A estiagem no Rio Grande do Sul já afeta mais de 257 mil propriedades rurais do Estado e tem deixado famílias em situação de desespero. Sem água para irrigação, com falta de pasto para alimentar rebanhos e somando perdas na produção de várias culturas, os pequenos agricultores sofrem para conseguir pagar as contas básicas e temem os prejuízos a médio e longo prazo. Na avaliação de lideranças e agricultores ouvidos pelo Sul21, a escavação de açudes, abertura de poços artesianos e a construção de cisternas – anunciada pelo governo do Estado – é “insuficiente” e “ineficaz” para o momento. Os produtores pedem recursos emergenciais.
Uma das principais vozes do campo no Rio Grande do Sul e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Frei Sérgio Görgen diz que as medidas do governo estadual servem “apenas para enganar o público urbano”. Para ele, ainda que positivas, as ações não resolvem o problema a curto prazo e beneficiam poucas famílias dentro do universo de agricultores atingidos. “Vão levar dois anos construindo poços. A cisterna ainda nem sabemos qual é o tipo e vai ser um quantitativo pequeno por município. O que precisa, nesse momento, é um cartão emergencial de estiagem para as famílias pagarem as contas, sobreviverem e alimentarem os animais”. Para Görgen, os governos devem compreender que existe uma “tragédia humanitária” acontecendo no Estado.
Gervásio Plucinski, presidente da União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes) do Rio Grande do Sul, classifica a situação como “dramática”. Essa semana, ele integrará uma comitiva de deputados e representantes da agricultura do Estado que irá à Brasília tentar liberar recursos para auxílio dos efeitos da estiagem. Em sua avaliação, as ações do governo estadual têm um “efeito muito pequeno”. “São ações em número absolutamente reduzido e não vão ter um efeito prático para essa estiagem, talvez para os próximos anos. Mas o que teria efeito prático, neste momento, são medidas de crédito”.
“A gente precisa de dinheiro, mas não é esmola”
O casal de agricultores Juliana Silva de Vargas e Luiz Carlos Pilz é uma das milhares de famílias com a produção atingida pela estiagem. Assentados do município de Itacurubi, na região Noroeste do Estado, eles vivem da produção de leite há 15 anos e temem perder o rebanho pela falta de água. A última chuva no local aconteceu em outubro. Com a estiagem, o pasto consumido pelas vacas está escasso e elas se alimentam de silagem e ração.
“Em tempo normal, a gente estaria entregando 500 litros diários de leite, com os mesmos custos de hoje. Mas nós só estamos produzindo 200 litros por dia. E tudo que eu estou fazendo é apenas para manter o rebanho vivo, porque se eu perco uma vaca, eu perco o futuro”, diz Luiz.
O casal é um dos 33,1 mil produtores de leite com dificuldades provocadas pela estiagem, de acordo com estudo divulgado pela Emater, no sábado. Conforme o levantamento, os produtores de leite estão no grupo dos mais atingidos – junto com os agricultores que cultivam milho, soja, feijão e hortaliças.
Mesmo possuindo quatro açudes na propriedade, o casal está racionando a água e, de acordo com Luiz, “consertando até os chinelos para não gastar”. Ele também reivindica que o auxílio governamental venha em forma de recursos financeiros. “O que a gente precisa é de dinheiro para comprar alimentação para os animais. Só que não é uma esmola, a produção é cara, o governo sabe o quanto custa porque pagamos impostos. Não é R$ 500,00. Estamos há 15 anos peleando e em um ano podemos perder tudo”, afirma.
Sem produtos, agricultores deixam de vender alimentos nas feiras
A estiagem fez com que vários produtores registrassem perdas que variam entre 50% e 90% de algumas culturas. As hortaliças estão entre as mais afetadas e muitos pequenos agricultores que participavam de feiras nas cidades tiveram que reduzir a participação ou o número de produtos ofertados.
Rosiele Lüdtke, produtora agroecológica de Paraíso do Sul, na região central do Estado, registrou perdas em várias culturas. E teve que diminuir o plantio. “Nas hortaliças, por conta da diminuição da água, a gente só conseguiu manter 30% da área plantada. Não dá para plantar e não conseguir irrigar. E isso compromete muito a nossa renda”, conta. Para ela, “não adianta ficar abrindo açude, poço artesiano, se a gente não pensar em um processo mais amplo. Sabe como se planta água? Plantando árvore”, afirma. Rosiele relembra que, em outros momentos de estiagem, os produtores receberam recursos financeiros e isso ajudou a se manter no campo. “Precisaria de um crédito emergencial para passar por esse momento difícil e repensar o modelo”, avalia.
O produtor Ibanez Gonçalves, de Vicente Dutra, no Norte do Estado, precisou parar com a venda de produtos na feira. “Não adianta, a mandioca não está crescendo; a banana não tá produzindo cacho; o feijão plantou e morreu; e o milho também”, relata. Ele diz que “não tem muita esperança para esse ano” e que ainda não sabe como “fazer para pagar a conta de luz e os mantimentos”. Além da venda em feiras, os produtos também abasteciam escolas e eram vendidos em aplicativos. Gonçalves também possui um açude e “agora nem água no açude tem”. “É que fazer açude agora, dificilmente vai encher. Futuramente vai funcionar. Mas hoje, teria que ter um auxílio até o próximo ano. O que vamos fazer se não temos o que vender?”, questiona.
A situação também é complicada no Vale do Rio Taquari. A camponesa, feirante e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores Vanderleia Nicolini Chittó mora há 40 anos no local e enfrenta o pior momento de estiagem. Ela vendia seus produtos semanalmente em uma feira ecológica. Agora, só consegue ir a cada 15 dias. “Teve semanas que nem fomos, porque não tem folhosas. E a nossa preocupação não é só com agora. O aipim e a batata doce, não vão se recuperar. Nada será de imediato”. Ela também defende a criação de crédito para agricultores que perderam “quase tudo” e precisam de “um apoio para se reerguer de meses de produção perdida”.
Franciele Belle, de Antônio Prado, na região da Serra, teve perdas de 90% em algumas produções, como a de figo. Mesmo com água na propriedade, ela perdeu mais da metade de sua produção por causa da baixa umidade. “A gente tinha água de açude e reservatório. Mas não adianta, as plantas desidratam, porque a umidade é muito baixa. Então, não adianta pensar só nessas construções, tem que pensar em reflorestar”, avalia.
E os produtores impactados pela seca não estão apenas em regiões distantes da Capital. Em Eldorado do Sul, na região Metropolitana de Porto Alegre, Rose e Alderi Porto “não têm praticamente nada” para vender. O casal, que plantava 90 variedades diferentes de frutas e verduras, agora consegue manter apenas 10% das culturas: “alho poró, cebolão, essas coisas, porque nada resiste”.
Um problema do campo, que já chegou nas feiras e, pelo relato dos agricultores, começará a preocupar prestadores de serviço e comércio. “Os clientes se queixam da falta de variedade na feira. Nós produzimos orgânico, mas tem restaurante que compra da agricultura convencional e que já está nos procurando, porque não acham produtos. Os restaurantes também. É um problema que vai afetar a todos”, resume Alberi Porto.
Edição: Sul 21