Rio Grande do Sul

ENTREVISTA ESPECIAL

“O que está nos jornais não é o real”, afirma Rosina Duarte

Em entrevista ao jornal Grifo, a jornalista e uma das criadoras do jornal Boca de Rua, fala um pouco de sua trajetória

Jornal Grifo | Porto Alegre |
"A minha geração queria mudar as coisas, revolucionar o mundo. E eu acho que o Boca é minha pequena revolução" - Foto: Luiz Abreu

"Logo a gente se deu conta de que éramos totalmente analfabetos sobre as situações da rua. Foi uma alfabetização em duas mãos. Eu adoro essa expressão: o pessoal brinca que eles são doutores em Ruaologia. Então eu tive que estudar Ruaologia, porque até hoje eu ainda piso na bola”, afirma a jornalista Rosina Duarte, umas das mulheres por trás do nascimento do Jornal Boca de Rua

Nascida em Bagé, Rosina passou pelos jornais Correio do Sul, Folha da Tarde, Zero Hora, O Diário do Sul. E tem na reportagem sua paixão. “Eu fui sempre repórter, meu 'lugar de fala' (riso). O repórter é a alma do jornal. Ele tem que estar na rua.”  

Rosina além de ser uma das idealizadoras do Boca de Rua, também é uma das criadoras do coletivo Alice - Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação, com intuito de propagar vozes nem sempre devidamente ouvidas. “A Alice é uma aliciadora. Tem um bando de apoiadores “aliciados” e por isso consegue desenvolver vários projetos sem dinheiro de empresários, nem de verbas públicas. Os recursos vêm de promoções organizadas por nós, como feiras e saraus, além de parcerias e pessoas que, por acreditarem no trabalho, doam, sem sequer descontar do Imposto de Renda”. 

Na entrevista concedida ao Jornal Grifo, ela fala um pouco da sua trajetória pessoal e profissional. Participaram desta entrevista Caco Bisol, Celso Schröder, Fifa Quintana, Marco Antonio Schuster, Paulo de Tarso Riccordi e Santiago. 

Veja abaixo a entrevista completa

Tarso – A jornalista Rosina Duarte nasceu em Bagé e viveu a infância lá, em Livramento e Dom Pedrito, na fronteira com o Uruguai, o que ainda marca fortemente seu sotaque e cultura. No final dos anos 90, ela acrescentou aos seus muitos saberes a articulação das ferramentas do jornalismo com a necessidade das comunidades invisíveis à sociedade falarem de viva voz. Uma de suas criações é o jornal Boca de Rua, feito com e por moradores de rua do entorno do parque da Redenção e do bairro Bom Fim, região de classe média em Porto Alegre.
Pois bem, Rosina, como é tua história?

Rosina Duarte – Vim de Bagé pra Porto Alegre de [trem] Maria Fumaça, com quatro anos, depois fui pra Livramento com oito, saí de lá com 19. Meu pai era meio nômade, trocava de casa várias vezes. Foi classificador de lã, caminhoneiro, caixeiro viajante, trabalhou num cinema, numa rádio… Eu morei até num cinema. Meu pai é uma instituição. Tá vivo, tem 93 anos. Desenha muito bem, gosta muito de música e de ler, apesar de ter pouquíssimos anos de colégio. 

Santiago – E conhecedor de ópera, também.

Rosina – Sim, adora ópera. Aliás, música em geral. Foi ele quem me apresentou para o melhor da música. Pra vocês terem ideia, a gente teve eletrola antes de ter geladeira e televisão. Era uma casa modesta, com aquele aparelho enorme na sala. E comprava um disco pra cada um de nós, religiosamente todos os meses.

Schröder -  E tua mãe?

Rosina – Minha mãe é uma pessoa bem curiosa, também. Eu sou filha de um matriarcado. Minha bisavó se chamava Rosina, também, eu conheci. Foi uma mulher alfaiate, raríssimo até hoje. Era uma pessoa muito singular, tinha um linguajar próprio, era uma matriarca. Os homens da minha família são todos aventureiros, então a gente sempre viveu entre mulheres. Minha mãe era pequenininha, toda delicadinha, mas ela comandava aquele mulherio. Casou muito cedo e por isso foi obrigada a sair do colégio das freiras. Ela só voltou a estudar quando eu, a mais moça, fui pro Jardim de Infância. Minha mãe fez de tudo, costurou pras ciganas, customizou – na época era “reformar” – roupas pras putas, e ela era toda certinha, o mais engraçado era isso.

Ela voltou a estudar na terceira série ginasial, já aqui em Porto Alegre, onde estudávamos eu e minhas irmãs numa brizoleta [pequenas escolas de madeira, espalhadas às centenas por todo estado pelo governador Leonel Brizola]. Depois ela fez a Escola Normal, conseguiu fazer uma faculdade e foi a primeira pessoa a adotar Paulo Freire numa escola em Santana do Livramento. A escola ficava muito distante da nossa casa, não tinha ônibus pra lá, então ela ia de carona com o leiteiro e voltava no carroção dos ciganos. Deram pra ela uma turma inalfabetizável. Crianças que rodavam havia muito tempo. Então ela descobriu Paulo Freire, e alfabetizou. Diziam que ela só não alfabetizava pedras. Também lecionou em locais impensáveis – dentro de um frigorífico, em um curral, dentro do presídio... Uma vez eu fui substituir uma professora do presídio. Eu tinha 17 anos e minha mãe me disse uma coisa que me marcou pra vida inteira e tem reflexos até hoje no trabalho com o Boca: “Tu dispensa o guarda, senão eles não vão te respeitar”. Eu cheguei lá com o uniforme do colégio, sainha pregueada azul, blusinha branca. Havia nove presos na sala e eu disse pro guarda: “O senhor saia, por favor”. E o guarda me disse: “Não! Eu não vou te deixar aqui sozinha, de jeito nenhum!”, “Por favor, o senhor saia”. E dei aula pros presos, sem problema nenhum. Minha mãe disse que não ia acontecer nada e não aconteceu nada!

Minha mãe tinha coisas inacreditáveis. Tinha um senhor que nos visitava, que estava preso há mais de 20 anos. Era um homem que tinha bondade no rosto. Nos levava bolinhos de milho, a gente dava café pra ele. Às dez da noite ia embora, porque tinha que entrar às dez e meia no presídio. A gente morava “na linha” - era o último patamar social morar na linha da fronteira. Às nove horas o seu Adão batia na porta e estávamos só eu e ela, porque minhas irmãs estudavam de noite. Um dia eu perguntei pra minha mãe o que ele fez, para estar preso há tanto tempo. “Porque ele matou uma criança com nove estocadas com uma tesoura de jardinagem”. E a gente seguiu recebendo ele normalmente. Essa foi uma das coisas que marcaram muito toda a minha história como jornalista. Enquanto eu fui repórter de rua, entrava no presídio, ia a todas as vilas, ia debaixo da ponte, entrevistava estuprador. Eu acho que essa confiança humana veio muito da minha mãe e do meu pai. 


Primeiro Boca saiu junto com o primeiro Fórum Social Mundial / Foto: Reprodução Facebook

Schröder - Vieste de Livramento pra fazer Jornalismo?

Rosina – Eu vim pra Porto Alegre, praticamente com a roupa do corpo, porque a gente teve que vender tudo pra pagar a mudança. Fui trabalhar numa butique, depois no Serviço Federal de Processamento de Dados. Eu tinha rodado no vestibular e um dia apareceu lá no Serpro uma professora minha de Livramento, que tinha os filhos com a mesma idade que eu. Com os olhos cheios de lágrimas, ela foi me avisar que eu tinha passado em segunda chamada na UFRGS. Sabia que eu não ia prestar atenção nas novas listas e foi me avisar. Acabei fazendo só um semestre, porque como eu já trabalhava e não havia cadeiras à noite que eu pudesse cursar. Então fiz vestibular pra PUC e fui cursar com o crédito educativo.

Fifa – Tu fizeste Jornalismo de primeira? Não pensaste em outra coisa?

Rosina – Não, Fifa. A única coisa que eu escolhi precocemente foi minha profissão. Com 11 anos. Diziam que era uma “profissão de homem”. Imagina como faz tempo! Mas meus avós por parte de pai e por parte de mãe trabalharam em jornal. Aquilo pra mim era muito presente.

A função do repórter é ser uma ponte entre o leitor e a realidade. Simples assim

Schuster - Era o que tu esperavas?

Rosina – Olha, a faculdade foi pra mim uma frustração do primeiro ao último semestre. Entrei numa época em que tinha um monte de modelos… E como eu trabalhava dez horas por dia, chegava lá morrendo de sono. Muito frustrante. Com exceção do último semestre, quando eu peguei Redação com o professor Tibério [Vargas Ramos], fiz matérias legais e comecei a me entusiasmar. Quando eu terminei a faculdade, não tinha pra onde ir. Então fui pra Bagé, pro jornal Correio do Sul. Aí me apresentei lá. Era um monte de velhinhos, pelo menos pra mim na época. Na minha primeira matéria, me mandaram entrevistar um advogado que não queria ser entrevistado. O cara botou os cachorros atrás de mim, foi um escândalo! Três cachorros. De me fazerem pular o muro. Foi o meu teste. Eu tinha três dias pra entrevistá-lo. Eu já não me aguentava mais, sentada na porta da casa dele. Mas foi a melhor coisa que podia ter me acontecido. Enquanto o pessoal tava muito acomodado, eu fui fazer todas as matérias que se podia imaginar. Fui à zona do meretrício, fiz carnaval, entrevistei miss, cobri vestibular… Fiquei quatro meses. Baita escola de jornalismo. Eu aprendi muito com eles.

Então, quando eu entrei na Folha da Tarde [ Porto Alegre], estava muito tranquila e segura. Aquela oportunidade de ver o mundo de perto e falar com as pessoas foi incrível. Me mudou completamente. Me virou ao avesso como pessoa. Entrar no meio de um motim, descer uma ponte – na época os moradores de rua viviam debaixo das pontes -, sentir o cheiro das pessoas, cobrir uma enchente com água até a cintura, isso muda qualquer pessoa. Como fui repórter de Geral a vida inteira e era o que eu gostava, aquilo era um trabalho desafiante e transformador.

Schröder – Rosina, tu estavas na Folha da Tarde do Leonam, do Tibério, era o jornal popular da Caldas Júnior. Quando tu chegas na Zero Hora, quais foram tuas referências?

Rosina – Na Folha da Tarde eu me sentia em casa. O ambiente era muito mais acolhedor. Eu tinha  amigos. Era quase que uma extensão da faculdade. E foi também uma escola muito boa. Eu tive bons editores, mas na Zero Hora eu encontrei o melhor editor que tive na minha vida, que foi o Betão [Humberto Andreatta]. Os melhores editores que tive na minha vida foram o Betão e a Baiana [Liana Milanez], porque eles tinham uma maneira de trabalhar, de emular a equipe. O não à competição, o não ao individualismo. Quando tu tens editores assim, primeiro, tu tens um clima diferente e, segundo, tu trocas informações com teus colegas. Então, as matérias são muito melhores. O Diário do Sul também tinha bastante isso, embora os egos inflados. Isso faz toda a diferença.

Schröder – Essa distinção que tu fazes parece exatamente o contrário da Zero Hora reformada pelo Augusto Nunes. O Augusto Nunes implantou a antítese disso. Uma carnificina interna, um salve-se quem puder.

Rosina – O Augusto Nunes foi um desastre, um assassinato da ética e do espírito de equipe. A Zero Hora era um lugar super confuso. Mesmo antes, quando entrei a primeira vez, no começo dos anos 80, já era um lugar super competitivo, hostil, muito diferente da Folha da Tarde. Porém, como eu trabalhava na equipe do Betão, aquilo era uma ilha. Saí, fui para o Diário do Sul. Depois a gente montou uma espécie de agência com o Betão, o Elder [Ogliari], a gente tinha vários frilas [trabalhos mediante contrato por produto], trabalhamos pra Isto É, pra Veja. Voltei pra Zero Hora no período do Augusto Nunes. Foi a coisa mais horrorosa que já me aconteceu. Aquela vaidade, aquela falta de ética… foi horrível! Um dia o Augusto Nunes me chamou. Queria fazer um grupo. Eu olhei para aquela criatura e pensei “bah, tô ralada!”. Aí eu disse pra ele que não queria fazer parte do tal grupo. Se ele achava que eu estava trabalhando bem, que me deixasse onde eu estava. Foi minha ruína. Nunca mais recebi aumento, mais nada. Foi um horror.

Ele não gostava de mim, eu não gostava dele, o clima era muito ruim no jornal. Foi a antítese de tudo que eu acho que deve ser um jornal. Um jornal deve ser, sobretudo, um lugar de equipe, um lugar de troca, um lugar onde as pessoas tenham prazer de trabalhar e tenham esse jeito humano de ver a vida. O trabalho rende melhor e tu te desenvolves melhor como ser humano.


"Há um compêndio da violência. Contra as mulheres, então, é uma coisa inacreditável" / Foto: Ricardo Stricher

Schuster – Esse jornalismo implantado pelo Augusto Nunes é um jornalismo que não ajuda a sociedade, não ajuda a democracia?

Rosina  – Eu fui sempre repórter, meu “lugar de fala” (riso). O repórter é a alma do jornal. Ele tem que estar na rua. Vejo o jornalismo de hoje encerrado na Redação. Muito pouco contato com o cidadão, com o comum dos mortais – ou, como eu chamo “incomum mortal”, pois cada pessoa tem uma história única. Eu acho que a função do repórter é ser uma ponte entre o leitor e a realidade. Simples assim. E esta é a vida do jornal. A gente tem que aprender a ouvir. Essa história de tu “consertares no texto” é absurda. Tu tens uma matéria boa se tu tens uma história boa e tens uma história boa se tu soubeste ouvir. Isso é o essencial. Não tem muito mistério. Outra questão é a do bom editor, que sabe pautar o repórter para que ele saia minimamente informado do contexto daquela matéria, e cobrar isso do repórter. Hoje eu fico horrorizada com matérias que leio que não têm base, não tem nem o “o quê, quando, quem como onde, por que”. Só tem nariz de cera, cheia de palavrório, tu nem entendes a que veio.

Eu sempre cito uma matéria que saiu na Zero Hora, que foi premiadíssima, que se chamava “Filho da rua”, que pra mim foi a pior matéria que eu já li em toda a minha vida. Uma matéria de 16 páginas sobre uma criança de rua – que não estava na rua! -, que a repórter decretava que ela estava “perdida pra droga” – quando ela tinha 14 anos. Todas as fontes da repórter eram as fontes responsáveis pelo fracasso na recuperação dessa criança. Em 16 páginas, me parece que havia só seis ou oito declarações, todas elas seguidas de algo pejorativo. A repórter dizia que acompanhava o menino havia quatro anos, mas na verdade ela havia se encontrado com a criança quatro vezes ao longo de quatro anos. Uma matéria podre, asquerosa! E ganhou o Prêmio Esso! A declaração da repórter, na Carta ao Leitor, dizia “se eu puder convencer as pessoas a não darem esmola pras crianças eu já terei cumprido meu papel”. Eu disse não, não, não. Foi quando eu decidi que eu não fazia mais parte disso. Quando eu fazia esse tipo de comentário, as pessoas diziam que eu tava muito imbuída dessa vida na rua, onde eu já estava trabalhando. Eu dizia “então vou fazer apenas umas perguntas pra vocês: por que essa criança saiu da escola? Com quantos anos? Do que ela gosta? Do que ela tem medo? Como ela se protege de noite na rua? Por que ela voltou pra casa? Qual é o sonho dela?” Coisas básicas. Nada! Não tinha nada, nada disso na matéria. Eu fico chocada.

O jornalismo não consegue se conter. Tem surgido muita coisa, sabe? Não tem como segurar

Tarso – Fica evidente que tiveste uma passagem “natural” desse tipo de jornalismo para a comunicação popular. Como o Boca de Rua surgiu na tua vida?

Rosina – Chegou o momento em que eu decidi não voltar pra Redação [da imprensa comercial]. Chegamos a fazer uma espécie de uma agência, ensaiamos alguma coisa no Sindicato [dos Jornalistas do RS], o Núcleo dos Frilas - Nina de Oliveira era a minha grande parceira nessa história -, uma espécie de Redação de free lancers e uma bolsa de matérias que pudessem ser distribuídas por jornalistas de fora da grande imprensa. Conversei, na época, com o Sindicato, pra gente também preparar as pessoas pra isso, porque na faculdade a gente é preparada pra ser funcionário e isso é sinônimo de exploração. Eu imaginava que se a gente conseguisse montar um núcleo e ter uma orientação, ter um contador comum e ter uma salinha no Sindicato pra montar uma mini Redação, a gente iria conseguir fazer algo diferenciado e interessante. Mas não houve adesão. Então, eu fiquei com isso na cabeça e falava pra deus e todo mundo. A minha ideia era fazer matérias relevantes para o jornalismo nessa área humana. A primeira pessoa que veio falar comigo sobre isso foi a Eliane Brum: “Quem sabe a gente faz alguma coisa”. “Vamos fazer”. Aí veio a Clarinha Glock e nós três começamos a pensar alguma coisa. Nesse meio tempo, a Eliane teve uma proposta pra ir pra São Paulo e foi trabalhar acho que na Época. Ficamos eu e a Glorinha. Antes disso, a gente criou um coletivo, que nós batizamos de Alice – Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação. Na época a gente queria Agência Latinoamericana, mas achamos que era muito “metido”…

A Alice é uma aliciadora. Tem um bando de apoiadores “aliciados” e por isso consegue desenvolver vários projetos sem dinheiro de empresários, nem de verbas públicas. Os recursos vêm de promoções organizadas por nós, como feiras e saraus, além de parcerias e pessoas que, por acreditarem no trabalho, doam, sem sequer descontar do Imposto de Renda. Mas na época era muito pequenininha a Alice. Tínhamos a pretensão de dar voz a quem não tem. Aí fizemos o primeiro projeto, com os meninos da Febem. Estava tudo prontinho quando mudou a direção da Febem e ficamos com o projeto no colo. Aí decidimos ir pra praça. Um grupo de meninos era alfabetizado numa praça por uma professora chamada Deirdre Bicca naquele momento (1999). Eram bem jovens, sobreviventes de um grupo bem maior, que tinha sido dizimado. Eles sobreviviam na “praça do Cachorrinho” [Praça Dom Sebastião], cuidando carros. A gente chegou na praça, não sabíamos o que fazer, não tínhamos a menor ideia. Isso foi a melhor coisa que nos aconteceu, porque o Boca foi nascendo de uma conversa em comum com aqueles seis, duas meninas e quatro meninos.

O começo foi duríssimo, porque eles ainda estavam muito vinculados à questão dos delitos. Um dia um deles me perguntou se eu tinha um canivete. Aí ele pegou o canivete, abriu seu joelho e de lá arrancou uma bala. A Polícia chegou a nos botar no “paredão”; os traficantes da região diziam que a gente era dedo duro, nos ameaçavam. Mas a gente foi trabalhando aos pouquinhos e a coisa mais fantástica que aconteceu foi a construção da confiança, o resto veio naturalmente, o resto foi lindo. Primeiro a gente pensou em rádio-poste. Ficava em frente ao Colégio Rosário. Mas eles foram taxativos: “A gente quer uma Zero Hora”. Quem mandou perguntar, né? (risos). A gente não tinha 1 pila! “Como é que eu vou fazer um jornal com analfabetos funcionais?” A gente trabalhava no território deles, eles cheiravam muita loló, ainda não tinha o crack. Eu dizia pra eles “pelo amor de Deus, parem de cheirar porque eu já tô ficando chapada!” Um deles olhou pra mim e disse “tu já nasceu chapada; senão, o que tu tá fazendo aqui conosco?” Nesse momento a Clarinha Glock já não estava mais no projeto. Quem entrou desde o primeiro número do Boca foi a Cristina Pozzobon, que faz a diagramação do jornal e hoje é a presidente da Alice.

E aí foi indo, até que um dia me abriu um portal e eu me dei conta do que esses guris estavam fazendo: estão fazendo notícia! E aí a gente começou a trabalhar como trabalhamos até hoje, com a passagem da palavra oral pra linguagem escrita e a construção coletiva. E dois pilares: a questão ética e a questão da clareza. Ou seja, tu não podes atribuir a alguém aquele fato se tu não ouvires a pessoa. E também tem que ser claro. Aí entra o quê, quem, quando… e tem também uma construção muito singular, que é a mistura da linguagem oral com a escrita. Não é o Português perfeito, mas não é também aquele falso linguajar carregado de gírias difíceis de entender. É uma narrativa híbrida.  

O primeiro Boca saiu junto com o primeiro Fórum Social Mundial [2001]. Pra mim, essa palavra é “juntos”. O nome foi escolhido por votação e eu acho genial esse nome. Boca de Rua é o lugar de todos os ventos, é o lugar de onde tu podes ir pra tudo que é lado, é um lugar ao mesmo tempo desprotegido e é também rota de fuga. O logotipo do jornal foi desenhado por um integrante. Um dia eu levei umas canetinhas hidrocor e ele fez o logo e é genial. Tem dois sinais de igualdade, não de ser igual, mas ter igualdade de direitos, tem um tridente e uma boca berrando. No primeiro número teve a cobertura de uma exposição do Sebastião Salgado, “Êxodo”. Eles fizeram uma matéria fantástica em que diziam que era o avesso do cartão postal. Eles têm sacadas incríveis. Sobre esse logotipo, o Peninha, um dos nossos integrantes, disse o seguinte: “o Boca de Rua tá de boca aberta. Mas não porque a gente é um bando de boca abertas. É porque a gente grita e espeta as consciências com aquele tridente”.

Fifa – Outra coisa interessante, Rosina, é o pertencimento. A alegria com que eles te oferecem na rua o exemplar. “Eu estou aqui. Eu sou importante pra alguém”. Eu acho que o Boca de Rua possibilita isso.

Rosina – Tu sabes, Fifa, eu falo isso sem nenhuma modéstia porque isso não tem a ver comigo: acho que o grupo foi bem estruturado. O Boca é uma outra sociedade. Ele tem uma lei própria, criada e votada por eles. Ele é um outro sistema de governo, completamente diferente do que a gente entende que seja um movimento, mesmo. Eu acho que o Boca tem isso. É uma mudança de identidade. É um instrumento de transformação pra quem trabalha no Boca, seja quem for, inclusive pra mim.

Fifa – A linearidade do olhar deles também é interessante.

Rosina – Isso! Isso foi uma das maiores conquistas, porque eles não olhavam no teu olho antes. Foi a primeira conquista. E também tocar.

Schröder Eu participei de um congresso da Federação Internacional de Jornalistas na Espanha, em 1994 ou 95. Em Madrid e em Santander eu encontrei pela primeira vez dois jornais vendidos por moradores de rua. Eram feitos por jornalistas com olhar um pouco liberal, para dar alguma coisa pra que, em vez de pedirem dinheiro e coisas na rua, oferecessem o jornal para vender. Em Porto Alegre, quatro, cinco anos depois, eu encontrei o Boca de Rua. Vocês tinham algum modelo? Vocês tinham referências naqueles jornais, sabiam que existiam?

Rosina – A gente não sabia que existiam esses jornais. Depois a Clarinha descobriu o INSP, que é o International Network Sistem Papers. Mas existe uma rede internacional de jornais de rua, vendidos por moradores de rua, que tem cento e poucos jornais em quase 40 países. Hoje, o único feito por pessoas com trajetória de rua é o Boca. Já tentaram implantar em vários locais, inclusive em Lion, na França. Nós temos dois apoiadores – um é o Manoel Madeira, jornalista que estudou na França, e a outra é a francesa Charlotte Dafol, diretora do filme De olhos abertos, que se encontraram na França e tentaram fazer pelo menos uma página com moradores de rua de lá. Mas não houve abertura por parte dos donos dos jornais. Aqui no Brasil existe um jornal – não sei se ainda existe -, o Aurora da Rua, que foi inspirado no Boca, mas é bastante híbrido. Embora o Boca também seja híbrido: todo o conteúdo é de moradores de rua, mas a edição é feita por jornalistas. Aí tem uma questão interessante. Quando começamos, o Sindicato dos Jornalistas teve um desconforto em relação a nós. Aí pedimos pra fazer uma reunião com a diretoria e fomos conversar sobre essa outra posição do jornalista dentro de um projeto social. Isso poderia, inclusive, abrir espaço pra jornalistas, porque ele é um projeto híbrido, precisa de jornalistas pra conduzir essa linguagem, a edição. Após a reunião com a diretoria, em que apresentei o Boca, a direção do Sindicato entendeu e passou a apoiar o projeto.

A minha ideia é e sempre foi que os movimentos sociais podem ter a sua própria voz, mas é importantíssimo o papel de um jornalista ali, no sentido ético, no sentido da clareza, no sentido da organização. A partir daí nós fizemos vários outros veículos. Por sorte a gente abandonou o preconceito bobinho de “dar algo para” alguém. Hoje a Alice trabalha mais com a perspectiva de mostrar o que a sociedade não vê, porque não quer ver. Então a gente trabalha com outros grupos, dois permanentes, o Boca e o de Bagé, com idosas que são artesãs. A gente não é o McDonald's, que faz tudo igual. Cada grupo faz o seu próprio veículo. Por exemplo, há 18 anos, em Bagé, as mulheres fizeram primeiro um livro, com causos femininos. Elas contaram 13 ou 14 contos/causos pela perspectiva da mulher. Além disso, receitas detalhadíssimas. Não é aquela receita do “faça em ponto de fio”. Sei lá o que é ponto de fio, né? As receitas delas são assim: “pra fazer ponto de fio é  assim…”. Mais o vocabulário regional, benzeduras, simpatias, todo um universo feminino. Se chama Contos sem fadas - retalhos de memórias. Foi editado pela Tomo Editorial, que bancou tudo. 

Fifa – E a capa é lindíssima!

Rosina – Foi feita pela Rosana Pozzobon. Aí elas não quiseram parar e seguiram fazendo um jornal, o Almanaque, tipo um almanaque de farmácia. Ganhou dois prêmios “cultura popular” no Ministério da Cultura. E também tem um filme, Senhoras de si, de 2019, dirigido pela Lúcia Achutti, que conta um pouco da história das integrantes do grupo Renascer e da parceria delas com a Alice no registro de sua cultura “invisível” por meio do projeto “Sempre-Viva – roda de memória, afeto e resistência”, seus relatos de vida. Esse também é um trabalho permanente nosso. E depois nós tivemos vários outros projetos. Nós fizemos durante muito tempo um jornal no Morro da Cruz, com adolescentes, o Nós na fita, nós na luta. Uma das pessoas que trabalhou lá hoje é conhecidíssima como Negra Jaque, uma cantora maravilhosa, fantástica! Ela é educadora, graduada em Pedagogia. Ela tem um projeto lindo chamado Galpão Cultural.

Também fizemos um trabalho com mulheres presidiárias. Elas quiseram escrever um conjunto de cartas, que se chama Pombo correio, cartas da prisão. Eu acho incrível esse nome porque o pombo correio, ao mesmo tempo em que voa, ele leva uma mensagem. O nome nasceu na primeira reunião. Esse grupo foi interessante porque depois que começamos houve um boicote por parte das guardas, chefes das galerias. Durante um mês e meio quase, eu e a Maíra Brum Rieck, a psicanalista que foi minha companheira de trabalho, íamos todas as semanas, mas não aparecia ninguém. Um dia encontramos uma das presidiárias e ela nos perguntou, surpresa, o que estávamos fazendo lá. E eu disse que íamos para o trabalho com o grupo. “Não está indo ninguém, mas nós viemos, como prometemos”. Aí, na outra reunião, tinha um monte de gente de novo. Essa que nós encontramos uma vez nos disse: “Como eu gostava do nosso grupo! Era a única hora em que eu me sentia livre. Eu me esquecia que tava na prisão”. E aí tu te dás conta do que é o poder da palavra! A Hannah Arendt dizia que “não há dor que não possa ser suportada, se ela for contada”.

Nós também trabalhamos com um grupo de prostitutas. Elas fizeram um folhetim chamado Mariposa – uma puta história. O trabalho da Alice com as mulheres – presidiárias, prostitutas e idosas da fronteira - acabou resultando na trilogia, Mulheres perdidas e achadas. Também inspirou um bonito espetáculo virtual encenado pela Débora Finochiaro e outras atrizes, batizado Invisíveis - histórias para acordar. São esquetes teatrais. É lindo! 


Festa de final de Ano da equipe do Boca de Rua / Foto: Charlote Dafol

Tarso – Ainda tem alguém do grupo original?

Rosina – O último morreu durante a pandemia. Mas não foi de covid. Era o Leandro, uma pessoa com uma integridade!... um pilar. Temos que conviver com muitas perdas. Uma injustiça brutal. Nos últimos tempos houve um aumento da… nem é violência, é mais que isso, é brutalidade mesmo. Antes era muito marcado: a polícia e os moradores de rua. Mas agora, com esse fascismo todo à nossa volta, tem milícias que batem nas pessoas com arame farpado, garrafas, tacos de basebol, que incendeiam barracas. A Guarda Municipal anda armada, a Brigada Militar [PM gaúcha] tá atuando com muito mais violência.

Quando começou a pandemia, a gente perdeu o local onde nos reuníamos – a Escola Porto Alegre (EPA), grande parceira – porque as instituições de ensino fecharam. Então fomos pra rua de novo. Em um dia de chuva e a gente tava fazendo a reunião debaixo de uma marquise quando chegou a Polícia, daquele jeito que eles chegam, sem a menor educação, sem perguntar, já pressionando. Aí conversamos e eles foram embora. A gente também terminou a reunião. E aí surge um casalzinho bem novo, completamente alternativo, ele de barba, jeito que anda de bicicleta. Eu perguntei se tinham sido eles quem chamou a Polícia. A menina viu que eu estava muito furiosa e disse “é que a gente tava trabalhando”. E eu disse: “Nós também”. Disseram “a gente não pensou que a Polícia ia chegar assim”. E eu perguntei: “Como é que vocês pensaram que a Polícia iria chegar? Pedindo licença, por favor? Em que mundo vocês vivem?!” Eu fiquei indignada! Um casalzinho novo! Custava chegar na janela e dizer “olha, a gente tá trabalhando, baixem o volume”? Isso acontece bastante. Tu estás ali trabalhando e daqui a pouco chamam a Polícia.

Schröder – Tu falaste como havendo uma macabra estatística de perdas por violência no grupo. Vocês têm isso? Vocês perderam muita gente?

Rosina – Eu não faço estatística porque é muito dolorido. Há um compêndio da violência. Contra as mulheres, então, é uma coisa inacreditável. Todas as mulheres que trabalham no Boca de Rua, sem exceção, foram estupradas na infância ou na adolescência. Olha, eu acho que de 90% os filhos foram tirados delas, alguns deles ainda de dentro do hospital, sequestrados mesmo, sem que houvesse nenhum movimento real da Assistência Social pra recuperar essas crianças, ou pelo menos discutir o caso com elas, dar um prazo pra elas se organizarem. Teve uma delas que reencontrou a filha depois de 14 anos, ainda institucionalizada. Foi   emocionante. Depois disso, ela até se animou a ter outra filha, que também lhe foi tirada. Tem a história da Rita, que era uma líder impressionante lá dentro, muito inteligente. Ela teve um filho, foi internada compulsoriamente, com a pressão da Brigada Militar.

Já saiu do hospital sem o bebê. Por conta dessa dor, ela entrou numa depressão terrível e morreu em seguida. E tem histórias de assassinato mesmo. Morte por doença são muitas, porque a saúde da maioria é muito frágil, a maioria é portadora de HIV e tuberculose. A depressão, a desesperança  matam muito. A rede de assistência e de saúde não dá conta. Tem um caso emblemático, do Paulinho. O Paulinho tava morando na praça da Matriz, em torno da qual estão a sede do governo estadual, a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, a catedral metropolitana. O Paulinho era um baita desenhista, um baita chargista. Ele tinha acabado de conseguir um curso de desenho. Era um guri extremamente educado. Teve uma recaída e estava morando numa barraquinha armada na praça da Matriz. Mataram ele com uma facada pelas costas. Às duas horas da tarde. Olha só: com todos os Poderes em volta. Câmeras de segurança por tudo quanto é lado. E sobrou o corpo do Paulinho, morto pelas costas com uma camiseta da seleção do Brasil. Foi dado pela Polícia, na hora, como briga de gangue. Teve outro que foi morto a pauladas por uma torcida de futebol. Então, a estatística é dolorida e realmente macabra. Morte por não atendimento, é impressionante. E eu pergunto: algum de vocês em algum momento leu alguma notícia sobre isso que eu estou contando aqui?

A minha ideia é e sempre foi que os movimentos sociais podem ter a sua própria voz, mas é importantíssimo o papel de um jornalista ali, no sentido ético, no sentido da clareza, no sentido da organização

Eu quero chamar atenção pra uma coisa que eu tô vendo, que é interessante: o movimento de uma gurizada que tá fazendo jornalismo independente. Por exemplo, aqui em Porto Alegre tem um guri que se chama Alass Derivas, que dá cobertura fantástica dos movimentos populares. Tem vocês, tem a Rede de Jornalistas pela Democracia, o Sul 21, o Jornalistas Livres, Mídia Ninja, Nonada… O jornalismo não consegue se conter. Tem surgido muita coisa, sabe? Não tem como segurar. 

Tarso – Os textos finais do Boca, quem escreve?

Rosina – É um processo. Primeiro, tem a reunião de avaliação, após sair o jornal. O Debates Boca. É uma DR. O que deu certo, o que deu errado, quem tá vendendo mal na rua. A próxima é a reunião de pauta. Eles trazem as pautas, estruturamos juntos, às vezes uma pauta encaixa na outra. São geralmente três pautas por edição. Se formam três grupos. Cada um, além dos integrantes, tem um facilitador ou dois, dependendo do tamanho da pauta. A gente tem uma equipe de universitários de tudo que é área, não só do jornalismo. Aliás, do jornalismo é o que menos tem. Pessoal que está fazendo mestrado, doutorado, pós doutorado. Aí se começa a conversar sobre aquilo, com o conhecimento que o grupo tem. Então, se estrutura a pauta, quem vai ser entrevistado, se elaboram as perguntas e se começa a agendar essas entrevistas. Como tem uma só máquina fotográfica – o Luiz Abreu é o instrutor - e como só temos um Fusca, tem que estar tudo certinho na grade, tudo tem que estar bem agendado. É muito organizado. Depois de fazer as entrevistas todas, ir nos locais, enfim, de fazerem a matéria, esses grupos sentam de novo e contam a matéria. E a pessoa facilitadora vai anotando. Essa primeira escrita volta pro grupo e se pergunta: essa coisa é assim mesmo, essa é a melhor informação pra abrir a matéria? Tá faltando algo aqui? Como as pessoas irão entender? Então ela vai se ajeitando, sendo montada, atualizada nesse vai e volta. Isso dura umas três ou quatro reuniões. Quando consideram que está pronta a matéria, que se considera que é esse o texto final, inclusive com uma pré edição, sugerem o título. Então, o texto final é deles, escrito nessa forma coletiva, no vai e vem. 

SchröderQuanto tempo leva isso?

Rosina – O Boca é trimestral. Mas a feitura mesmo do jornal leva bem menos tempo do que uma reunião de sindicato. Ahahahahahah!
A gente sempre trabalha em roda, não tem nenhum líder, nenhum representante, tudo tem que ser votado. Quando entra uma pessoa, ninguém pergunta de onde vem, se é ex-presidiário, se usa droga. Nada, nada. Entra e tem que trabalhar. Logo tem que estar fazendo matérias. Claro que eu oriento um pouco o pessoal, eu vou de grupo em grupo. Bueno, o Boca é isso. O Boca hoje toca de ouvido. Existe por si só, independente de qualquer uma de nós.

Muita gente me pergunta quantos saíram da droga, quantos estão morando em casa, quantos casaram. No Boca a gente não trabalha com essa perspectiva. O nosso é um trabalho de organização social e de renda. A gente não interfere em nada nessa questão de droga, se são presidiários, se têm algum tipo de doença, a não ser no sentido, dentro do possível, de encaminhar atendimentos e contatos. E trabalhamos com a perspectiva de redução de danos e de não infantilização dessas pessoas. Nós, jornalistas, já tivemos vários colegas que usavam vários tipos de droga. Eu lembro que as canetas esferográficas da Zero Hora parecia que  tinham uma farinha por dentro. Eu nunca fui perguntar quem era, quem deixava de ser. Bebida, então... A nossa geração é daquelas que bebe feito louca. 

Mas, com o morador de rua as pessoas acham que tu tens que trabalhar nessa perspectiva “salvadora”! Quando a gente começou, nosso discurso era assim bonitinho, nós tínhamos esse preconceito bonzinho de que “nós que somos jornalistas, sabemos… Vamos botar nosso saber, nosso trabalho em benefício dessas pessoas”. Não, não. Logo a gente se deu conta de que éramos totalmente analfabetos sobre as situações da rua. Foi uma alfabetização em duas mãos. Eu adoro essa expressão: o pessoal brinca que eles são doutores em Ruaologia. Então eu tive que estudar Ruaologia, porque até hoje eu ainda piso na bola.

Por um terço da minha vida e metade da minha profissão eu estou no Boca de Rua. Às vezes fico me perguntando por que estou há tanto tempo nisso. A minha geração queria mudar as coisas, revolucionar o mundo. E eu acho que o Boca é minha pequena revolução. Não é à toa que ele surgiu no Fórum Social Mundial, que dizia que um outro mundo é possível. O Boca é o meu outro mundo possível.

*Entrevista cedida pelo jornal Grifo


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Edição: Katia Marko