Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Direito humano à água e ao direito das mulheres

Mas afinal, o que a água tem a ver com as mulheres? São as mulheres que mais carecem de políticas públicas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Moradoras do Morro da Cruz denunciaram a falta de água há mais de 60 dias - Foto: Fabiana Reinholz

O contexto da pandemia que aprofundou as desigualdades sociais, somado à emergência climática e à privatização da água com o Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, escancaram a realidade de violações de direitos e a maneira como mulheres são particularmente atingidas.

A disputa pela água e a luta das mulheres entrelaçam-se ao longo da história. Mulheres sempre percorreram longas distâncias a procura de água potável, carregando litros de água em suas cabeças. 

No mundo todo, mulheres em sua maioria em situação de extrema pobreza, em um contexto da divisão sexual do trabalho, são as responsáveis pelos afazeres domésticos, pelo preparo dos alimentos, pelo cuidado dos filhos e filhas. Mulheres que chefiam suas famílias não se preocupam somente com a água para beber, mas também com a garantia de água para higiene da família, e, não menos importante, com a produção de alimentos. Tudo isso resulta em sobrecarga de trabalho sobre elas.

O acesso à agua é um direito humano básico, garantido na Constituição brasileira, mas infelizmente a água sendo tratada como mercadoria gera insegurança hídrica principalmente às mulheres pobres. São os grupos em maior situação de vulnerabilidade que ficam privados ao acesso no que tange a qualidade e a quantidade.

São as famílias mais pobres que precisam desenvolver estratégias para armazenamento de água, que aguardam a calada da noite para encher as vasilhas e tomar aquele banho depois de um longo dia de trabalho. São as crianças dessas famílias que adoecem e ocupam os hospitais. Em contrapartida, o agronegócio, que é um dos maiores responsáveis pela poluição de rios e nascentes, usufrui de 75% do total de água consumida no planeta, segundo dados da FAO.

A insegurança hídrica faz com que comunidades consumam águas contaminadas, salobras, causando doenças. São mulheres pretas e jovens, em sua maioria desempregadas, desassistidas pelo poder público, e são as mulheres das periferias que sofrem com a pobreza menstrual, sem acesso a saneamento e água para que possam realizar a higiene adequadamente, acarretando assim problemas de saúde, abandono da escola e falta no trabalho. 

São essas mulheres que carecem de políticas públicas na transversalidade que a pauta da água nos traz. 

Portanto, falarmos sobre a violação de direito à água é abordarmos um problema que afeta principalmente as mulheres e implica tantas outras violações de direitos.

Em Porto Alegre, neste 8 de março acompanhamos o drama das mulheres das periferias da cidade, há alguns dias de completar um mês de declaração de situação de emergência em pelo menos cinco bairros periféricos da cidade, visando minimizar o problema de abastecimento de água. São elas que seguem caminhos até os caminhões pipas e que seguem aguardando a solução que tarda.

Enquanto isso, o centro da cidade recebe a revitalização do chafariz no Largo Glênio Peres, com custo estimado em meio milhão de reais. Prioridades! 

Água é vida, viver sem água é desumano, água é um direito.

* Militante da Marcha Mundial de Mulheres, mãe, periférica, graduanda de Ciências Sociais UFRGS.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko