Rio Grande do Sul

Coluna

Natal dos mais pobres entre os pobres

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"A vida de Jesus não poderia ser diferente, filho de um carpinteiro, nascido numa estrebaria, migrante. Sua mensagem, seus compromissos sempre foram ao lado dos pobres, especialmente dos mais pobres entre os pobres" - Foto: Reprodução/EBC
Hora de renascer no Brasil, na América Latina, no mundo. Hora de construir um 2022 cheio de justiça

À Irmã Lourdes Dill

Jesus nasceu numa estrebaria, no meio de vacas e bois. Como acontece com os mais pobres entre os pobres em todos os tempos. Maria, em dores de parto, ao buscar um lugar numa hospedaria em Belém, a resposta foi que não havia lugar. O lugar achado foi o abrigo ao lado dos animais, cuidados por pastores. O primeiro casaco, para enfrentar o frio, foi o feno da estrebaria. O recém-nascido foi saudado pelos pastores da região, trabalhadores pobres. E apareceram três reis, alertados pelas estrelas, que, depois, foram contar ao poderoso Herodes o que tinham visto.

José e Maria foram a Belém para participar do recenseamento dos moradores, decisão do poder central. Mas Herodes, ao ouvir o relato dos reis magos, e alertado pelas profecias, mandou matar todas as crianças com menos de dois anos, para Jesus não escapar de jeito nenhum. Solução? Fugir para o Egito para escapar da morte. José, Maria e Jesus tornaram-se migrantes, como os milhões de migrantes que perambulam hoje nas ruas brasileiras, fugindo da fome e da morte.

A vida de Jesus não poderia ser diferente, filho de um carpinteiro, nascido numa estrebaria, migrante. Sua mensagem, seus compromissos sempre foram ao lado dos pobres, especialmente dos mais pobres entre os pobres. Amou as-os injustiçadas-os, especialmente as mulheres, e os desprezados pela ordem vigente e pelo poder estabelecido. Não por outro motivo morreu na cruz, prisioneiro político que expulsou os vendilhões do templo e multiplicou pães e peixes para a multidão faminta.

Padre Júlio Lancelotti vai para as ruas em 2021 contra a 'aporofobia', o ódio e a aversão aos pobres. Na origem grega das palavras, ´a-poros´ é pobre, e ´fobos´, medo, aversão. Os pobres no tempo de Jesus eram tão desprezados, esquecidos, muitas vezes perseguidos, como os pobres dos tempos atuais.  

Mas quem vai estar no Reino, perguntaram os discípulos a Jesus (Mt 25, 35-40)? Ele respondeu: “Vai para o Reino quem, quando tive fome, deu-me de comer. Quando tive sede, deu-me de beber. Quando estava sem onde ficar, me recebeu em sua casa. Quando sem roupa, me vestiram. Enfermo, foram me visitar. E quando estava na cadeia, foram me ver. Não satisfeitos, ou por não entenderem, perguntaram-lhe os discípulos: “Senhor, quando te vimos com fome e te damos de comer, com sede e te damos de beber, sem onde ficar e te recebemos, sem roupa e te vestimos, doente ou na cadeia, e fomos te ver?” A resposta de Jesus: “Quando fizeram tudo isso com meus irmãos mais pequenos, fizeram-no comigo.”

O novo sempre nasce no meio dos pobres, das oprimidas e dos oprimidos. No meio do povo mais sofrido e lascado, portanto. Os pobres, destituídos de tudo, são capazes de sonhar, são abertos para o novo e a esperança, estão disponíveis para a solidariedade. Mesmo tendo só um pedaço de pão, são capazes de reparti-lo. Os pobres são os bem-aventurados de Jesus. Nas suas palavras, “bem-aventurados os pobres, porque deles é o Reino dos céus”.

No Brasil de hoje, os Comitês Populares contra a Fome, as Cozinhas Solidárias e Comunitárias, o Natal sem Fome, a Frente nacional contra a Fome, em construção, e tantas outras ações e iniciativas são a realidade e salvação de milhões de brasileiras e brasileiros que vivem nas favelas e nas periferias, ou nas ruas e estrebarias. Ao mesmo tempo, com fé e coragem evangélicas e proféticas, são os pobres que se organizam para ter direitos, para terem vez e voz, para dar sentido pleno à democracia.

Hora de renascer no Brasil, na América Latina, no mundo. Hora de construir um 2022 cheio de luz, verdade e justiça. Tempo de dar de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede. Visitar e ajudar os enfermos da pandemia e os prisioneiros. Acolher os desempregados, os sem teto e os sem terra, os perseguidos e humilhados.

Jesus está vivo e presente, em primeiro lugar, nos mais pobres entre os pobres. Jesus, sua mensagem e exemplo de vida renascem a cada dia em cada gesto solidário das pastoras e dos pastores, das trabalhadoras e trabalhadores, das lutadoras e lutadores, daquelas e daqueles de boa vontade, sonhadoras e sonhadores dispostos a construir a utopia do Reino e do Bem Viver.

Feliz nascimento e eterno renascimento a todas e todos.

Edição: Katia Marko