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Direitos reprodutivos: por que tanta controvérsia?

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"A saúde é, talvez, o mais importante foco dos controles opressivos, pois traz consigo o domínio do corpo e a vivência da sexualidade" - Reprodução
Os direitos reprodutivos precisam ser inseridos na perspectiva dos direitos humanos

A partir da conferência do Cairo – 94 onde foi incluído o debate sobre Direitos Reprodutivos, a tensão entre os setores mais conservadores da sociedade mundial foi intensificada. Um dos focos dessas tensões é justamente o questionamento da ordem sexual dominante, um dos temas centrais do feminismo. Esse conceito é um dos principais elementos para a criação de um ideal “feminino” segundo o qual o comportamento e o corpo das mulheres são avaliados, julgados e disciplinados.

A saúde é, talvez, o mais importante foco desses controles opressivos, pois traz consigo o domínio do corpo e a vivência da sexualidade. A saúde da mulher inclui os assuntos da reprodução e suas diferentes fases. Muitas vezes a falta de conhecimento sobre o aparecimento de episódios como a menarca, a menstruação, a gestação, o parto, o puerpério, o climatério e a menopausa tornaram o corpo feminino motivo de curiosidade e atração. A vida da mulher, marcada pelo sangue, pelos humores, hormônios e alterações cíclicas, foi muitas vezes relacionada aos ciclos da natureza, às fases da lua, aos rituais da semeadura e da colheita, às deusas da fecundidade.

Essas diferentes interpretações da vida sexual e reprodutiva das mulheres transformaram o ciclo vital da fêmea humana em algo que deveria ser observado com desconfiança e que precisava ser subjugado. As transformações do corpo feminino tornaram-no objeto de crendices que com o passar do tempo alimentaram os preconceitos e restringiram a vida e a sexualidade das mulheres. Tudo isso validado pelas diferentes culturas, ciências e religiões. Na sociedade ocidental judaico-cristã, os principais mecanismos para a submissão das mulheres são a culpa e o pecado. O ato sexual era destinado apenas à reprodução desenvolvendo-se um culto à castidade, à virgindade e ao casamento monogâmico.

O avanço da civilização resultou em novas concepções científicas. Medicina e Biologia passaram a ser entendidas como a verdadeira base conceitual das práticas de saúde e das múltiplas formas de intervenção no corpo das pessoas. Essas ciências assumem um papel hegemônico na interpretação e na explicação dos fenômenos ligados à sexualidade e à reprodução. Uma ciência que nunca foi neutra, a opressão cultural, a religião, a hegemonia do patriarcado e a exploração capitalista gestaram um quadro de horror manifesto na opressão à sexualidade, na normalização da reprodução, na medicalização, na desumanização da assistência e na indiferença ao final do ciclo reprodutivo.

Os métodos anticoncepcionais, com destaque para o lançamento da pílula em 1960, aparecem na cena social trazendo consigo as possibilidades de libertação das mulheres da obrigatoriedade da concepção, a alternativa do controle populacional, a transgressão aos ditames religiosos de sexo só para a reprodução. Os eventos na área da reprodução multiplicam-se de forma acelerada tornando cada vez mais necessária a definição de novos conceitos e paradigmas que combinem ciência, ética, bioética, com o desejo das mulheres de ter ou não ter filhos, o direito de decidir sobre o próprio corpo, o aborto, a religião e a laicidade do Estado e da ciência, a saúde física, mental e ambiental e as políticas públicas de saúde e demografia.

Para AVILA (1993) “a novidade em relação aos direitos reprodutivos é que são uma invenção das mulheres participando, como sujeitos, da construção de princípios democráticos. O feminismo é o locus político e filosófico dos direitos reprodutivos, é, na sua história ocidental, uma luta por igualdade”.

Trabalhar com DIREITOS REPRODUTIVOS significa entender que foi ampliada a abordagem sobre o assunto. Esse conceito envolve a contracepção, esterilização, aborto, concepção e assistência à saúde. São os direitos das mulheres de regular sua própria sexualidade e capacidade reprodutiva, bem como de exigir que os homens assumam responsabilidades pelas consequências do exercício de sua própria sexualidade. Precisam ser inseridos na perspectiva dos direitos humanos ampliando o seu sentido e retirando a função da reprodução da esfera privada e situando no espaço social.

Cada vez mais válida e urgente a consigna: “Meu corpo me pertence”!

Clair Castilhos Coelho - Farmacêutica-Bioquímica, Mestre em Saúde Pública, Professora Adjunta-IV do Departamento de Saúde Pública da UFSC (aposentada), Secretária Executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (2011 a 2016), Presidenta da Associação Casa da Mulher Catarina.

Edição: Katia Marko