São sinais de crises orgânicas apontando para a falência de um modelo de subdesenvolvimento global
Hoje em dia, até os terraplanistas reconhecem que o aquecimento global é mais do que uma ameaça de consequências devastadoras.
Também não há como ignorar que este é um problema de todos, e que só será superado com a conscientização e o empenho de cada um, em todos os cantos.
Basta ver que as inundações que colocaram em estado de emergência 63 cidades de Minas Gerais e 126 da Bahia, assim como a seca no Rio Grande do Sul, que já acumula perdas de 24% na soja, 59% no milho sequeiro e 13,5% no milho irrigado. São dois lados de um mesmo e vasto crime ambiental.
E bem sabemos da associação entre essas tragédias e os cem mil focos de queimadas no norte do Brasil.
Opera no planeta um metabolismo semelhante àquele que nos mantém vivos, articulando as partes que nos compõem. A corrente sanguínea, que leva o oxigênio dos pulmões até o punho erguido, corresponde ao ciclo das águas e permite entender vinculações entre a redução das florestas do Norte, o déficit hídrico no sul, e o dilúvio no leste.
São sinais de crises orgânicas apontando para a falência de um modelo de subdesenvolvimento global, que se agrava em vista das ações e omissões permitidas em cada ponto e suas vizinhanças.
O aquecimento global resulta de desequilíbrios no metabolismo planetário. Nossos biomas, por exemplo, decorrem de coevolução - no espaço e no tempo - de interações dependentes do ciclo das águas, da incidência solar, do intemperismo das rochas e de processos orgânicos pautados pela diferenciação e multiplicidade de arranjos colaborativos.
Pode-se pensar nisso como sendo algo semelhante ao que ocorre em nossas cidades, com a queda nos índices de qualidade de vida.
Também aqui alterações no presente, sobre as bases do passado, orientam a configuração do futuro. Se trata, literalmente, da expressão do que permitimos acontecer.
Quando as trocas e compensações induzem a relações que discriminam e prejudicam determinados grupos, surgem distorções que, se não forem freadas, acabam comprometendo o metabolismo do ecossistema, que colapsa afetando a todos.
Nos biomas, quando isto acontece (na ausência de interferências humanas) atuam mecanismos de controle biológico que impedem a fixação de espécies campeãs (aquelas que tentam se apropriar da massa de recursos, eliminando as demais).
Nas cidades se dá o oposto. Aqui os sistemas de representação e concentração de poder acabam favorecendo praticas de controle social que sistematicamente privilegiam poucos, excluindo a maioria.
Com isso, e por meio de fraudes, surgem “espécies campeãs”, que se expandem, se fortalecem e acabam usando de todos os meios para impedir a emergência de processos includentes, transparentes e cooperativos.
Como entender que a racionalidade humana estimule a expansão de algo tão antinatural e antivida?
No que diz respeito à consciência da humanidade, parece haver uma espécie de tendência infantil de fuga das responsabilidades. Aquilo que acontece quando – por comodismo ou covardia - assumimos que determinado problema não nos diz respeito, ainda que se trate do envenenamento das águas que bebemos, dos alimentos que consumimos, do racismo escravista ou mesmo do aquecimento global.
Ocorreria algo semelhante quando deixamos de apoiar grupos que atuam em favor do ecossistema onde estamos inseridos?
Parece que sim. Mas não é coisa boa, e deve mudar.
Por isso, aproveitamos o momento para lembrar que neste domingo, dia 9 de janeiro, a partir das 10 horas, acontecerá grande atividade de protesto contra os crimes ambientais que vêm ocorrendo na cidade de Viamão.
Se trata da contaminação das águas e dos solos, da concentração de resíduos em lixões escandalosos, do desmatamento, da exploração do subsolo, do uso desmedido de agrotóxicos, da destruição de reservas e parques, da ameaça à vida de povos indígenas e, por fim, do comprometimento de um ecossistema relevante para toda a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA).
Algo que, em termos da nossa paróquia, se assemelha à destruição da Amazônia com seus impactos sobre a agricultura do Sul.
Enfim, aí está um problema de todos, que associa a necropolítica destruidora da qualidade de vida dos viamonenses ao futuro de milhões de habitantes da RMPA, além de estimular o aquecimento global e a gula dos que se consideram com direitos de espécies campeãs.
Por estes e outros motivos, fazemos nossos os desejos e a fúria que brilham nos olhos dos viamonenses. São jarros de flor que nos convocam para encorpar a conscientização, a audácia e a mobilização de que precisaremos em 2022, para recuperar a cidade, o estado, o pais e o planeta que merecemos.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira