Neste sábado (26), o governador Eduardo Leite assinou o o Decreto 56.403, em que extingue o uso obrigatório de máscara de proteção individual para crianças menores de 12 anos. De acordo com o texto, para as crianças entre seis e 11 anos, a máscara passa a ser protocolo recomendado, caso convivam com pessoas que tenham alto risco de desenvolvimento de doenças graves. O uso obrigatório permanece para os maiores de 12 anos.
O governo alega, como justificativa, que o decreto teve como base um parecer técnico da Secretaria Estadual de Saúde (SES). Segundo o parecer, ainda que exista legislação federal que preconize o uso obrigatório para pessoas acima de 3 anos, considerando o longo período em que não há atualização da legislação, considerando que nos últimos 24 meses não se apresentaram evidências robustas que comprovem o benefício da obrigatoriedade do uso de máscaras em algumas faixas etárias, considerando que sem benefício comprovado é obrigação dos profissionais da saúde primar pelo não-malefício, considerando que a orientação é garantir o uso adequado de máscara, conclui-se que não há base técnica que suporte a obrigatoriedade de máscaras indiscriminadamente na faixa etária de 3 anos até 11 anos.
A justificativa da SES também reforça a importância da vacinação para que vírus respiratórios sejam mitigados. Cerca de 40% do público infantil entre 5 e 11 anos já foi vacinado contra o coronavírus desde o início da imunização para essa faixa etária no estado, o que contribui para o controle do vírus nos ambientes.
Para um retorno às aulas seguro, precisamos oferecer proteção
A decisão do governo do estado gerou criticas de especialistas da área de saúde, pelas redes sociais, que pedem a revogação do mesmo. “Governo Eduardo Leite assina decreto suspendendo a obrigatoriedade do uso de máscaras em crianças de 6 a 12 anos. Justamente a faixa em que o número de vacinados é baixo. Na volta às aulas, com a Ômicron ainda em alta, que medida inteligente, que grande contribuição à saúde pública infantil!”, escreveu o infectologista Alexandre Zavascki, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
De acordo com Alexandre, além de estarmos em um momento de alta transmissão, as demais considerações não se aplicam mais seja porque já foram descartadas pela ciência, seja porque o acesso a máscaras é totalmente distinto de 2020. O infectologista ainda destaca que a Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda que qualquer pessoa com mais de 2 anos, independentemente do status de vacinação, use uma máscara facial bem ajustada quando estiver em público.
Por fim pede que o decreto seja revogado e que a decisão teria sido em caráter eleitoreiro. “Exmo. Gov. do Estado do Rio Grande do Sul, Sr. Eduardo Leite, se o senhor deseja agradar eleitor bolsonarista, sugiro-lhe, respeitosamente, que passe a tomar cloroquina ou ivermectina, mas não use a saúde de crianças de escada para sua ascensão política. Revogue o decreto já!”.
Para a a reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Lucia Pellanda, as máscaras continuam sendo a medida mais segura, efetiva e simples de evitar surtos e suspensão das aulas. “O estado desobrigar o uso de máscaras em crianças não quer dizer que as escolas e pais devem liberar para não usar mais.”
Ela também destaca o "posicionamento da Sociedade Brasileira de Pediatria que recomenda ‘fortemente o uso de máscaras por crianças a partir de dois anos de idade, por serem instrumentos eficazes para a redução da transmissão de vírus respiratórios, bem como a adoção de outras ações para contenção do avanço da pandemia”.
“Pessoal do RS: é muito importante que as crianças de 6-12 anos sigam usando máscara sempre que possível. A cobertura vacinal do público infantil é inferior a 30% (notícia de 10 dias atrás). Para um retorno às aulas seguro, precisamos oferecer proteção”, escreveu a biomédica, pesquisadora e divulgadora científica pela Rede Análise, Mellanie Fontes-Dutra.
Para o pediatra e médico popular Alexandre Bublitz retirar as máscaras das crianças nesse momento de volta às aulas é criminoso. “Com a volta às aulas, com o pico da Ômicron e com baixa adesão à vacinação infantil, retirar as máscaras das crianças pode ter efeitos catastróficos. Usem máscaras nas escolas. Salvem Vidas.”
Entidades também pedem a revogação do decreto
Em nota assinada pelo Comitê Estadual em Defesa das Vítimas da Covid-19, pelo Conselho Estadual de Saúde - CES/RS, CPERS Sindicato, Associação Mães e Pais pela Democracia, Associação Vida e Justiça em Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19, Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 - Avico, Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul – Coren-RS e Conselho Municipal de Saúde/ Porto Alegre, Sindicato dos Enfermeiros no RS - SERGS, as entidades pedem a imediata alteração do decreto, para que assegure a obrigatoriedade do uso de máscaras para todas as pessoas com idade acima de dois anos.
“Com uma semana de aulas presenciais, os registros de casos positivos para a covid-19 já extrapolam as projeções mais negativas - consequência da baixa cobertura vacinal para a faixa etária de 5 a 11 anos (43,9%), aliada à alta taxa de transmissão da variante Ômicron. A esses casos se somarão aqueles resultantes das aglomerações do feriado de Carnaval. A taxa de óbitos também cresceu, sendo o estado com a segunda maior taxa do país: 3,31 óbitos/100 mil habitantes enquanto a média nacional é 2,39”, destaca a nota.
A bancada dos deputados estaduais do PT também criticou a decisão do Executivo estadual e pede a revogação do decreto. “A decisão do governador, sem ouvir os órgãos e autoridades de Saúde pública do estado, não poderia vir em pior momento. O cenário é de volta total às aulas presenciais, de altas taxas de contaminação da variante Ômicron e de baixo percentual de vacinação da população infantil. Um governador que comemora superávit nas finanças deveria neste momento comprar máscaras para distribuir para os estudantes da rede pública, organizar mutirões de vacinação nas escolas e promover uma campanha de conscientização para a volta às aulas em segurança. Governador Eduardo Leite: Revogue o decreto já!”, destacam. Veja aqui a nota completa.
Associação entra com ação civil contra Decreto
A Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) ajuizou, nesta segunda-feira (28), no plantão do Foro Central de Porto Alegre, ação civil pública n. 50286200620228210001, em que sustenta a ilegalidade do Decreto n. 56.403/2022, publicado pelo governo do estado no último sábado e que acabou com a obrigatoriedade do uso de máscara por crianças com menos de 12 anos de idade.
Nela a entidade destaca que o decreto é ilegal, pois o Supremo Tribunal Federal já decidiu que os Estados e Municípios podem criar legislação com medidas mais restritivas que o governo federal, jamais mais flexíveis, como pretende com seu ilegal decreto. “Se o governador entende que a legislação federal se mostra equivocada, que procure convencer o governo federal a mudá-la, ou questione a sua legalidade em Juízo. O que não é possível é, a pretexto de não concordar com a norma superior, pretender modificá-la com Decreto Estadual, hierarquicamente incapaz de revogar norma federal”, afirmou Júlio Sá, advogado da entidade.
O processo está nas mãos do juiz plantonista do Foro Central de Porto Alegre e a AMPD espera antes de quarta-feira uma liminar de antecipação de tutela que suspenda a eficácia do decreto e mantenha a obrigatoriedade do uso de máscara pelas crianças não excepcionalizadas pela Lei Federal, finaliza a nota.
Veja aqui o texto da ação.
Confira abaixo a nota completa do Comitê e entidades
Nota de Repúdio ao Decreto Nº 56.403, de 26 de Fevereiro de 2022
Neste sábado de Carnaval, a população gaúcha foi surpreendida por um decreto do governador Eduardo Leite suspendendo a obrigatoriedade do uso de máscaras para crianças com até 12 anos de idade.
Entidades e organizações representativas da saúde, da educação e em defesa das vítimas da Covid-19 se perguntam o porquê de tal medida, que contraria os organismos internacionais e nacionais de saúde. Desde janeiro de 2022 a Academia Americana de Pediatria (AAP), o Centro Americano de Controle de Doenças e o National Health Service (NHS) recomendam o uso de máscaras por crianças acima de dois anos de idade, posição também defendida pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Além do que, em razão da regra federal, o governo estadual não poderia flexibilizar o uso de máscaras, poderia tão somente ampliar o uso para mais faixas etárias.
Com uma semana de aulas presenciais, os registros de casos positivos para a Covid-19 já extrapolam as projeções mais negativas - consequência da baixa cobertura vacinal para a faixa etária de 5 a 11 anos (43,9%), aliada à alta taxa de transmissão da variante Ômicron. A esses casos se somarão aqueles resultantes das aglomerações do feriado de Carnaval. A taxa de óbitos também cresceu, sendo o estado com a segunda maior taxa do país: 3,31 óbitos/100 mil habitantes enquanto a média nacional é 2,39.
Para enfrentar com responsabilidade este cenário, largamente previsto por especialistas e até mesmo óbvio, o Governador deveria providenciar distribuição gratuita de máscaras PFF2/N95, organizar equipes de vacinação para percorrer as escolas públicas e promover campanha pública efetiva pela vacinação de todas as pessoas.
Por tudo isso, o decreto do Governador é inaceitável. Ainda mais que tal decisão foi tomada sem ouvir os órgãos e autoridades de saúde e de educação públicas do Estado, muito menos as representações de trabalhadores e do controle social.
O Comitê Estadual em Defesa das Vítimas da Covid-19 e as entidades abaixo-assinadas solicitam a imediata alteração do decreto, para que assegure a obrigatoriedade do uso de máscaras para todas as pessoas com idade acima de dois anos.
Conselho Estadual de Saúde - CES/RS
CPERS Sindicato
Associação Mães e Pais pela Democracia
Associação Vida e Justiça em Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19
Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 - Avico
Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul – Coren-RS
Conselho Municipal de Saúde/ Porto Alegre
Sindicato dos Enfermeiros no RS – SERGS
Sindisaúde-RS
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Edição: Katia Marko