É urgente e necessário ter políticas públicas de segurança alimentar e nutricional e de agroecologia
Dia importante, até histórico. Dia 27 de outubro, semana que vem, a partir das 13h30, acontece o vigésimo Encontro de Sementes Crioulas, promovido pela Diocese de Santa Cruz do Sul. Será no Ginásio Luizão da Vila Santa Emília, minha comunidade de origem, em Venâncio Aires.
Minha primeira infância passou-se plantando fumo. Papai Léo e mamãe Lúcia criaram e sustentaram seus 9 filhos com tabaco na então Linha, hoje Vila Santa Emília, anos 1950/1960. O fumo foi, felizmente, abandonado faz tempo pela família, para plantar e cuidar de frutas,legumes e verduras, vendidas na Feira do Produtor na cidade. Mas ainda deu tempo para tia Leonida, enquanto sortia o fumo sentada no chão do galpão, escrever nas paredes letras, sílabas e palavras com carvão preto, que aprendi a decifrar. Entrei na Escola São Luiz, aos seis anos, sabendo ler e escrever.
As sementes de tudo o que se plantava, menos o tabaco – milho, aipim, batatas, feijão e tudo mais –, e se comia em casa, eram conservadas ali mesmo, passando de pai para filho. Eram sementes crioulas.
Quem diria que um dia, mais de meio século depois, em 2011/2012, este filho de colono, de agricultor familiar da Linha Santa Emília pudesse estar construindo, num governo popular, e junto com os movimentos sociais, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), e ser o primeiro Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)!
Nos anos 2010 a questão ambiental estava no centro das preocupações mundiais. O Papa Francisco lançou a Encíclica Laudato Sì, com a proposta da ecologia integral, o cuidado com a Casa Comum. O Brasil estava na linha de frente naqueles tempos, era vanguarda, aplaudido pelo mundo. Hoje, 2021, em vez de liderança ambiental e agroecológica, o Brasil é o campeão da liberação de agrotóxicos e de sementes transgênicas. E voltou ao Mapa da Fome.
Nada mais urgente e necessário, pois, do que ter políticas públicas de soberania, segurança alimentar e nutricional, e de agroecologia e produção orgânica. A PNAPO, lançada em maio de 2012, propõe como uma de suas Diretrizes: “V – Valorização da agrobiodiversidade e dos produtos da sociobiodiversidade e estímulo às experiências locais de uso e conservação dos recursos genéticos vegetais e animais, especialmente àquelas que envolvam o manejo de raças e variedades locais, tradicionais ou crioulas.”
O PLANAPO diagnosticava em 2012: “No campo das sementes, temos uma redução drástica da base genética ofertada no mercado, com nítida tendência para os cultivares geneticamente modificados e parahíbridos. O acesso a sementes de variedades de interesses da agroecologia e produção orgânica está cada vez mais difícil, tendo como espaços de resistência a essa perda da biodiversidade as casas ou bancos comunitários de sementes, onde guardiões de sementes vêm prestando um serviço ambiental fundamental.”
O Eixo II do PLANAPO – ‘Uso e conservação de recursos naturais’ - tinha como meta 8: “Ampliar processos para a produção, manejo, conservação, aquisição e distribuição de recursos genéticos de interesse da agroecologia e da produção orgânica”. E como iniciativa: “Mapear a ocorrência de variedades crioulas, locais e tradicionais em Unidades de Conservação de Uso Sustentável e suas respectivas zonas de amortecimento; apoiar organizações produtivas para a implementação e qualificação das casas, bancos e dos guardiões de sementes e mudas; estruturação produtiva de bancos comunitários de sementes.”
O Decreto presidencial 9759/2019, do atual governo federal, extinguiu a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, CNAPO, governo e sociedade juntos, e toda a política coordenada pela Comissão.
O Plano de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul 2018/2019 prevê, no seu Desafio 4: “Promover a produção de alimentos saudáveis e o fortalecimento da agricultura familiar com a dinamização de sistemas de produção de base agroecológica e sustentável, propõe a o desenvolvimento rural sustentável, com transição agroecológica, com elaboração e implementação de trabalho junto aos agricultores familiares para aumentar o percentual de produtores agroecológicos, a diversificação da produção alimentar, com fomento à adoção de iniciativas de diversificação de produção de alimentos em regiões produtoras de tabaco.”
É hora e são tempos de resistência ativa, como no exemplo das sementes crioulas.
Na Serra da Borborema, Paraíba, as sementes locais, sementes crioulas, são chamadas Sementes da Paixão, e são preservadas por bancos de sementes comunitários. O vigésimo Encontro de Sementes Crioulas, em 27 de outubro de 2021 na minha Santa Emília, será o Encontro das Sementes Crioulas, as Sementes da Paixão.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko