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Quanto custou ser mulher em 2021?

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"'Bolsonaro nunca mais' não foi só pelo impeachment, foi também contra a fome, o machismo e o desemprego." - Foto: Ellen dias
Nossas lutas precisam ser vistas e seguiremos organizando a nossa revolta

Um país governado por Bolsonaro nos custou sangue, suor e lágrimas. O ano de 2021 foi terrível à classe trabalhadora, sobretudo às mulheres. Sentimos no corpo e na mente as dores de ver nossas irmãs passando fome, sendo agredidas e assassinadas. A violência contra a mulher nunca foi exceção, mas a falta de políticas públicas e a crescente de estatísticas cruéis escancaram uma agenda neoliberal, antidemocrática e conservadora que é omissa com a vida do povo.

Em uma sociedade patriarcal e machista que aos homens é dado segundas chances e a nós ódio e questionamento, é previsível que os índices de violência de gênero aumentassem. O Brasil de 2021 teve um aumento de 86% de violência contra as mulheres, segundo a pesquisa de opinião “Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher — 2021”, realizada pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência. Já nos quatro primeiros meses deste ano foi registrado o assassinato de 54 mulheres trans, conforme o boletim do primeiro semestre do ANTRA Brasil. São vítimas de crimes bárbaros e com a expectativa de vida de menos de 35 anos. Outro levantamento feito também no primeiro semestre, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apresentou que quatro mulheres foram mortas por dia no país. E essas mortes têm raça e classe definidas. De acordo com o Atlas da Violência 2021, 66% das vítimas de feminicídio são negras. Os corpos negros estão diariamente vulneráveis às opressões não só de gênero, mas do racismo, da desigualdade social, da falta de acesso e da hipersexualização.

No campo, a situação também é crítica. O relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), aponta que entre 2011 e 2020 foram registradas 77 tentativas e 37 assassinatos de mulheres por conflitos fundiários e socioambientais, números que provavelmente aumentaram em 2021. A CPT registrou também outras ocorrências como agressões, prisões, ameaças e estupros. Além da violência, as mulheres do campo sempre sofreram com a precarização do ensino e a falta de crédito rural e autonomia econômica. Mesmo em meio à pandemia da covid-19, ainda batalham para sobreviver à liberação sem controle de agrotóxicos e a luta por moradia.

Em territórios tradicionais, mulheres indígenas também são símbolos de resistência. Enfrentam à marginalização, segregação e extermínio, enquanto seu povo segue sendo massacrado durante a pandemia, não só pela doença, mas também pelo avanço do garimpo ilegal e da tentativa de retrocesso na demarcação do solo com o marco temporal. O poder político dessas mulheres é essencial para manter vivas suas origens e ancestralidade. Assim como elas, também lutamos para existir. Resistimos e nos organizamos por todas que foram assassinadas no campo, na luta pela terra e por direitos.

“Bolsonaro nunca mais!”

Mesmo diante de todo esse cenário, o governo anuncia corte de 33% nas políticas destinadas às mulheres em 2022. E a mídia tradicional segue de olhos fechados. Escolheram ocultar a verdade, mais uma vez, ao invisibilizar os protestos feministas realizados no dia 4 deste mês. Ato que marcou o dia nacional de mobilização das mulheres com a organização de coletivos feministas, movimentos sociais, partidos e centrais sindicais. Levamos nossas indignações às ruas, mas os principais veículos brasileiros não noticiaram nosso pedido de socorro.

Ignorar os fatos ou mostrá-los sem a real relevância é estratégia para manipular e desinformar a população, enfraquecendo o debate público e tirando o foco da força popular. Mas isso não será suficiente para nos calar. “Bolsonaro nunca mais” não foi só pelo impeachment, foi também contra a fome, o machismo e o desemprego. Nosso grito é por saúde, educação e comida no prato.

Como nos ensinou bell hooks, a partir de sua prática pedagógica e sua luta incansável pela emancipação humana, é preciso validar nossa existência e reivindicar o espaço que é nosso por direito. Nossas lutas precisam ser vistas e seguiremos organizando a nossa revolta contra qualquer tipo de violência de gênero, raça e classe. Que 2022 seja um ano onde as mulheres tenham voz e vez.

* Morgana Virgili - jornalista e militante feminista.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira