Rio Grande do Sul

ABANDONO

Artigo | As incertezas que rondam os invisíveis

Portadores de necessidades especiais acolhidos pelo estado na FPERGS podem ser transferidos para clínica privada

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"É desumano que o poder público tenha como prática o abandono de parcela da sua população"
"É desumano que o poder público tenha como prática o abandono de parcela da sua população" - Saúde Mental RJ

Cerca de 60 pessoas portadoras de necessidades especiais podem ser transferidas, a qualquer momento, da Fundação de Proteção Especial do RS para clínica privada criada para este fim.

A quase totalidade destes acolhidos deficientes ingressou na extinta Febem logo após o nascimento ou primeiros anos de vida. Abandonados pelas famílias, preteridos em processos de adoção, necessitam de suporte técnico em saúde e supervisão constante. Sem vínculos familiares nem equipamento público de acolhimento, permaneceram na FPERGS (Fundação de Proteção Especial do Rio Grande do Sul).

Os municípios, legalmente responsáveis por este acolhimento, não possuem vagas nem equipamentos suficientes para a demanda. Em Porto Alegre existe uma lista de espera para este atendimento com mais de 100 pessoas. Empresas privadas capazes de prestar este serviço são poucas e caras. Adultos, eles caem numa espécie de limbo: outra vez abandono e incertezas.

Em 2019, 150 destes acolhidos foram transferidos para a clínica Libertad, empresa privada criada especialmente para receber os PPDs (Pessoas Portadoras de Deficiência) maiores de 18 anos desta Fundação. Um processo abrupto que excluiu da discussão trabalhadores e moradores, tendo como pretexto a necessidade de abertura de vagas para o acolhimento e readequação dos recursos humanos. Oriundos dos abrigos José Leandro, Cônego Paulo de Nadal e NAR (Núcleo de Abrigos Residenciais) Luís Fatini trocaram repentinamente de ambiente e cuidadores, rompendo vínculos de décadas. Para eles, a violência desta ação foi incalculável. Para o estado, aumentou a despesa.

O RS passou a pagar R$ 1,67 milhões mensais para a Clínica Libertad, um ambiente insalubre, onde trabalhadores sem qualificação e mal remunerados atendem pessoas frágeis e indefesas, em triste reedição da política dos grandes manicômios. Foram os acolhidos, com seus BPCs (Benefício de Prestação Continuada, no valor de um salário-mínimo mensal, que custeia despesas não contempladas pelo órgão acolhedor), suas poupanças, foram equipamentos de saúde, caríssimos, da FPERGS, que a clínica não havia providenciado.

De lá até agora é nítida a decadência física/cognitiva do grupo transferido, com óbitos evitáveis, regressão das condições físicas e neurológicas. Por pressão de trabalhadores da FPERGS ocorreram vistorias, onde várias irregularidades foram encontradas, o Ministério Público fez vários apontamentos. Acolhidos que demandam atendimento de alta complexidade retornaram para a Fundação com agravamento das doenças.

Este processo foi coordenado por um ex-comunista, Catarina Paladini, ex-secretário de Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social, que chegou a acumular o cargo com a presidência da FPERGS, para que nada nem ninguém atrapalhasse a transação.

Mas, já disse o poeta: A história acontece como tragédia e se repete como farsa.

A atual titular desta secretaria, Regina Becker, pode repetir o descarte dos humanos com deficiência que ainda estão na Fundação. Ex-petista, militante da causa animal, Becker, hoje no PTB, pode reeditar as “transferências” de 38 acolhidos do NAR (Núcleo de Abrigos Residenciais) Luís Fatini, com deficiências moderadas e 25 do ACPN (Abrigo Cônego Paulo de Nadal), com paralisia cerebral.

Para resolver a questão legal bastaria um adendo ao estatuto da FPERGS, que permita aos acolhidos deficientes, com ingresso antes da maioridade legal, a permanência na instituição, ao menos enquanto os municípios forem incapazes de oferecer atendimento e equipamentos compatíveis com suas necessidades.

É desumano que o poder público tenha como prática o abandono de parcela da sua população. É mais uma etapa do abandono, do preconceito e da discriminação que estas pessoas enfrentam desde o início de suas vidas.

Lidamos com pessoas, com sentimentos, necessidades, afetos e dores. Pessoas com direitos, que estão sendo negados por quem tem a obrigação de proteger. Sim, lidamos com pessoas, não com tijolos ou papéis. Pessoas.

Que o Estado garanta suas vidas e sua dignidade. Que cumpra sua função!

Audiência pública nesta quarta

Para debater esta situação, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul realiza, nesta quarta-feira (30), às 9h, reunião ordinária e audiência pública. A videoconferência será em formato híbrido. Confira como participar de sua casa:

Link para assistir via Webex
Número da reunião: 2340 232 6519
Senha: BMaduY4Nc47

Entrar pelo sistema de vídeo
Disque [email protected]
Você também pode discar 173.243.2.68 e inserir seu número de reunião.

Entrar pelo telefone
+55-21-2018-1635 Brazil Toll
+55-11-3878-8450 Brazil Toll (Sao Paulo)

Código de acesso: 234 023 26519

* Regina Abrahão é educadora no NAR Fatini - FPERGS

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira