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Coluna

Por Michele

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"No último 25 de novembro, Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher, Michele Sandri completaria 45 anos" - Arquivo pessoal
Michele Sandri, militante que todas conhecemos e sentimos saudade: disposta, conciliadora, dedicada

A Mi começou sua militância no Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras no começo dos anos 2000. Menina linda, cabelos crespos e dourados, tímida e pouco falante, mas sempre muito observadora. Tinha sede de aprender sobre o universo da política que se apresentava, e que se revelou como o caminho a ser trilhado por ela.

Michele Sandri, militante que todas conhecemos e sentimos saudade: disposta, conciliadora, dedicada e fiel. Se identificava como petista e militante das causas sociais muito antes de se colocar como feminista. A sua prática nesse tema veio mais das ruas do que dos livros. Não foi lendo Simone de Beauvoir, mas na luta com as companheiras com quem compartilhava o sonho de um outro mundo. Foi pela mulher que sofria violência doméstica. Pela que recebe menos no mercado de trabalho. Pela que é arrimo da família, depois do abandono do genitor. Pelas que só querem viver o amor sem barreiras. Por ser revolucionária, se tornou feminista.

A coragem de se dizer feminista, de discursar, de representar, veio com o coletivo. Percebendo que estava em um ambiente seguro, no qual respeitariam a sua caminhada ainda em curso, conseguia falar. Preparava os discursos com aquilo que entendia essencial ser dito. Terminava com frases de efeito, como aprendeu que deveria. Ela saiu dos bastidores para cima do carro de som e depois assumiu a Secretaria de Mulheres do PT POA porque sabia que não estava só, que tinha ouvidos, braços e corações atentos à sua espera e retribuía diariamente essa acolhida às companheiras que dela precisassem. Em coletivo, transformando espaços inóspitos para mulheres em nossos.

Michele foi tirada de nós no 8 de março de 2021 por um governo genocida que escolheu disseminar fake news e garantir o lucro de grandes empresários em vez de comprar vacinas, fortalecer o SUS e proteger a população do coronavírus. A dor de perdê-la em um dia simbólico, marco histórico para as feministas, faz com que sua despedida seja ainda mais sentida. No último 25 de novembro, Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher, Michele completaria 45 anos, e por isso foi mais uma vez homenageada pelos movimentos de mulheres de Porto Alegre.

Michele foi mãe, e como tantas mães que decidem lutar por outras mulheres, vivia a dicotomia de estar ao lado e cuidar de sua cria e precisar sair pra luta. Ela sabia que tudo era a mesma coisa, porque ao lutar por um mundo mais igual e pelo direito de ser mulher, ela também preparava um caminho menos difícil e doloroso que o seu para a sua Eduarda, mulher jovem, independente, batalhadora e livre de preconceitos.

A relação entre elas foi marcada pelo amadurecimento de ambas. Tiveram uma vida juntas baseada no diálogo, na amizade e no cuidado mútuo, superaram dia após dia as barreiras impostas. Michele tinha na sua família — a mãe Sandra, a memória de seu pai e ídolo Nilson, a filha Eduarda, irmãos e sobrinhos — a sua base sólida de vida, estava sempre disponível aos seus. Ela também era uma dinda presente aos afilhados e afilhadas que a vida lhe trouxe como presente das deusas.

A sororidade era só uma de suas qualidades. Com ela, não havia disputa, e sim o compartilhamento do saber para o bem comum.  Ela deixou em cada uma de nós sua força, motivação, cuidado com quem convivia, a atenção aos detalhes e a afetividade ao aconselhar quem lhe pedia ajuda para escolher os caminhos a trilhar. A saudade da energia maravilhosa que ela transmitia e as sementes que brotam nas companheiras, que seguem nas tarefas antes divididas com ela, e que sabem que precisamos continuar. No luto, mas em movimento! Seguimos, em coletivo, sendo esse espaço para outras de nós. Pelas que nos antecederam e pelas que virão!

Por que as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão...

* Texto escrito pelas amigas e companheiras Aline Tortelli, Júlia Flôres, Patricia Ferreira e Vanessa Goulart em nome do Coletivo Michele Sandri da Secretaria de Mulheres do PT POA.

** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko