidemocrático, misógino e homofóbico, abertamente defensor da ditadura. E vem oferecendo dezenas de demonstrações de que não está disposto a aceitar as regras do jogo.
Serão suficientes os alertas dos ministros do STF e TSE, como a manifestação do atual presidente do TSE, ministro Edson Fachin (em 1/4/22) diante das reiteradas, frequentes e cada vez mais agressivas ameaças à democracia e à Justiça Eleitoral, praticadas por Bolsonaro e seus apoiadores? O atual mandatário da República atua por dentro do sistema democrático para destruí-lo. Agregam-se a esses indicadores, um governo cada vez mais dirigido por militares, o crescimento impressionante de armas nas mãos de civis com mais de meio milhão de cidadãos com posse de armas, além das redes e canais digitais irregulares que se proliferaram desde as eleições de 2018, ampliando a exposição da opinião pública a mecanismos de propagação de mentiras e fake news.
No livro “Como as democracias morrem” (2019), os autores Steven Levitski e Daniel Ziblat analisam de que forma as democracias estão sendo enfraquecidas em dezenas de países, por dentro do próprio sistema. Essas características estão presentes no Brasil governado por Bolsonaro: 1) Rejeição das regras democráticas minando a legitimidade das eleições, recusando-se a aceitar o resultado eleitoral (já presentes no debate pré-eleitoral); 2) Negação da legitimidade política dos oponentes, ao desqualificar e tratar adversários como inimigos, incitando o ódio e criminalizando suas trajetórias; 3) Tolerância com a violência, endossando tacitamente essas agressões (algo que já se tornou comum nas manobras de Bolsonaro para justificar comportamento violento de seus apoiadores); 4) Propensão a restringir liberdades civis (como vimos na tentativa de censura ao Lollapallooza e na detenção pela PM de Brasília de um jornalista que comemorava o aniversário em sua casa porque os convidados entoaram o “Fora Bolsonaro”).
Para além das pesquisas de intenção de voto, o campo democrático brasileiro terá que construir bases sólidas que garantam todo o processo eleitoral (incluindo os riscos de uma campanha suja no mundo digital, controlado por grandes corporações capitalistas internacionais). Sem alarmismos e pessimismos exagerados, o momento exige muita atenção, unidade e mobilização social das forças democráticas. Vozes sombrias sopram da Hungria (que elegeu pela quarta vez um presidente autoritário, misógino, xenófobo e homofóbico) e da França (a extrema direita de Marine Le Pen encostou em Macron). Que os ventos vindos do México, da Argentina, Bolívia e Chile, de uma América Latina autônoma, antipatriarcal, antirracista e crítica ao neocolonialismo do Norte global, inspirem o eleitorado brasileiro por um caminho que interrompa a trajetória em direção ao abismo.
* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko