Rio Grande do Sul

Ciência

Epidemiologista mundialmente premiado aponta negacionismo para rejeitar medalha de Bolsonaro

César Victora recusou a homenagem indicando também as perseguições aos cientistas e os cortes nas verbas para a ciência

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O pesquisador Cesar Victora, da UFPel, rejeitou a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico que lhe foi atribuída pelo governo Bolsonaro - Foto: Flaviano Quaresma

Vencedor da mais importante láurea da epidemiologia mundial em 2021, o prêmio Richard Doll, o pesquisador Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), rejeitou a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico que lhe foi atribuída pelo governo Bolsonaro. “A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não me parece pertinente”, escreve Victora em nota divulgada hoje (5) e endereçada ao ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes.

“Enquanto cientista, diz Victora, não consigo compactuar com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e em especial os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência têm sido utilizados como ferramentas para retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade cientifica brasileira nas últimas décadas”. 

E prossegue: “Como cientista e epidemiologista, tenho tornado pública, através de palestras e artigos científicos, minha completa oposição à forma como a pandemia da covid‐19 tem sido enfrentada por esse governo”.

Na mensagem a Pontes, o pesquisador afirma que escreveu o texto “antes de ficar ciente de que as indicações de dois colegas cientistas com posições críticas ao governo federal foram tornadas sem efeito, conforme o Diário Oficial de 5 de novembro”. E reforça: “Tal atitude somente reforça minha decisão de não aceitar a distinção a mim oferecida”.

Bolsonaro retirou medalha de crítico da cloroquina

Victora se refere aos pesquisadores Marcus Vinícius Lacerda e Adele Schwartz Benzaken. Bolsonaro mandou revogar as duas condecorações nesta sexta-feira (5). Atuando na Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, de Manaus, Lacerda investigou a suposta eficácia da cloroquina contra pacientes de covid-19. Ao perceber que a droga aumentava o risco de ataque cardíaco, cancelou o estudo.

Benzaken dirigia o setor de combate às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e Aids do Ministério da Saúde. Começou no período Temer, mas foi demitida em janeiro de 2019 após autorizar a produção de cartilha dirigida a homens trans. O então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mandou retirar a cartilha de circulação e exonerou a diretora. Tanto Lacerda quanto Benzaken foram vítimas de ataques nas redes pela militância bolsonarista. 

Pesquisa de Victora sobre aleitamento materno foi adotada pela OMS

Os estudos de Victora nos anos 1980 revelaram a importância do aleitamento materno exclusivo para a sobrevivência infantil. Serviram para embasar a política de amamentação depois adotada pela Organização Mundial da Saúde. Tornando-se consultor da OMS, ajudou a definir as curvas de crescimento infantil que resultaram em padrões hoje adotados em 140 países para medir o desenvolvimento de crianças de zero a cinco anos.

O epidemiologista gaúcho é professor visitante das universidades de Harvard, Oxford, Londres e Johns Hopkins. Além do prêmio Richard Doll, recebeu outras condecorações internacionais entre elas, em 2017, o Canada Gairdner Global Health Award. Ele integra o conselho editorial das principais publicações da sua área, incluindo a britânica The Lancet que, em seus 200 anos de circulação, tornou-se uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo.


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Edição: Katia Marko