Rio Grande do Sul

Povos Originários

Coletivo de Estudantes Indígenas da UFRGS é recebido por representantes da Reitoria

A entrega de carta de reivindicações sobre a Casa do Estudante foi formalizada, mas indígenas saíram sem respostas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Reitoria agendou uma nova reunião para esta quinta-feira (10), às 15h - Foto: Alass Derivas | @derivajornalismo

Lideranças do Coletivo de Estudantes Indígenas da UFRGS conseguiram se reunir com representantes da Universidade, na manhã desta quarta-feira (9), para tratar das reivindicações da Casa de Estudantes Indígenas. O Coletivo integrado por indígenas dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani ocupa um prédio da Prefeitura de Porto Alegre, na entrada do Túnel da Conceição, em frente ao Campus Centro da Universidade, como forma de reivindicar a viabilização da Casa. 

Segundo informa o repórter Alass Derivas, que esteve presente na reunião, o encontro durou mais que o esperado e foi marcado por momentos de tensão. Ao fim, os estudantes indígenas entregaram uma carta de reivindicações à Reitoria. Porém, em contrapartida, não receberam respostas concretas do órgão máximo da UFRGS.


A vice-reitora, Patrícia Pranke, que exerce o cargo de reitora essa semana, recebeu a carta de reivindicações / Foto: Alass Derivas | @derivajornalismo

Uma nova reunião foi agendada para esta quinta-feira (10), às 15h, da qual participarão representantes dos estudantes, da Pró-Reitoria de Graduação, da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e da Coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas (CAF) e a vice-reitora.

A Universidade esteve representada pela vice-reitora, Patrícia Pranke, que exerce o cargo máximo esta semana, em função da ausência do reitor Carlos Bulhões. A reportagem relata que, logo no início da reunião, Patrícia pediu objetividade, pois tinha outro compromisso às 11h. Recebeu como resposta o convite da pajé Gah Té Iracema, liderança Kaingang, para respeitar a cultura indígena, que se relaciona com o tempo de forma diferente. 

Também foi exigido que a vice-reitora dispensasse mais tempo ao encontro, devido o fato da reivindicação já ser antiga e envolver a luta por uma moradia digna para esses estudantes. Para representar o momento, a pajé ofereceu a pintura com urucum característica dos povos Kaingang e Xokleng, o que foi aceito "com certo constrangimento". 


A pajé Gah Té Iracema ofereceu a pintura com urucum característica dos povos Kaingang e Xokleng / Foto: Alass Derivas | @derivajornalismo

Administração propôs a criação de grupo de trabalho

Na tentativa de mostrar disponibilidade ao diálogo e abertura para a causa, o representante da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), Leandro Raizer, sugeriu a criação de um grupo de trabalho (GT) para se pensar uma solução. Neste momento, os ânimos se exaltaram. A estudante Angélica Kaingang fez uma fala forte e se emocionou, relembrando que este grupo de trabalho já existe. Retomou que a luta por moradia estudantil indígena é antiga na UFRGS e que, em 2016, já havia sido protocolado um processo reivindicando a casa, momento este em que foi proposto e criado o referido GT.


Angélica Kaingang fez uma fala forte, se emocionou, lembrando de toda sua luta que já leva mais de 10 anos nessa busca / Foto: Alass Derivas | @derivajornalismo

A reportagem presente no local registrou o momento em que Angélica chorou e afirmou que não é possível suportar mais tamanha omissão da Universidade. Afirmou ainda que as crianças e a saúde mental dos estudantes estão em risco e que isso também é uma forma de genocídio.

Responsabilizou a UFRGS e seus representantes caso alguma criança cair dos andares da Casa do Estudante Universitário ou algum estudante atentar contra própria vida. Woie Patté, mestrando da UFRGS, liderança jovem do Povo Xokleng, também se manifestou afirmando que eles poderiam se retirar daquele espaço sem uma resposta concreta. “Ficaremos morando na rua enquando o GT trabalha? Até quando isso? Vocês voltam para suas casas.” 

Carta de reivindicações foi entregue

Na carta de reivindicações, os estudantes retomam o fato desta luta remontar ao ano de 2007.

"[...] desde a luta pela criação de vagas específicas, em 2007 e 2008, para indígenas e posteriormente a lei de cotas nº 12.711/2012, o debate sobre uma casa de estudantes indígenas específica e diferenciada já vinha sido posta por lideranças indígenas".

Também contextualiza as dificuldades vividas pelas estudantes que são mães, principalmente a partir de 2014, quando mulheres indígenas passaram a ser maioria no ingresso, muitas destas sendo mães.

"É fato que temos acesso às vagas de moradia na Casa do Estudante Universitário (CEU), mas essas vagas impossibilitam a presença de filhos de estudantes indígenas [...]. Ainda assim, algumas mães estudantes indígenas, sem ter outra opção, permanecem escondidas com seus filhos na CEU, um lugar extremamente ríspido, que não aceita os modos de ser e viver indígena, [...] lugar que não apresenta em sua estrutura física segurança para crianças. Inclusive muitas vezes estas mães foram intimadas por e-mail a se apresentarem na administração da CEU para tratar da saída das mesmas."

A carta também relata a insuficiência do auxílio aluguel para garantir o direito à educação dos indígenas estudantes.

"[..] quando optam pelo auxílio aluguel de 450 reais, [...] não conseguem com este valor pagar nem um aluguel inteiro, ainda mais luz, água, internet, alimentação, considerando os valores exorbitantes do custo de vida em Porto Alegre, além das exigências de locação de imóveis pelas imobiliárias. Esta situação se agrava ainda mais no atual contexto em que o governo federal corta significativamente o auxílio estudantil para os indígenas."

Também contextualiza que essa falta de condições de moradia se soma à outras formas de violência, principalmente a discriminação e preconceitos relacionados ao modo de viver, "que é de conviver uns com os outros, nos reunir, nos alimentar, estudar, rir, todos juntos, nos relacionar com as várias gerações desde crianças até os mais velhos. Sempre recebemos familiares, lideranças, nossos pajés, com isto percebemos os vários incômodos e olhares atravessados sobre nós".

Por fim, afirma que a reivindicação não se trata apenas de um imóvel para acomodar os estudantes, mas de um espaço que permita "ser quem somos, com nossos modos de vida e aprendizados, com nossas culturas, com a nossa convivência e sobrevivência".

Para ler a carta e os relatos na íntegra, acompanhe o site do repórter Alass Derivas, que está cobrindo as mobilizações do Coletivo dos Estudantes Indígenas da UFRGS.


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Edição: Katia Marko