Só a luta e o povo consciente e organizado conseguem impedir novos golpes
À Elis Regina, Thiago de Mello e Elza Soares
A chuva, mesmo ainda insuficiente, finalmente abençoou o Rio Grande do Sul e seu povo durante a semana. Muita gente quase sem água para beber, plantas, rios e riachos cada vez mais secos, depois de tórridos dias de sol e calor de mais de 40 graus, como não se via há décadas, e que continuam. A previsão é que a próxima terça-feira, 25 de janeiro, seja a mais quente em Porto Alegre desde os anos 1940.
A chuva que não cai no Rio Grande do Sul castigou populações de centenas de municípios do Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste, Norte, destruindo casas, causando mortes, deixando ainda mais na fome e na miséria milhares de brasileiras e brasileiros.
São os tempos, é o início de 2022. Serão prenúncios do que vai acontecer durante o resto do ano? Às vezes parece que Deus ou os deuses todos resolveram abandonar o Brasil e seu povo. Será o apocalipse?
As chuvas do Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Norte e a falta de chuva no Sul são sinal da destruição da natureza e do meio ambiente e da falta de cuidado com a Casa Comum. Ao mesmo tempo, os números da pandemia em sua variante ômicron são cada dia mais estonteantes no Brasil e no mundo. Todo cuidado é pouco com a saúde do planeta e seus habitantes.
As eleições no Chile, entre outras recentes eleições, são, por outro lado, sinal positivo do que está em jogo: a democracia, o Estado democrático, políticas públicas com participação popular, o povo protagonista, sociedade civil em alerta, organizada de baixo para cima.
Felizmente, o povo, chileno ou brasileiro, castigado por falta de água ou por chuvas torrenciais, por governos neofascistas, por fake news e mentiras, por golpes, não se entrega, como nunca se entregou ao longo da história. Resiste, luta bravamente para sobreviver e garantir seu futuro com esperança, fé e coragem.
A pandemia do coronavírus obrigou a transferência parcial do FSR, Fórum Social das Resistências, que, contudo, mantém dezenas de atividades virtuais, as Assembleias de Convergência, de 27 a 30 de janeiro. E houve a transferência total do FSMJD, Fórum Social Mundial Justiça e Democracia. Ambos os Fóruns aconteceriam em Porto Alegre, onde aconteceu, em 2001, o primeiro Fórum Social Mundial, FSM, com a palavra de ordem ´um outro mundo possível´.
2022 mal está começando. Será um ano difícil, tudo indica, com resultados incertos e não sabidos ao final. Há uma longa trajetória e caminhada pela frente. É um ano-chave de ´um outro mundo possível´, urgente e necessário. Por isso, a importância do FSR e do FSMJD, ambos presenciais, de 27 a 30 de abril em Porto Alegre. Assim como o Fórum Social Mundial, a realizar-se no México, de 1 a 6 de maio, o Fórum Pan-Amazônico, em julho, em Belém, e tantos outros acontecimentos e datas – 8 de março, Primeiro de Maio – na primeira metade de 2022. A resistência acontecendo, viva, semeada de esperança.
Até chegarem as eleições de outubro no Brasil, nas quais não há vitória eleitoral antecipada, seja de quem for. Especialmente quando apenas estamos em janeiro, há uma pandemia recrudescendo, há fome, há miséria, há uma ultradireita neofascista e há mil acontecimentos e possibilidades, impossíveis de prever neste momento e conjuntura.
Se alguém imagina passeio eleitoral em outubro, está redondamente enganado. É só lembrar os anos 1950, para os mais antigos, os anos 1960, que já são do meu tempo, e os anos 2010 para os mais novos. Toda vez que o povo trabalhador brasileiro e latino-americano levanta a voz, avança em direitos, melhora de vida, consegue estabelecer ventos democráticos, a direita promove o golpe, a ditadura, e tudo mais que as acompanha. Só a luta e o povo consciente e organizado conseguem impedir novos golpes e garantir futuro com liberdade e democracia.
Thiago de Mello, o defensor da Amazônia, o amigo de Paulo Freire, perseguido e exilado pela ditadura militar, escreveu belos versos, que podem animar este 2022. Assim como as eternas vozes de Elis Regina e Elza Soares. Na CANÇÃO PARA OS FONEMAS DA ALEGRIA, de 1964, publicado em ´A Educação como Prática da Liberdade´, de Paulo Freire, em sua primeira edição em espanhol, Thiago de Mello anuncia: “Peço licença para terminar/ soletrando a canção da rebeldia/ que existe nos fonemas da alegria:/ canção de amor geral que eu vi crescer/ nos olhos do homem que aprendeu a ler.”
E canta Thiago de Mello, em seu poema mais conhecido, ´FAZ ESCURO, MAS EU CANTO – PORQUE A MANHÃ VAI CHEGAR´: “Faz escuro, mas eu canto/ porque a manhã vai chegar. Vem ver comigo, companheiro,/ a cor do mundo mudar./ Vale a pena não dormir para esperar/ a cor do mundo mudar./ Já é madrugada,/ vem o sol, quero alegria,/ que é para esquecer o que eu sofria./ Quem sofre fica acordado/ defendendo o coração./ Vamos juntos, multidão,/ trabalhar pela alegria, /amanhã é um novo dia.”
Que assim seja 2022: ´Um outro mundo possível´, urgente e necessário. Fazer a manhã chegar.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko