Rio Grande do Sul

CONTRA O FEMINICÍDIO

Mulheres denunciam aumento dos feminicídios no RS e cobram políticas públicas do governo Leite

Manifestação em Porto Alegre no Dia Internacional pelo Fim da Violência contra a Mulher pede basta à violência de gênero

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Manifestantes reuniram-se em frente ao Palácio Piratini e cobraram ações do governo Eduardo Leite - Foto: Silvia Fernandes

Para denunciar recrudescimento da violência contra a mulher no estado e cobrar ações de combate do poder público, movimentos feministas do RS realizaram uma manifestação, nesta quinta-feira (25), Dia Internacional pelo Fim da Violência contra a Mulher. Reuniram-se em frente ao Palácio Piratini e à Assembleia Legislativa, em Porto Alegre, cobrando por políticas públicas contra o feminicídio.

Vítima de violência doméstica por 12 anos, Denise Medeiros de Bastos, representando o Coletivo Uma Mulher Ajuda a Outra, de Nova Santa Rita (RS), compartilhou sua história no intuito de que não aconteça com outras. Casou grávida quando era adolescente e sofreu violência física, psicológica e patrimonial. “Eu tive, durante o ano da minha formatura, meus livros e cadernos rasgados por cinco vezes. No dia da minha formatura eu apanhei. Foram inúmeras agressões, tentativas de afogamento”, conta.


Denise e sua filha Helen / Foto: Fabiana Reinholz

“Um dia eu consegui dizer ‘basta’, peguei minhas coisas, saí e nunca mais voltei. É uma pena que muitas não tenham conseguido”, avalia. Segundo ela, o que falta para essas que não conseguem é “implementação de política pública, alguém que as ouvisse e dissesse que é possível”. Testemunha que encontrou força dentro dela e hoje quer “ajudar da melhor forma possível para que nenhuma mais caia”.

Denise conta que o Coletivo do qual faz parte foi fundado em março desse ano, durante a pandemia. “A gente via a necessidade das mulheres do nosso município serem ouvidas. Logo em seguida, começamos a campanha ‘Eu Meto a Colher’, que é contra a violência doméstica, tão abafada no nosso município. Sabemos que existe, conhecemos os agressores, mas as mulheres se sentem muito fragilizadas para falar sobre a agressão e sair daquela situação.”

Feminicídios no RS em 2021 já superam o total de 2020


Dos feminicídios ocorridos até setembro de 2021, 80,2% foram cometidos por companheiro ou ex-companheiro da vítima / Foto: Silvia Fernandes

Conforme destaca a jornalista Télia Negrão, do Levante Feminista Contra o Feminicídio, desde o início de 2021 morreram 87 mulheres vítimas de feminicídio no estado. “Já ultrapassamos o número de mulheres vítimas de feminicídio em 2020, que foram 79”, protesta. “Alguns matam, outros deixam matar, seja a sociedade que legitima essa forma trágica e cruel de retirar a vida, seja o Estado brasileiro, que é signatário de leis nacionais e internacionais, mas que não protege a vida das mulheres”, critica.

Télia denuncia que as redes de acolhimento estão desmontadas no estado, o que demonstra o abandono das mulheres em meio ao avanço do fascismo no país. “Não existe orçamento de combate à violência, as mulheres estão abandonadas, elas morrem antes de chegar na primeira delegacia.”

A última atualização dos dados do Observatório da Violência contra a Mulher da Secretaria de Segurança Pública do RS, que ocorreu em 5 de novembro, mostra que desde o início do ano até o mês de outubro o estado registrou 26.309 ameaças, 14.350 casos de lesão corporal, 1.676 casos de estupro (incluindo de vulnerável), 83 feminicídios e 210 tentativas. Segundo diagnóstico da Polícia Civil do RS, dos feminicídios ocorridos até setembro de 2021, 80,2% foram cometidos por companheiro ou ex-companheiro da vítima.

Coordenadora do Lupa Feminista, observatório que será lançado oficialmente na noite desta quinta-feira no canal do Levante Feminista RS no Youtube, Thaís Pereira Siqueira destaca que somente nesse ano, no Rio Grande do Sul, já foram registradas 639.914 ocorrências de violências contra as mulheres. Contudo, a psicóloga e integrante do Coletivo Feminino Plural afirma que a realidade é ainda mais grave, por conta das subnotificações no que diz respeito à violência de gênero.

“Os números são cada vez mais alarmantes e as mulheres são deixadas à margem, na invisibilidade. A invisibilidade também aparece quando tratamos esses casos a partir dos enfoques de raça/cor, etnia, identidade de gênero, orientação sexual, deficiência, que não são encontrados e, quando são, são precários”, destaca Thais.

Desmonte das políticas públicas no estado


Corpos foram desenhados no chão em memória das mulheres assassinadas no RS / Foto: Silvia Fernandes

Durante a manifestação em frente a sede do governo estadual, artistas realizaram uma intervenção para lembrar das vítimas de feminicídio, desenhando seus corpos e nomes no chão. As mulheres carregavam girassóis, símbolo da campanha do Levante Feminista contra o Feminicídio. Com cartazes, revezaram o microfone lembrando das vítimas e das invisibilizadas, como mulheres negras, deficientes físicas e lésbicas. E cobraram assistência por parte do governo Eduardo Leite (PSDB).

“Infelizmente, no governo Leite, ficamos sem a Rede Lilás, que várias organizações, institutos e entidades de governo faziam parte, junto dos movimentos sociais, para articular e fiscalizar as políticas públicas, assim como o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, que deveria ter tido eleições no início do governo e não teve”, critica a presidenta estadual da União Brasileira de Mulheres (UBM) e ex-presidenta do Conselho Estadual das Mulheres, Fabiane Dutra Oliveira.

Ela recorda de uma lei sancionada no início deste governo, de autoria da Manuela D’Ávila, que prevê geração de trabalho e renda para as mulheres. “Só que a gente não vê os projetos e não temos nem o Conselho para poder cobrar e ter esse diálogo direto com o governo”, lamenta.

Integrante do Movimento Olga Benario e coordenadora da Casa de Referência Mulheres Mirabal, Nana Sanches exemplifica o abandono com a situação da Mirabal, que nos últimos cinco anos atendeu 700 mulheres e está sem energia elétrica há três meses. “O Executivo segue fechando os olhos para esse importante movimento e essa casa de referência que atendeu centenas de mulheres nesses cinco anos, muito durante o período da pandemia, quando aumentou em 24% o número de feminícidios no nosso estado.”

Nana dedicou sua fala à Rosângela Cibele, mãe, 41 anos, que foi presa por roubar miojo e suco. “Fez isso pois estava passando fome. Esse é o Brasil que a gente tá vivendo: a Rosângela ficou presa pois os juízes, em primeiro e segundo grau, não liberaram por ela ser perigosa. O STJ que liberou essa mulher”, disse.

Mulheres precisam de apoio para dizer “basta”

Representando a Escola de Samba Imperatriz Dona Leopoldina, de Porto Alegre, Kátia Regina afirmou estar no ato para demonstrar que “as escolas de samba fazem o que o governo deveria estar fazendo mas não faz, que é ter um espaço de acolhida e de ação, que envolve o acolhimento de jovens e crianças dentro das escolas de samba, onde estão protegidos da violência.”

Segundo ela, o samba-enredo da Imperatriz para 2022 é “Me Respeita”, que mostra a situação de violência que sofrem as mulheres e pede políticas que deem um basta. “Nós, que somos de periferia, vemos o crescimento desta violência, que muitas vezes conseguimos barrar. O carnaval é um movimento cultural e social, somos espaços de resistência”, pontua.


Detalhe de faixas e cruzes em memória das vítimas de feminicídio usadas durante a manifestação / Foto: Silvia Fernandes

Mais que números, são vidas perdidas

A promotora Legal Popular formada pela Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos e integrante da UBM, Fabiane Lara dos Santos, destaca a importância. “Apresentamos para este estado fascista que ainda existe a falta de comprometimento para com nós mulheres.”

Ela ressalta que 87 feminicídios não são só números, mas são vidas perdidas de mulheres, mães e filhas. “Precisamos de políticas públicas e que volte a nossa Rede Lilás. A nossa denúncia é coro junto de outras tantas mulheres e entidades que tem o mesmo propósito: deixar as mulheres viverem livres sem a violência, em todas as suas formas”, afirma.

Antes de saírem em caminhada pela Avenida Borges de Medeiros, em direção à Prefeitura de Porto Alegre, as manifestantes fizeram um jogral com duras críticas ao governador Eduardo Leite. Também fizeram uma chamada para o próximo ato Fora Bolsonaro, prevista para o dia 4 de dezembro.


Manifestantes denunciam o descaso com relação à Casa Mirabal / Foto: Fabiana Reinholz

Durante o trajeto, na Esquina Democrática, foi montado um quiosque da Procuradoria Especial da Mulher, onde foram distribuídos panfletos sobre os tipos de violência contra a mulher. Em frente à Prefeitura, as manifestantes denunciaram o descaso com relação à Casa Mirabal.

Além de movimentos sociais e feministas, também estiveram presentes na manifestação entidades sindicais e representantes de partidos políticos da esquerda. Participaram as seguintes entidades: Sindsprev, Alicerce, MMM, Coletivo Ana Montenegro, COMDIM, UBM, Coletivo Feminista Outras Amélias - Mulheres de Resistência e Luta, Levante Feminista, Sintrajufe, Coletivo Uma Mulher Ajuda a Outra, Rede LesBi, Secretaria Estadual de Mulheres do PT, MTD, Coletivo Voz Materna, Escola de Samba Imperatriz Dona Leopoldina, Mulheres Mirabal e Movimento Olga Benario.


:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::

SEJA UM AMIGO DO BRASIL DE FATO RS

Você já percebeu que o Brasil de Fato RS disponibiliza todas as notícias gratuitamente? Não cobramos nenhum tipo de assinatura de nossos leitores, pois compreendemos que a democratização dos meios de comunicação é fundamental para uma sociedade mais justa.

Precisamos do seu apoio para seguir adiante com o debate de ideias, clique aqui e contribua.

Edição: Katia Marko