Rio Grande do Sul

Coluna

O direito de amar em suas múltiplas formas

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“Quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura.” bell hooks - Reprodução
A questão não é a quantidade de pessoas com que nos relacionamos, mas a forma que nos relacionamos

Somos ensinadas desde cedo a nos calar e anular para sermos merecedoras do amor. Deixamos de lado nossos desejos, vontades e lutas para encaixar em algo que não nos cabe. Até bell hooks nos ensinar que amar é revolucionário. O amor pode nos curar e libertar, rompendo violências rumo a uma sociedade solidária. Amar é nutrir afetos e construir laços com bases sólidas para existir e resistir.

Assim como temos o direito de amar, também temos o direito de escolher outras formas de amar. As incertezas e inseguras são inevitáveis. Vulnerabilidades, frustrações e expectativas, nenhuma forma de se relacionar será capaz de anular esses sentimentos. Pois, carregamos em nosso imaginário estereótipos e o tão idealizado “felizes para sempre”. Aprendemos que há um script a ser seguido. Uma união para vida toda. Algo cada vez mais distante nessa sociedade capitalista.

Logo, a monogamia, como estrutura hierárquica de relacionamento, não está ligada ao fato de o indivíduo ter apenas um parceiro por vez, mas sim às normas sociais que regulam esses afetos e buscam controlar nossos corpos. É sobre um sistema patriarcal onde homens mantêm o poder, a liderança política e o privilégio social para dominação das mulheres.

Afetos não podem ser contratos de posse

Há pesquisas que afirmam que a monogamia imposta surgiu na mesma época que a agricultura para produção e acumulação de riquezas. O teórico Friedrich Engels cita em seu livro “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” que a monogamia é uma forma de garantir aos homens a certeza sobre a paternidade de seus herdeiros. Relata também que ela não representa uma união livre de vontades. Pelo contrário, vê nela a subjugação do feminino ao masculino.

Para o homem é aceitável o amor ser controle e à mulher sacrifício. Motivo pela qual o feminicídio segue subindo. A pesquisa do Tribunal de Justiça do RS, divulgada em janeiro deste ano, mostra que 58% dos feminicídios acontecem na casa da vítima, motivados pelo fim do relacionamento ou por ciúme e posse. Em 69% desses casos, as tentativas ou assassinatos envolvem o ex (40%) ou os companheiros atuais (29%). São crimes pautados nas normas da monogamia compulsória.

Por isso, falar de não monogamia é explorar outras formas de afeto. É entender que ela deve ser vista como um conjunto de ferramentas para deixar as relações mais livres e conscientes. E compreender que mesmo nela, temos que lutar contra os padrões e opressões. Não adianta ser não monogâmico e seguir reproduzindo machismo.

Amor livre para quem?

A liberdade também é um privilégio. Mulheres pobres, negras, gordas, trans e com deficiências ainda são fortemente silenciadas e excluídas do mercado matrimonial ou vivem em relacionamentos abusivos. O lugar que ocupam, a opressão que sofrem impede a universalização do discurso sobre a liberdade sexual e amorosa. Nesse cenário, LGBTQIA+ também precisam lidar com inúmeros preconceitos. A própria não monogamia, por vezes, acabar sendo seletiva e excludente, ignorando a real situação desses corpos.

Como questão política, a não monogamia precisa superar as desigualdades sociais. E não ser mais um meio de exploração emocional dentro dos laços afetivos. Aceitar a sensação de perda e de descentralização do afeto e sexualidade não é fácil. Em qualquer relação vamos entrar em conflito com referências enraizadas no nosso inconsciente. Por isso, essa busca por liberdade não pode excluir o desequilíbrio sociocultural que existe entre homens e mulheres. É preciso problematizar a não monogamia. A nossa libertação não pode ser uma prisão ao outro, perpetuando padrões tóxicos e egoístas.

Não podemos impor a não monogamia, determinar que ela é o único formato aceitável ou julgar que quem ainda segue moldes da monogamia são “cúmplices” de um sistema de opressão. É possível sim ter um relacionamento fechado, desde que haja comunicação, acordos e empatia. A tal responsabilidade afetiva não é sobre reciprocidade, é sobre ser sincero e ter cuidado com as expectativas que criamos no outro, independente da relação ser romântica ou não. 

Todas as formas de amor são válidas. A questão não é a quantidade de pessoas com que nos relacionamos, mas sim a forma que nos relacionamos. É sobre ter cuidado com o outro. Priorizar a amizade e a proteção. Respeitar os limites. Desromantizar o abuso como forma de amor. É lutar pela libertação sexual e emocional da mulher, combatendo a violências de gênero. A liberdade deve ser coletiva, não individual.

* Morgana Virgili - jornalista e militante feminista

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko