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As agendas internacionais de Lula e Bolsonaro vão além das eleições

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"Com sua agenda Lula foi capaz de impor uma superioridade política muito forte sobre Bolsonaro nesse embate que expôs a dimensão internacional de cada um" - Foto: Ricardo Stuckert
A agenda internacional se tornou chave no esforço da formação de um novo bloco no poder

A comparação entre as agendas internacionais de Lula e Bolsonaro é incontornável. Lula da Silva iniciou sua agenda dia 11 de novembro para encontros com parlamentares, chefes e ex-chefes de governo, lideranças políticas e jornalistas na Alemanha, Bélgica, França e Espanha. Já Bolsonaro viajou no dia 12 de novembro com destino ao Catar, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, onde se encontrou com representantes de monarquias e governos autoritários aliados aos Estados Unidos.

Obviamente as agendas estão relacionadas à política, aos movimentos políticos, porém não somente à dimensão eleitoral, ainda que esta seja a que se impõe em primeiro lugar na análise. Com sua agenda Lula foi capaz de impor uma superioridade política muito forte sobre Bolsonaro nesse embate que expôs a dimensão internacional de cada um. Enquanto Lula foi recebido com destaque por economias centrais da Europa, Bolsonaro marcou sua agenda pelo contato com monarquias reacionárias, não alinhadas com as conquistas democráticas do movimento dos trabalhadores no mundo, tais como direitos humanos e equidade de gênero. Apesar do esforço da maior parte das grandes empresas privadas de comunicação em esconder a agenda de Lula, ela acabou por se impor e repercutiu com vigor pelo país.

O efeito foi imediato. A política externa de Bolsonaro, que já era pífia como vimos nos episódios da reunião do G20 e da COP26, ficou mais apequenada ainda na comparação direta com a agenda de liderança mundial realizada por Lula. Bolsonaro acabou por retirar o Brasil das mesas centrais das relações internacionais a partir de sua política contrária ao multilateralismo, com adesão quase exclusiva às relações com o governo Donald Trump. O Brasil, que no cenário mundial, havia crescido de importância a partir da política de multilateralismos com a formação do BRICS e de um bloco sul-americano durante os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, foi empurrado por Bolsonaro a relações com políticas antidemocráticas, antidireitos humanos, antiambientais. E na esfera das trocas comerciais, foi reduzido à condição de fornecedor de produtos primários. Um retrocesso sob qualquer aspecto.

Neste campo a agenda de Lula indica que outro aspecto entra no jogo. Para além de “provar ao povo brasileiro que o mundo gosta do Brasil”, esta primeira agenda internacional de Lula indica movimentos pós-eleitorais. As escolhas dos interlocutores e dos símbolos da agenda de Lula foram passos iniciais para estabelecer relações que contrabalancem o peso político que as relações prioritárias com os EUA tomaram durante o governo Bolsonaro. Indica iniciativa para a reconstrução de relações multilaterais, único caminho plausível aos interesses brasileiros no plano internacional - obviamente visto a partir de uma posição de defesa da soberania e do crescimento econômico e da política de contrabalancear a influência dos EUA.

Da mesma forma, com sua agenda Bolsonaro dá contornos ao tipo de oposição que a extrema direita local fará, na provável hipótese da vitória de Lula nas eleições de 2022. Será uma oposição de combate ideológico, não restrita ao plano parlamentar, que terá em suas relações com a extrema direita mundial um pilar relevante. Não desconsideremos as agendas sistemáticas feitas pelo núcleo duro do bolsonarismo e pelo próprio Bolsonaro com essas lideranças. Como indica seu encontro com a deputada alemã Beatrix von Storch, vice-líder do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) ou com relações orgânicas gerais como revela Octávio Ferreira em artigo no site “A terra é redonda”.

A agenda internacional se tornou chave no esforço da formação de um novo bloco no poder com o provável governo Lula da Silva. Os indicativos dados são de um bloco entre trabalhadores e setores da burguesia descontentes com a política de isolamento de Bolsonaro. Para isto o estabelecimento de relações privilegiadas com a social-democracia europeia tomou, de início, projeção central.

Como qualquer política anticíclica, não neoliberal, precisa se basear em capacidade soberana do Estado brasileiro, a aquisição e desenvolvimento de tecnologia, de novos mercados, de novos setores econômicos são essenciais à política de Lula. As relações com a União Europeia são fundamentais para contrabalançar o peso político dos EUA e o peso econômico da China, mas também o reposicionamento da América do Sul como um bloco político e econômico é chave para um aumento de peso do Brasil nas relações internacionais. A reconstrução da União das Nações Sul-Americanas - UNASUL, dinamitada pelos governos de direita do continente, é fundamental. Uma agenda de Lula pelos países sul-americanos seria um forte indicativo desta política.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko