O artesanato me deu o direito de sonhar e realizar, encontrei um caminho de libertação
Quando se é a irmã mais velha, única mulher, numa família de 5 filhos da base da classe trabalhadora, em um país tão machista como o nosso, nos habituamos a ouvir afirmações do tipo “mulher não precisa estudar, pois vai casar e cuidar da casa, o marido não a deixará trabalhar”. Se, somado a isto, você convive com a violência doméstica no seio da sua família, o risco de perder a fé em si mesma, está sempre presente.
A mulher vítima de violência se isola, esconde a violência sofrida, tem medo e se culpa, perde a autoestima.
No meu caso, vivi em um ambiente de abuso e violência, onde meu pai era o macho que resolvia tudo no grito ou no chicote. Mas tive a melhor demonstração possível de que isto não é normal: aos 18 anos, minha mãe deu um basta. Corajosa, jogou o que pode em um caminhão, pegou os 5 filhos e fugiu.
Casei jovem e sem estudo, como resultado da cultura em que fui criada. Passei por mil apuros e apertos, mas ainda menina aprendi costurar e eu adorava.
Costurando, virei artesã. Foi como artesã que descobri a grande mulher que havia dentro de mim. Nunca deixei um homem me humilhar, muito menos me bater, sempre fui muito direta ao afirmar que a violência que vivi junto com minha mãe, não se repetiria comigo.
Dizem que o trabalho “enobrece” o ser humano. Eu acredito nisso. Mas, neste caso, como fica a situação da mulher impedida de acesso ao estudo, com poucos recursos?
No meu caso, foi ao descobrir o artesanato que encontrei a resposta. Descobri que podia o que eu quisesse: enfrentei minha falta de estudo, o desemprego meu e do meu esposo, quando tinha duas crianças pra criar, vestir, educar.
O artesanato me deu o direito de sonhar e realizar, me abriu os olhos pra uma sociedade onde as mulheres podem dizer não ou sim quanto a ser violentadas, humilhadas. Toda mulher que descobre que suas mãos são capazes de criar peças e essas peças podem gerar renda, pode encontrar aí um caminho de libertação.
E, mais, como o artesanato é, atualmente, uma atividade principalmente de mulheres, muitas vezes ela descobre esta capacidade por meio de outras mulheres. E isto a fortalece para ir à luta e começar a enfrentar a violência. Mulheres, somos seres extraordinários.
A violência contra qualquer ser vivo é inaceitável. Contra a mulher, então, ainda menos. Toda mulher é digna de respeito, não somente porque gera filhos, ensina e educa. Mas também porque trabalha e é capaz de ser provedora.
Amo ser artesã e amo ser mulher. O artesanato me realiza e acredito que empodera a nós, mulheres.
* Tina, artesã do grupo Toka da Arte. Moradora da Vila Central - Gravataí
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko