Uma das soluções mais viáveis para combater a disseminação do coronavírus e suas variantes é, notoriamente, combater a desigualdade de vacinas entre os países do mundo. Que essa solução existe, pode-se avaliar pelo trabalho de um grupo de especialistas em vacinas listando mais de 100 empresas na África, Ásia e América Latina com potencial para produzir imunizantes pela tecnologia de mRNA.
Achal Prabhala, um dos especialistas, disse ao site Democracy Now que, se a tecnologia de mRNA pudesse ser compartilhada com as empresas listadas, “poderíamos vacinar o mundo em até seis meses a partir de agora”. A disparidade na distribuição de vacinas, apesar dos protestos quase consensuais no mundo, não vem caindo, lembrou a publicação Left Voice, dia 26/12/21, ao comentar o levantamento.
“Atualmente”, escreveu Left Voice, “mais de 8,8 bilhões de doses de vacina foram administradas, mas 43% da população mundial ainda não recebeu uma única injeção. No Sul Global, apenas cerca de 8% da população recebeu uma única dose”. Achal Prabhala afirma que essa situação é muito perigosa: significa que, com a ômicron, a desigualdade nas vacinas de repente se tornou mais séria. “Por quê? Porque todo mundo agora precisa de mais vacinas”, simples assim, diz ele.
“Nosso relatório é sobre vacinas de mRNA porque essa tecnologia é notável. Ainda não a entendemos completamente […]. Ela não é baseada em biologia. Não precisa de células cultivadas. E isso significa que essas vacinas podem ser feitas mais rapidamente, com mais facilidade […] do que as vacinas que costumávamos usar antes de 2020”. A busca da equipe de Achal procurou selecionar empresas que tivessem instalações e padrões de qualidade necessários para fabricar vacinas de mRNA.
“Descobrimos, para nosso espanto”, disse ele a Democracy Now, “que existem pelo menos 120 empresas […] que poderiam estar produzindo milhões de doses dessas vacinas, que, infelizmente, na situação em que estamos – em um precipício – é realmente a única maneira pela qual podemos levar mais bilhões de vacinas ao mundo nos próximos três a seis meses”. É essencial observar que a parte técnica explica apenas um lado do sucesso das vacinas de mRNA: o aporte de recursos públicos foi um requisito essencial.
É o que mostrou em dezembro passado, o estudo “Vacinas de mRNA: um lance de sorte?”, publicado pelo instituto Bruegel, na Bélgica. A pesquisa menciona, entre outras formas de financiamento das pesquisas, as verbas apropriadas do orçamento americano por meio do INH, Institutos Nacionais de Saúde. Cita como exemplo a Universidade da Pensilvânia, nos EUA, que tem participação destacada nas patentes associadas à tecnologia de mRNA utilizada pelas empresas Moderna e BioNTech.
As grandes farmacêuticas, portanto, têm obrigação de abrir mão de seus direitos de propriedade atendendo aos apelos de democratizar a distribuição e a produção de vacinas. Os próprios investidores defendem esse ponto de vista, como se vê pelo processo movido pela ong Oxfam America, que é acionista da Moderna. “Possuímos ações em todos os principais fabricantes de vacinas dos EUA”, explicou a Democracy Now o advogado Robbie Silverman, da Oxfam.
“E monitoramos muito de perto”, continua ele, “os riscos que essas empresas enfrentam ao não se esforçar para vacinar o mundo igualitariamente”. Ele diz que a Moderna não existiria sem o apoio do governo dos EUA. “Primeiro, a Moderna recebeu 2,5 bilhões de dólares em fundos dos contribuintes para pesquisa e desenvolvimento de sua receita de vacina. E os cientistas da Moderna cocriaram a vacina junto com cientistas dos Institutos Nacionais de Saúde”.
O processo da Oxfam refere-se ao interesse do governo americano na distribuição do uso da tecnologia de mRNA, e acusa a Moderna de tentar impedi-lo de fazer isso. Quando a Moderna apresentou seus pedidos de patente, conta Robbie, excluiu deliberadamente os cientistas do governo. E tentou esconder que contestou o governo dos EUA sobre quem realmente tinha criado a vacina.
* Jornalista, atuou na imprensa de resistência à ditadura (Movimento e Retrato do Brasil), editou Ciência Ilustrada, ajudou a criar a Superinteressante e participou da aventura de tentar erguer a Radiobrás, entre 2002 e 2005. É editor do site Outra Saúde.
Matéria publicada originalmente no site Outras Palavras.
Edição: Outras Palavras