Nesta história de luta e crescimento, tornou-se o maior partido de esquerda da América Latina
Não me arrependi de ter ajudado a fundar o PT, Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores há 42 anos, oficialmente no dia 10 de fevereiro de 1980. E jamais poderia imaginar que eu e o partido chegássemos em 2022 muito vivos, em todos os sentidos, no mesmo sonho e utopia.
Na segunda metade dos anos 1970, passei a morar, num primeiro momento como frade franciscano, numa comunidade na parada 13, vila São Pedro, periferia de Porto Alegre e Viamão, ligando a fé à vida e à realidade, com as CEBs, os Grupos de Reflexão ligados à Teologia da Libertação e à educação popular freireana, com as lutas via Associações de Moradores e União de Vilas da Lomba do Pinheiro As prioridades de luta eram o direito à água, saneamento básico, escola, postos de saúde, transporte público de qualidade. Mais as lutas por salário e melhores condições de trabalho dos trabalhadores, especialmente os da construção civil, maioria na Lomba. Tudo feito e construído com muita mobilização e trabalho de base, organização popular, permanente formação na ação, luta pelo fim da ditadura e por democracia.
Faltava uma coisa. Em 1978, pela primeira vez, muitos dos militantes da Lomba envolveram-se numa eleição, inclusive eu, apoiando candidatos populares do MDB autêntico. Mas não era suficiente. Faltava um partido que expressasse as lutas e a participação popular, não só da Lomba do Pinheiro, mas de muitas outras periferias, dialogasse com as Oposições Sindicais que começavam a ser organizar, o apoio ao Fundo de Greve dos metalúrgicos do ABC e tantas coisas mais daqueles tempos. Por que não um Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores, com um programa colado às lutas e ao trabalho de base já existentes, à consciência de classe que se expressava no cotidiano? Por que não um partido educando e educador, propondo a transformação social, política, econômica, ambiental, rumo a uma sociedade socialista de igualdade, justiça, distribuição de renda, soberania, democracia?
Lutadoras e lutadores, sonhadoras e sonhadores, militantes, começamos a nos reunir, primeiro na minha casa, já então morando na vila Santa Helena, parada 12, e depois na casa do companheiro José Carlos Pintado, seu Cantílio, na parada 13. A ideia do PT estava fervilhando por todos os lados, um partido educando e educador, um partido com programa democrático-popular, saído das lutas populares, construído de baixo para cima. Decidimos, coletivamente, entrar no PT que estava em processo de nascimento e construção. Fundamos o Núcleo do PT da Lomba do Pinheiro, como espaço de debate coletivo, de organização das lutas, de formulação e formação política. E o PT e seu Núcleo da Lomba participou, com todos os problemas e dificuldades de então, com garra e coragem, da eleição de 1982, tendo candidato a prefeito, vice e vereador em Viamão, moradores das vilas e trabalhadores da construção civil, eu candidato a deputado estadual. Não elegemos ninguém nesta eleição, mas o PT saiu da eleição espraiado e consolidado.
O PT fez muito nestes 42 anos. Resistiu junto com o povo, mobilizou as Diretas-Já, construiu uma Constituição Cidadã minimante democrática. Ganhou eleições e fez governos populares. Criou o Orçamento Participativo. Propôs e fez acontecer o Fome Zero e a RECID, Rede de Educação Cidadã. Estimulou a Economia Solidária, as políticas de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Agroecologia e Produção orgânica. Apoiou como ninguém as juventudes, as mulheres, o povo negro, o povo LGBTQIA. Promoveu Conferências mil sobre todos os assuntos relevantes, sempre com ampla participação da sociedade civil.
Nesta história de luta e crescimento como partido, tornando-se o maior partido de esquerda da América Latina, o PT também sofreu os dilemas de se tornar um partido institucionalizado, onde governos e mandatos começaram a ocupar grande parte dos espaços partidários, das relações e ser voz na sociedade. Assim, o PT tornou-se mais instituição, menos movimento, esquecendo, muitas vezes, o trabalho de base, a formação na ação, essência de um partido popular, e diferente dos tempos iniciais da e na Lomba do Pinheiro.
Nestes dias em que escrevo e você me lê, está acontecendo a Conferência nacional de Formação do PT, com milhares de participantes de todo o Brasil, depois de um processo de construção da proposta de FREIREAR O PT, no ano do centenário de Paulo Freire, do projeto Nova Primavera, com a proposta de criação dos NÚCLEOS DE VIVÊNCIA, ESTUDO E LUTAS. Discute-se um Sistema Nacional de Formação permanente e a criação de milhares de Comitês Populares Lula Presidente. Portanto, em 1980, e hoje, 2022, o PT continua um partido educando e educador.
Diz o Texto-Base da Conferência Nacional ´Paulo Freire´ de Formação e Educação política do PT: “Para cumprir a tarefa de se tornar um Partido Educador-Educando, na definição de Paulo Freire, o PT deve estar presente, solidariamente, nas lutas sociais, nos sofrimentos e na esperança que anima os setores populares, construindo, com o povo, o sentido amplo e nacional de cada luta, de cada conquista, de cada ato de resistência. O partido educador-educando é, antes de tudo, um método de organização e a instituição de uma relação permanentemente com a classe trabalhadora, na qual o Partido se propõe a ensinar, mas também a aprender constantemente com ela. A disputa de hegemonia e a transformação da sociedade capitalista em um modo de vida no qual trabalhadoras e trabalhadores sejam protagonistas do seu futuro exige de todo o partido uma leitura do mundo constante.”
“FREIREAR O PT significa reconstruir as pontes para que nossas/os militantes possam provocar diálogos permanentes, para que possamos pensar e agir juntos. Trata-se de aprofundar, na formação e educação política do partido, a relação entre o nosso fazer cotidiano e os saberes populares. É consolidar o amor e a empatia, que são as bases da solidariedade de classe, mas que não se concretizam se permanecerem no campo dos discursos.”
O PT do Núcleo do PT da Lomba do Pinheiro está mais do que vivo em 2022, aos 42 anos de vida e história. É este o partido de sonhadoras, sonhadores que ajudei a fundar no final dos anos 1970, início dos 1980. Um partido que nunca deixa de ser movimento, mesmo ocupando espaços institucionais. É, pois, mais do que justificado eu não me arrepender de ter ajudado a fundar o PT e de continuar sendo seu filiado e militante.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko