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EM CRISE

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"Com fé e coragem, voltar para as ruas, estar no meio do povo na solidariedade concreta dos Comitês Populares contra a Fome, das Cozinhas Solidárias, organizar os Comitês Populares de Luta. ´Ninguém solta a mão de ninguém'" - Foto: Maiara Rauber / MST
É preciso resistir, aproveitar a crise como oportunidade individual e coletiva

Os dias do Fórum Social das Resistências, de 26 a 30 de janeiro, foram luminosos, mesmo o Fórum sendo virtual. Houve muitas Assembleias de Convergência e debates sobre a conjuntura e o futuro. Felizmente, Rosy Zuñiga, mexicana, Camilo Torres Carrillo, colombiano, Verónica del Cid, guatemalteca, e Raimunda Oliveira, a Mundinha, brasileira, da Coordenação do CEAAL, Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe, mantiveram a viagem e estiveram presencialmente em Porto Alegre.

Nos espaços de folga, entre as lives de todos os dias e em quase todos os horários, houve espaço para fazer com os quatro o périplo boêmio do Pedrini, Bar do Beto e Lancheria do Parque, ver e admirar o belíssimo pôr do sol do Guaíba, dar uma chegada na churrascaria 35, comer um churras na casa do Mauri Cruz, do CAMP, ABONG e FSM. E tomar (quase) todas: tequila, mojitos, margaritas, cachaças, caipas, cervejas e tudo mais que se possa imaginar e se tenha direito, quando quatro latino-americanos encontram-se em Porto Alegre em meio a um verão escaldante. Só não tomamos chimarrão juntos, porque os cuidados sanitários com a pandemia não estão permitindo.

E, houve, claro, muita, muita conversa e troca de esperança sobre a América Latina, Caribe e suas novas luzes, o Fórum Social das Resistências presencial que vai acontecer de 26 a 30 de abril em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial de 1 a 6 de maio no México, o Fórum Pan-Amazônico em julho em Belém, as eleições da Colômbia em maio, as do Brasil em outubro, ambas com boa perspectiva para a esquerda, falar de Paulo Freire, a educação popular e a terceira fase da Campanha em Defesa do Legado de Paulo Freire, e tantas coisas boas por acontecer em 2022. São as lutas e mobilizações de trabalhadoras e trabalhadores, em resistência ativa na construção de ´um outro mundo possível´, urgente e necessário.

Rozy, Alfonso, Verónica, Mundinha partiram no final de janeiro, deixando saudade. A realidade e o cotidiano voltaram a se impor. Os tempos no Brasil estão tri difíceis: pandemia, assassinatos como a do congolês Moïse, do menino filho de agricultor em Pernambuco, de mulheres, racismo por todos os lados, a fome nas ruas e nas praças, assassinatos depois de jogo de futebol e outros tantos acontecimentos tristes, como a seca no Sul e suas consequências terríveis (pela primeira vez na história, o arroio que banha a propriedade da minha família em Santa Emília, Venâncio Aires, deixou de correr), as chuvas e mortes no Sudeste, Petrópolis, e Nordeste. Mais mil problemas locais, como o que acontece com a Irmã Lourdes Dill e a Economia Solidária em Santa Maria, a falta de água recorrente na Lomba do Pinheiro e Morro da Cruz, a aprovação da lei dos venenos, o negacionismo de um governo genocida, e uma guerra que pode acontecer a qualquer momento. O Brasil não é mesmo, definitivamente, para principiantes, como já disse alguém.

Como não estar ou entrar em crise num contexto e conjuntura dessas!!!??? A crise está por todos os lados, com suas dores, seu futuro incerto. E invadiu-me alma, corpo e coração nos últimos dias.

Dizem, por outro lado, que crise é oportunidade. Fui pesquisar a origem da palavra crise. No latim, que estudei no Seminário: ´crísis´, momento de mudança súbita, e em grego, que também arranhei no Seminário: ´Krísis´: ação ou faculdade de distinguir, decisão, momento difícil.

Como vai ser o resto de 2022? Difícil saber, ante tudo que já aconteceu em 45 dias em 2022.

Que fazer, ante a crise que se instalou? Talvez seja hora, antes de continuar participando de trocentas lives de trezentos grupos de whats diferentes, ir descansar em algum momento em Florianópolis, no Sul da Ilha, nas lindas e tranquilas praias da Armação e Matadeiro, dar uma chegada no Bar do Arante no Pântano do Sul. Mas como e quando, se a luta e as urgências mil chamam todos os dias, se a eleição das nossas vidas está chegando?

Ando muito cansado de tudo, menos da vida, ninguém se preocupe. De qualquer maneira, é preciso resistir, aproveitar a crise como oportunidade individual e coletiva. Com fé e coragem, voltar para as ruas, estar no meio do povo na solidariedade concreta dos Comitês Populares contra a Fome, das Cozinhas Solidárias, organizar os Comitês Populares de Luta. ´Ninguém solta a mão de ninguém.´

Escrevi em 03.02 um poema com meus sentimentos, enviado por ora apenas para a Rosy, Alfonso, Verónica e Mundinha, compas de dias luminosos. Em tempos de crise, difíceis, trágicos, a poesia nos ajuda, com Mario Quintana, Lila Ripoll, Drummond, Manoel Bandeira, Cecília Meireles, Elizabeth Bishop, Carlos Nejar, Thiago de Mello, tantas encantadoras e encantadores da boa palavra, poetas da vida e da luz.

EM CRISE

A Moïse Kabagambe

Os dias estão sombrios,

as noites andam tristes,

os ventos sopram ao contrário.

 

Os tempos são de morte,

a dor não sai do coração,

a vida caminha aos pedaços,

o ódio e a intolerância controlam rotinas,

momentos, circunstâncias.

 

O caos se apresenta

leve, livre e solto.

O cansaço faz parte do cotidiano,

o silêncio é múltiplo.

 

A vida anda tonta.

As chuvas, demais ou de menos,

não deixam mentir.

O planeta está morrendo.

 

Haverá horizonte e futuro?

Haverá esperança?

 Haverá manhã por chegar?

Onde brilham as estrelas?

Quando se poderá passear na rua?

Quem está livre para dar um abraço gostoso?

Onde está o sonho?

Cadê o esperançar?

 

A crise não responde às perguntas.

A crise empurra corações e mentes

para o precipício.

A crise é manhã/tarde/noite/madrugada sem fim.

 

Estou em crise.

Vidas vão sendo ceifadas sem dó nem piedade.

As mortes não escolhem lugar:

Moïse,

tantas e tantos,

na soleira da porta,

ou mesmo dentro de casa,

nas ruas, becos e vielas,

nas calçadas e igrejas.

 

A crise é buraco sem fundo,

a crise é terreno sem chão,

a crise é eternidade sem volta.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko