“Você tem um programa que exclui, um programa que não corrigiu pela inflação os benefícios permanentes. E agora para amenizar a tragédia, o governo institui esse benefício extraordinário de R$ 400,00. Qual o problema desse benefício? Uma família que tem um casal e uma criança vai receber os R$ 400, 00, mas você também vai ter uma família de um casal e três filhos que vai receber os mesmos R$ 400,00. Você não está usando de uma forma equilibrada o recurso público e de forma equânime ente as diferentes famílias buscando garantir um mínimo de sobrevivência”, ressalta o economista e integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Raul Krauser.
Em uma hora de conversa com Luiz Muller, da Rede Soberania e pelo Brasil de Fato RS, Raul explanou sobre os impactos que a Medida Provisória (MP) que cria o Programa Auxílio Brasil pode trazer às populações mais vulneráveis. Segundo apontou o economista, a MP ataca o Bolsa Família, um programa que durante 18 anos foi referência no combate à exclusão.
Raul começou sua fala destacando o relatório The World Inequality Report 2022, divulgado nesta terça-feira (7) pelo World Inequality Lab, codirigido pelo economista Thomas Piketty, da Escola de Economia de Paris. O estudo mostra que os 50% mais pobres da população brasileira têm apenas 10% da renda, enquanto o 1% mais rico tem 27% da renda. Os 50% mais pobres tem menos 0,4% do patrimônio, ou seja, não têm patrimônio nenhum e ainda está devendo. Enquanto 1% mais rico tem 49% do patrimônio.
“Isso é uma aberração, não tem como nenhuma nação se desenvolver, superar a fome e superar todas as agruras que a gente vive aqui no Brasil com dados dessa magnitude”, afirmou Raul. Para ele, essa realidade é herança dos 400 anos de escravidão, seguidos de uma série de outras questões de pobreza que produziram a realidade que o país vive. Em sua avaliação, o Programa Auxílio Brasil, assim como amplos setores da elite brasileira, vem sempre de novo culpar o pobre pela pobreza.
Conforme lembrou o economista, essa situação toda é inaugurada com o Ponte para o Futuro, de Michel Temer, que a seu ver trata-se mais de uma ponte para o passado e cujo programa são reforma da Previdência, reforma trabalhista, autonomia do Banco Central, discussão do PL do Câmbio. Ele pontuou que para cada uma dessas medidas eram prometidos milhões de empregos, enxurrada do capital estrangeiro e nada disso aconteceu.
“O que a gente tem é um cenário que a cobertura do INSS diminui na população brasileira, porque a informalidade explode, situação de desemprego, massa salarial caindo, a política de valorização de salário mínimo foi liquidada efetivamente”, avaliou.
De acordo com Raul, superar efetivamente a pobreza e mudar essa marca do Brasil passa por reformas estruturais como reforma agrária e reforma do sistema tributário que efetivamente cobre dos ricos e desonere o consumo. “Hoje o pobre paga IPVA de uma moto, mas o rico não paga de um jatinho”, exemplifica, frisando ser preciso dar uma resposta para as pessoas que estão em situação de miséria e que não podem esperar por anos para que essas transformações produzam efeitos.
De programa permanente a benefício eleitoreiro
Raul ressaltou os méritos do programa Bolsa Família, durante os 18 anos em que o mesmo funcionou, apesar de suas limitações e de ajustes que precisava. Destacou a importância do programa no que tange à permanência das crianças na escola, uma vez que essa era uma das exigências do programa. O que levou a uma melhora dos índices escolares, assim como uma série de outros setores foram beneficiados com o programa, como por exemplo a assistência social e saúde.
"Se fosse para melhorar o programa Bolsa Família, coisas a melhorar tinham, e o governo teve três anos e não fez. Essa, agora, é uma movimentação meramente eleitoral, não é uma preocupação com a população, mas uma preocupação com a popularidade do governo”, afirmou.
Durante a live, o economista listou problemáticas do Auxílio Brasil, como o uso do aplicativo, a retirada da centralidade do processo dos Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), e a linha de corte, chamada linha da pobreza e de extrema pobreza para a pessoa poder entrar no programa. Detalhou que o programa está com uma linha de pobreza de RS 210 e de extrema pobreza de R$105.
"Quando essa linha está abaixo, como é o caso do programa, a gente tem um conjunto de famílias que são excluídas. Somente as pessoas que estão em uma condição de muita miséria é que têm acesso ao programa", apontou. "Uma família hoje no Brasil que tem uma renda per capita de R$ 250, essa família tem condições de morar, alimentar, pagar energia, gás, enfim? É óbvio que não", complementou Raul, lembrando que a cesta básica em algumas capitais chega a R$ 700.
Também expôs o decréscimo que o auxílio emergencial teve ao longo da sua duração. Passando de 60 milhões de beneficiários em 2020, para 39 milhões na sua prorrogação em 2021. Juntamente com a diminuição dos beneficiários, os valores pagos, que foram de R$ 600 para um valor entre R$ 150 e R$ 270.
Dezenas de milhões de brasileiros perderam auxílio
O economista fez parte da produção de um levantamento que aponta o número de pessoas atingidas com o fim do Bolsa Família e o auxílio emergencial. O levantamento cidade por cidade pode ser visto aqui.
De acordo com Raul o país teve, somando auxílio emergencial e Bolsa Família, uma cobertura de 95 milhões de pessoas, entre abril a outubro de 2021. “Com a medida provisória do Auxílio Brasil e o fim do auxílio emergencial esse número caiu para 43 milhões de pessoas. Estamos falando de 52 milhões de pessoas que estavam recebendo um auxílio de R$ 200, R$ 150, que estavam recebendo um benefício e que do dia para noite deixam de receber em um cenário de 14 milhões de desempregados, 6 milhões de desalentados, num cenário extremamente complexo da economia brasileira. É uma medida completamente irresponsável e desumana”, critica.
Conforme complementou Raul, o país teve uma uma redução de benefícios na ordem de 55 milhões de pessoas, e 29 milhões de benefícios que foram extintos. “Isso significa uma perda de recurso de R$ 5 bi a menos por mês circulando na mão dessa população mais pobre e vulnerável. Isso é um impacto que vai se sentido na padaria, na mercearia, na feira, e esse impacto também tem um efeito multiplicador.”
Em suas considerações finais o economista destacou a questão da carestia. “Não dá para a gente aceitar, no século XXI, com a quantidade de riqueza que o Brasil produz, com a quantidade de alimento que o Brasil produz, você ter cidadão brasileiro que vai deitar na cama para tentar dormir com o estômago vazio, com a barriga doendo de fome. Temos que garantir para essa população uma alimentação que produza efetivamente saúde, qualidade de vida, vida digna. Esse é o desafio para esse momento”, finalizou.
Abaixo, um quadro comparativo do total de famílias atendidas pelo auxílio emergencial e Auxílio Brasil:
Assista a entrevista completa:
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Edição: Marcelo Ferreira