É urgente uma nova revolução democrática em 2022 e no próximo período. Já estamos em abril
31 de março de 1964, 1º de abril de 1964, há 58 anos. Eu estava no Seminário dos franciscanos em Taquari, chegando nos 13 aninhos. Em 1963, sem saber direito do que se tratava, nós, jovens seminaristas pré-adolescentes víamos os filmes e participávamos das Marchas do Pe. Patrick Peyton pelas ruas de Taquari. Nos dias depois do golpe militar, tronitruavam, via rádio, pelos longos corredores do Seminário os discursos inflamados de Carlos Lacerda a favor da família, contra o comunismo, e tudo mais. Dizia-se que estava tudo em paz, tudo resolvido no Brasil. Resultado: 21 anos de ditadura, com tudo que a acompanhou (Mais detalhes desta história estão em artigos meus, como um publicado no JB, Jornal do Brasil, em 30.03.14: ‘1º de abril de 1964: o golpe (1)’).
O golpe foi sendo armado já desde os anos 1950, seguiu no início dos anos 1960, especialmente depois da Campanha da Legalidade de Leonel Brizola (que, para nós no Seminário, era comunista, assim como os trabalhistas em geral). O Pe. Peyton fazia parte dessa preparação do golpe. Dizem matérias disponíveis no Google: “A visita do Pe. Peyton ao Brasil em 1963 teve um sentido de pregação anticomunista e contou com o apoio da CIA, no contexto da Guerra Fria, contribuindo para a preparação do golpe de 64. Ele organizava as Cruzadas do Rosário em Família, com o lema ´a família que reza unida permanece unida´. E participou, em março de 1963, da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, no Rio de Janeiro, com mais de 1,5 milhão de pessoas.”
31 de março de 2022, 1º de abril de 2022, estamos nas ruas contra um governo neofascista, herdeiro da ditadura militar. Não por coincidência, o ministro da Defesa brasileiro, os Comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica soltaram nota no dia 31.03.2022, celebrando o golpe de 1964: “Legado de paz, de liberdade e de democracia. Marco histórico que refletiu os anseios e as aspirações da população da época. Impediu a implantação de um regime totalitário e resultou no fortalecimento da democracia.”
A democracia só foi reconquistada com muitas greves, muita mobilização a favor das Diretas-Já, trabalho de base com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), muita organização popular e lutas nas periferias, construção do sindicalismo combativo, nos anos 1970/1980. Uma verdadeira revolução democrática, num país onde as elites conservadoras praticam golpes sem cerimônia, sempre que o povo trabalhador se levanta, consegue alguns direitos e consegue respirar minimamente. Lembrando que nos anos 1970/1980, a luta era nas ruas e comunidades, na organização popular. Não havia governos democrático-populares, nem presença maior nos Parlamentos. Só para lembrar, na eleição de 1982, o PT elegeu um único vereador em todo estado do Rio Grande do Sul, nenhum deputado e não conquistou nenhuma prefeitura. Mas a voz das ruas e da organização do povo dava o tom político e programático.
É urgente uma nova revolução democrática em 2022 e no próximo período. Já estamos em abril. O tempo corre, o tempo voa, num contexto brasileiro e mundial sombrio, com a guerra entre Rússia, Ucrânia, EUA, OTAN e União Europeia, e com o neofascismo reinante no Brasil. Este é um ano-chave, quase decisivo. Mas não apenas porque é ano eleitoral, embora a eleição de 2022 seja ‘a eleição das nossas vidas’. Mas sim porque, finalmente e aos poucos, o povo começa a acordar. Por exemplo, acontecem neste mês de abril: dia 7 de abril, Dia internacional da Saúde, com lançamento da Conferência nacional de Saúde; dia 9, sábado, mobilização em todo Brasil, com panelaços em todo Brasil contra a fome e Fora Bolsonaro; a Campanha da Fraternidade está em andamento, FRATERNIDADE E EDUCAÇÃO; no Rio Grande do Sul acontece Encontro estadual das CEBs, de 21 a 24 de abril; o Fórum Social das Resistências (FSR) será em Porto Alegre, 26 a 30 de abril; a Conferência de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional está sendo organizada pelo CONSEA/RS; haverá o lançamento da Frente nacional contra a Fome no FSR; há a a 6ª Plenária nacional de Economia Solidária sendo feita. Sem esquecer as lutas por Terra, Trabalho e Teto, como pede o Papa Francisco. Há ainda a terceira fase da Campanha Latino-americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire acontecendo. Tudo isso coroado tudo com um Primeiro de Maio potente e unificado, seguido do Fórum Social Mundial, 1º a 6 de maio, no México.
Neste meio tempo, é importante ir organizando os Comitês Populares de Luta. O tempo urge e ruge. Como nos anos 1970 e anos 1980, fazer acontecer a revolução democrática. Com unidade e solidariedade. Unidade em todos os espaços, inclusive no campo eleitoral. Solidariedade com os mais pobres entre os pobres, especialmente com os que passam fome, com as Cozinhas Solidárias e os Comitês Populares contra a Fome, entre outras iniciativas.
É pouco, é muito? Para quem é da educação popular freireana, para quem é da Teologia da Libertação, para quem sonha com ´um outro mundo possível´, urgente e necessário, para quem luta por justiça e igualdade e por uma sociedade do Bem Viver, nada é demais ou impossível. Como não foi nos anos 1970/1980. Não se pode permitir a repetição do golpe de 1964 ou do golpe de 2016. Mais que nunca é tempo de lutar por soberania e democracia. E ESPERANÇAR.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko