Com mais de 30 anos de carreira, a atriz e diretora Adriane Mottola encara um novo desafio trazido pela necessidade do isolamento com a pandemia da covid-19. Juntamente com Guega Peixoto, Lauro Fagundes, Letícia Vieira, Liane Venturella e Sandra Possani, fundaram e movimentam o Umbu. O coletivo congrega artistas de diversos grupos teatrais de Porto Alegre que se unem para produzir conexões entre a cidade e seus moradores, através da arte, do teatro.
A "1ª Mostra Umbu das Artes" é a primeira ação do coletivo, mas, segundo Adriane, tem inúmeros projetos a caminho. “Somos uma colônia de formigas trabalhadoras”, brinca.
Adriane criou a Cia. Stravaganza, em junho de 1988, com Luiz Henrique Palese e Cacá Corrêa (ambos já falecidos). Na trajetória do grupo, foram produzidos 28 espetáculos e inúmeros projetos, além da conquista da sua sede própria. Ao chegar aos seus 33 anos, a Cia. se firma como um coletivo afinado com as teatralidades contemporâneas.
A 1ª Mostra Umbu das Artes vai exibir, na Cinemateca Capitólio, 14 obras produzidas por grupos teatrais durante a pandemia, tendo como objetivo a exibição na internet. As exibições começam nesta quinta-feira (25) e se estendem até o dia 1º de dezembro.
Confira a entrevista.
Brasil de Fato RS - O Umbu é uma árvore comum nos pampas e considerada um símbolo do Rio Grande do Sul. Tem uma copa enorme, fornece muita sombra e, por isso, tem espírito agregador. É por isso que esse foi o nome escolhido para o coletivo criado durante a pandemia?
Adriane Motolla - Sim, esta árvore pampeana sugere caminhos para o nosso Coletivo Umbu, que congrega artistas de diversos grupos teatrais de Porto Alegre que se unem para produzir conexões entre a cidade e seus moradores, através da arte, do teatro. O Umbu fornece sombra para os gaúchos e para outras pessoas que viajam através das pastagens. E não precisa de muita água para sobreviver. Que tal? Não remete a artistas produtores reunidos? Fundaram e movimentam a Umbu Adriane Mottola, Guega Peixoto, Lauro Fagundes, Letícia Vieira, Liane Venturella e Sandra Possani. A "1ª Mostra Umbu das Artes" é a primeira ação do coletivo, mas temos inúmeros projetos a caminho. “Uma colônia de formigas trabalhadoras”, com certeza.
BdFRS - Adriane, você tem mais de 40 anos de uma carreira construída nos palcos do Brasil e do mundo. Você, algum dia, tinha imaginado produzir teatro em vídeo para ser exibido em um cinema, como vai acontecer durante a "1ª Mostra Umbu das Artes" na Cinemateca Capitólio?
Adriane - Jamais imaginei, nesses anos todos, que interromperíamos nossas atividades por tanto tempo e que seríamos empurrados pra outros campos da criação artística, impelidos a investigar outras formas de expressão, assim, em tempo exíguo. Tanta provocação e obstáculo contribuiu para a criação de espetáculos e experimentos nas mais variadas formas. Resultado: uma produção audiovisual rica em diversidade, talento e imaginação, nascida da fonte do teatro. Mas já está na hora de voltar ao teatro, aos laboratórios, aos ensaios, ao encontro com o espectador, agora temos que preparar a volta.
BdFRS - A programação da mostra tem 14 obras audiovisuais entre curtas, médias e longas-metragens. Isso prova que a classe teatral da cidade se manteve ativa mesmo durante os períodos mais rígidos de isolamento social. Foi difícil produzir Artes Cênicas sem manter o olho no olho entre os atores, buscar a expressividade corporal com o limite imposto das telas e, acima de tudo, sem a energia que só o teatro produz?
Adriane - Num primeiro momento – março de 2020 – todos nossos encontros presenciais passaram a ser virtuais. Tivemos que descobrir como criar à distância, como não se deprimir com a vida interrompida, com os processos interrompidos, pesquisar outras possibilidades para o teatro, a tão falada “reinvenção nos tempos pandêmicos”. A veia artística – para quem é mesmo da profissão – é forte demais: os artistas recriam possibilidades, inventam mundos, resvalam por caminhos não trilhados, mas se mantém firmes e atuantes. Mas foi difícil sim, nos redescobrirmos na cena pandêmica. Houve imensos obstáculos, mas a produção criada – e uma boa parte dela está nesta primeira edição da Mostra Umbu – comprova que estamos “em ação”, atuando em outros espaços da vida artística que não os teatros.
Houve imensos obstáculos, mas a produção criada – e uma boa parte dela está nesta primeira edição da Mostra Umbu – comprova que estamos “em ação”
BdFRS - Você atua como atriz em "9 Saias", uma das obras audiovisuais que será projetada na abertura do evento e é dirigida por Fernando Kike Barbosa. Como foi o processo de gestação dessa produção para comemorar os 33 anos da Cia. Stravaganza?
Adriane - O nosso "9 Saias" teve o tempo necessário de gestação, não nos deixamos atropelar por nenhuma demanda, não estipulamos prazos. Foi um processo nascido do desejo de criar sobre os estudos decoloniais da companhia, sempre encaminhados pelo Kike, que está completamente envolvido pelo tema já há alguns anos. Através de encontros semanais por zoom, líamos e discutíamos textos e conhecíamos um pouco mais da arte decolonial.
Inspirados em dois textos da escritora afro-caribenha Jamaica Kincaid, “Minha Mãe” e “Girl”, que até então não tinha a sua obra traduzida e publicada no Brasil, fomos criando textos nossos e acrescentando depoimentos pessoais e exercícios solo em vídeo. A partir daí o experimento final foi sendo gestado. Somos um grupo grande, éramos 11 em processo, então cada exercício solo reverberava em mais 10 atores, o que gerava mais um sem número de novas cenas. Já estávamos em processo há quase um ano quando decidimos que já tínhamos o material para finalizar a criação, selecionar as cenas e editar o vídeo final. Estávamos em fins de abril e a Stravaganza completaria seus 33 anos em junho: a data perfeita para a estreia de "9 Saias".
BdFRS - Nesse período, um ponto positivo foi uma interação maior com profissionais de outras áreas, principalmente que atuam em cinema e TV. Esses laços se tornaram mais presentes?
Adriane - No caso do "9 Saias", o processo foi todo gerado dentro da Cia. Stravaganza, pesquisa, direção, atuação. As cenas – a maioria delas criada pelos atores em suas casas ou no Estúdio Stravaganza – foram gravadas nos próprios celulares. As animações e a edição final do vídeo foram feitas pelo Kiko Mello, com colaboração de todos, mas com a direção e supervisão geral do Fernando Kike Barbosa.
Já no caso de "A Mulher Arrastada", a gravação e streaming do espetáculo foi feita pela Macumba Lab para a "Mostra Cura – I Mostra Negra de Artes Cênicas de Porto Alegre", idealizada pelos artistas Thiago Pirajira e Silva Duarte e que se realizou de 2 a 7 de dezembro de 2020. Na mostra, o espetáculo foi gravado em apresentação ao vivo, sem a presença de público, e transmitida por streaming. São 14 obras que fazem parte desta "1ª Mostra Umbu das Artes" e, com certeza, a relação entre cinema e teatro se solidificou com as diferentes experiências que vamos poder assistir a partir desta semana, cada uma à sua maneira.
BdFRS - Muitos espaços culturais públicos de Porto Alegre estão fechados, como a Usina do Gasômetro, e, principalmente, teatros, como o Renascença e o Câmara. Como você acredita que será o teatro na fase pós-pandemia? Será difícil reconquistar o público e espaços para exibir os trabalhos?
Adriane - Acredito que o teatro tem muito a refletir sobre o Brasil nesse momento de caos e desesperança em que nos vemos hoje. E sempre haverá o espectador que procura mais que o simples entretenimento. Juntos vamos voltar aos teatros, de forma gradual, com todos os cuidados, vamos continuar na luta para voltar a ter esperanças de profunda mudança nos rumos do país. E para reabrir tantos espaços importantes para a cidade de Porto Alegre.
Só vislumbro futuro através da cooperação, da parceria entre artistas, grupos teatrais, espaços de pesquisa, criação e compartilhamento
BdFRS - A "1ª Mostra Umbu das Artes" terá debates todos os dias para discutir caminhos para a produção artística em Porto Alegre. Qual caminho você acredita que deva ser seguido e como a Umbu se encaixa nesse contexto?
Adriane - Só vislumbro futuro através da cooperação, da parceria entre artistas, grupos teatrais, espaços de pesquisa, criação e compartilhamento. E da luta por ocupar todos os espaços possíveis, institucionais e alternativas. Temos que nos espalhar pela cidade, ocupar cada praça, bairro, teatro, clube, museu. É um trabalho árduo e a Umbu surge para entrar na luta por esses espaços, criando, produzindo e distribuindo arte.
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Edição: Marcelo Ferreira