As mulheres estão cada vez mais engajadas no universo das publicações, promovendo seu protagonismo
Há pouco menos de 200 anos – pensando aqui na América Latina –, mulheres não podiam aprender a ler e escrever, com raras exceções nas classes aristocratas e burguesas, fato que embasava toda a negação da participação delas nos âmbitos diversos: político, econômico, artístico, intelectual etc. Aos poucos, com a organização das mulheres para a luta por direitos que configuram dignidade para uma vida humana, esse cenário vem mudando, e as mulheres passaram a publicar, não sem dificuldades, seus livros, criar jornais, revistas etc. No âmbito editorial, é muito recente a participação das mulheres, principalmente em cargos de decisão.
No Brasil, sabe-se pouco sobre a história das mulheres em geral, talvez no mundo inteiro sabe-se pouco sobre isso... Em especial, sabe-se mais pouquíssimo ainda sobre mulheres que trabalharam ou fundaram editoras. Atualmente, há uma pesquisa promissora e bastante interessante, realizada pela professora Ana Elisa Ribeiro (2018), do CEFET/MG, intitulada “Mulheres Editoras no Brasil”. A partir daí, com a sistematização dessa pesquisa, em breve teremos dados mais concretos da representatividade delas no universo editorial.
Enquanto isso, segue-se um aumento de novas editoras com uma perspectiva exclusiva (ou não, mas que demonstra uma preocupação de equidade nas publicações de homens e mulheres) voltada para as mulheres: leitoras, escritoras e profissionais da área editorial. Quem são as mulheres que escrevem? Sobre o que elas escrevem? Quais os interesses de leitura das mulheres leitoras? A diversidade das mulheres, de suas condições sociais, e, ao mesmo tempo, contextos em comum, como o machismo, implica na diversidade temática que possam interessar uma mesma mulher? Historicamente, as mulheres sempre estiveram trabalhando em editoras, mas não exercendo função de decisões: como interpretar esse fato num contexto de desigualdade de gênero? O que pretende uma editora com perspectiva feminista?
Uma pequena conclusão que se ascende no pensamento é que esse interesse pela escrita das mulheres vem de vários âmbitos (culturais, sociais, políticos etc.) e está sendo engendrado principalmente por nós e com respaldo nas pautas feministas: lugar de fala, representatividade, críticas diversas, denúncias, sororidade... Além disso, nós mulheres somos maioria dentro das universidades e como leitoras (ver as últimas edições da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil).
Neste cenário em constante transformação, algumas mulheres fundaram editoras e ditam pautas temáticas de discussão atualizadas e voltadas para essa diversidade de interesses coletivos das “minorias”, contemplando um maior número de questões urgentes de serem discutidas seriamente – temáticas diversas que envolvem machismo, racismo, lesbofobia, transfobia, gordofobia, políticas sociais, sistema econômico, agroecologia, animalismos e mais.
Podemos citar algumas excelentes editoras fundadas por mulheres que se destacam nesse cenário: Editora Luas, Boitempo, Quintal Edições, Relicário, Autêntica, Mazza Edições, Macabéa Edições, Bazar do Tempo, dentre outras. Junto a isso, há uma crescente de grupos, coletivos de mulheres escritoras e leitoras para a divulgação de suas obras, como o Leia Mulheres e seus desdobramentos (Leia Mulheres indígenas, negras, latinas), o coletivo Mulherio das Letras, o Sarau das Minas, Slam das Minas, entre outros.
Tudo isso aponta para uma mudança importantíssima na sociedade e no mundo dos livros, indicando que as mulheres estão cada vez mais engajadas no universo das publicações, promovendo seu protagonismo e a bibliodiversidade. É um caminho sem volta que contribui para a multiplicidade das reflexões, para as transformações sociais e políticas, individual e coletiva, finalmente com a voz e as criações das mulheres em crescente foco.
* Cecília Castro – norte mineira, fundadora e diretora editorial da Editora Luas. Formou-se em Letras, pela PUC-Minas, em 2013, atualmente dedica-se exclusivamente ao seu projeto editorial feminista.
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko