Rio Grande do Sul

PERIGO NO PRATO

“Pacote do Veneno” é mais uma consequência de desmonte da segurança alimentar no Brasil

Em Nova Santa Rita, lavouras ecológicas foram borrifadas com agrotóxicos por avião mesmo após proibição da Justiça

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Produções agroecológicas de assentamentos do MST em Nova Santa Rita (RS) foram prejudicadas por deriva de agrotóxico - Foto: Maiara Rauber

Em 2011, o cineasta Sílvio Tendler lançou o documentário “O veneno está na mesa”, onde aborda a contaminação ambiental e os danos à saúde pública provocados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras.

Mais de 10 anos depois a realidade piorou. Evidência disso foi a aprovação do Pacote do Veneno (PL 6299/2002), pela Câmara dos Deputados (301x150 votos), em fevereiro. O projeto flexibiliza ainda mais o uso de venenos agrícolas no país e substitui o atual marco legal (Lei 7.802), vigente desde 1989.

No Rio Grande do Sul, em junho do ano passado, o plenário da Assembleia Legislativa aprovou o PL 260 2020, que altera a Lei nº 7.747, de 22 de dezembro de 1982, liberando o uso no território gaúcho de agrotóxicos proibidos nos países em que são fabricados.

Ataques continuaram apesar da proibição da Justiça

Uma das localidades mais afetadas pelo uso indiscriminado de agrotóxicos é o assentamento Nova Santa Rita de Cássia II, no município de Nova Santa Rita, distante 27 km de Porto Alegre. 

Com 1.667 hectares, o assentamento abriga mais de 100 famílias. Em novembro de 2020, seus moradores foram atingidos pela pulverização através de avião que despejou agrotóxico em lavouras vizinhas de arroz.

O veneno acabou afetando hortas, pomares, vegetação nativa e açudes das casas dos produtores agroecológicos. Um ano depois, mesmo com decisão judicial suspendendo a prática, ocorreu nova pulverização. Há denúncias de episódios semelhantes desde 2017. No laudo produzido pelos assentados, só na primeira deriva, estima-se perdas de R$ 1 milhão.

Além dos prejuízos econômicos causados à agricultura orgânica, o despejo de agrotóxicos fez com que várias famílias procurassem atendimento médico devido a enjoo, dores de cabeça, febre e náuseas. Em Nova Santa Rita foram despejados Loyant, Bifentrina e 2,4-D, glufosinato, venenos que - indica a Fiocruz - podem causar câncer e mutações.

A presença dos assentados da reforma agrária, assinala o MST, produzindo em pequenas e médias áreas de terra e sem o uso de agrotóxicos, confronta diretamente o agronegócio da região.

A fragilidade da alimentação saudável frente ao agronegócio

“O povo não terá alimentação saudável enquanto a produção for para gerar lucro ao agronegócio e às redes dos grandes mercados”, avisa Letícia Chimini, doutora em Serviço Social e integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

A vice-presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Ana Carolina Mattos, destaca que, a partir de 2014, cresceu muito a liberação de agrotóxicos no país. “O que faz do Brasil um dos países com maior uso de químicos prejudiciais à saúde nos alimentos.”

Também nutricionista, acrescenta que a aprovação do Pacote do Veneno “é mais um resultado do processo de intensificação de desmonte no campo da segurança alimentar”.

É preciso garantir a soberania alimentar

Ela chama a atenção para a importância da soberania alimentar. Cita a necessidade de condições materiais para garantir alimentação de qualidade, mas também de “matrizes energéticas sustentáveis”. Nisso inclui a recuperação de nascentes dos rios, o acesso à água, a proteção às sementes e mudas, à terra, além de políticas públicas de apoio à produção agroecológica. “Sem garantir a produção de alimentos, não se garante autonomia para a soberania nacional”, diz.

Para Letícia, a soberania alimentar deveria ser o grande guarda-chuva dessa nação. “Sem garantir a produção de alimentos, não se garante autonomia para a sua soberania nacional. Para materializar a soberania alimentar são necessárias condições materiais que fomentem formas autônomas de produção que garantam o alimento para o povo brasileiro, mas também matrizes energéticas sustentáveis, com a recuperação de nascentes dos rios, com acesso à água em todos os lares e roças, as sementes e mudas, à terra para produzir alimentos, políticas públicas que garantam recursos de fomento à produção agroecológica e fomento para a circulação desses alimentos com a regulação dos estoques de comida nesse país.”


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Edição: Katia Marko